O impacto do acordo comercial União Europeia-Mercosul

Vantagens e desafios da parceria para o setor plástico do Brasil

Embora ainda tenha pela frente uma longa e tortuosa tramitação até a sagração definitiva, a notícia do consenso alcançado entre os países membros quanto ao acordo negociado há 25 anos pela União Europeia (UE) e Mercosul foi enaltecido com estardalhaço na mídia. Do seu lado, o governo brasileiro capitalizou o entendimento como um feito divisor de águas, por conta do aval dado a um comércio internacional com as partes em relativo pé de igualdade, um respiro nesses tempos de protecionismo redivivo. No plano específico da indústria plástica brasileira, os sentimentos em relação aos reflexos esperados do acordo variam, conforme o segmento, do júbilo à prudência e aguardo pelo detalhamento das cláusulas para se ter uma visão mais nítida do que vem por aí. Até o momento, os números revelam um comércio em fogo brando mas que, aditivado pela camaradagem tarifária do acordo encaminhado, pode fazer do Mercosul – Brasil à frente – um amenizador da crise atual para a cadeia plástica da UE, hoje carente de custos competitivos devido a entraves tipo energia e encargos trabalhistas caros, escalas defasadas, rota petroquímica (nafta) mais dispendiosa, crédito escasso e PIB frustrante da zona do euro desde o início da guerra na Ucrânia, em 2022.

Do outro lado da moeda, deixa claro a unanimidade na praça, a União Europeia permanece a alma mater da ciência plástica mundial e a perspectiva de, pelo acordo, desfrutar esta vanguarda em materiais e máquinas abre oportunidades singulares de modernização para transformadores e componedores do Brasil, assim como de alianças tecno-mercadológicas deles com seus pares europeus. Daí para a frente, que o céu seja o limite.

“Depois de muitas idas e vindas, o texto final chega a um acordo equilibrado em termos de acesso a mercados e modernidade, incorporando, entre outros, conceitos de sustentabilidade, padrões fitossanitários e propriedade intelectual”, elogia André Passos Cordeiro, presidente executivo da Associação Brasileira da Indústria Química (Abiquim), representação também do elo petroquímico.

Investimentos sustados

01 Andre Passos Cordeiro Abiquim
André Passos Cordeiro: ambiente saudável de negócios e competição isonômica.

Passos não acolhe o argumento de que a redução de barreiras aduaneiras, explicitada no acordo, possa fragilizar a posição da indústria química brasileira na disputa pelo mercado interno. Conforme rememora, a falta de competitividade internacional do setor decorre de fatores estruturais da economia do país e levou à descontinuidade de diversas linhas de produção nos últimos anos. “Isso resultou na desaceleração em termos de quantidades de químicos de uso industrial produzidas e vendidas no Brasil. Elas atingiram em 2023 os piores níveis no histórico de 17 anos, razão para inúmeras oportunidades de investimentos não serem efetivadas”, justifica Passos. A ausência desses recursos, ele segue, convergiu para uma situação tornada crítica pelo surto de importações para complementar o suprimento da demanda doméstica. “São impulsionadas por preços predatórios, resultantes de uma competitividade conjuntural, artificialmente sustentada em insumos (gás natural e energia) e matérias-primas russas adquiridas a preços favorecidos por países asiáticos em razão da guerra no leste europeu”, pondera Passos. “Daí o deslocamento sofrido por produtos químicos fabricados no Brasil no próprio mercado interno e nos principais parceiros comerciais”.

Progressiva eliminação tarifária

Sob este prisma, amarra o dirigente da Abiquim, a aproximação com a UE tem potencial para dar base ao fluxo de comércio exterior de produtos químicos brasileiros num ambiente saudável de negócios e competição isonômica, fundamentado em progressiva eliminação tarifária. “O processo contempla a exclusão de produtos industriais críticos do cronograma de liberalização comercial e com cestas de materiais europeus que podem tardar até 15 anos para entrar no Mercosul sem tarifas aduaneiras”, acentua Passos. Esses fatores, frisa Passos, minimizam riscos de deslocamento do comércio interno entre membros do bloco sul-americano.

O presidente executivo da Abiquim salienta que o acordo bafejará a indústria química dos países signatários com acesso consolidado e de forma equilibrada aos mercados em cena. “É de especial interesse o enfoque dado à sustentabilidade através do estímulo, via P&D, investimentos e tratamentos diferenciados, à integração das cadeias produtivas rumo à descarbonização da economia”.

Verde para sair do vermelho

02 Jose Ricardo Roriz Coelho
José Ricardo Roriz Coelho: produtividade e sustentabilidade podem alargar vendas de transformadores brasileiros na UE.

É um ponto de vista que José Ricardo Roriz Coelho, presidente do conselho da Associação Brasileira da Indústria do Plástico (Abiplast) endossa e destaca como oportunidade. “O Brasil tem grande potencial para se diferenciar como economia verde, pois dispomos de matriz energética limpa, enorme biodiversidade e estruturação em andamento rumo a uma indústria e produção circular”.

No momento, observa Roriz, a balança da indústria plástica do Brasil com a UE é deficitária no comércio dos transformados e matérias-primas em geral, “excetuados os superávits atingidos em PEBD e PEAD”, ele distingue. A título de referência, ele situa as exportações brasileiras de artefatos plásticos para a UE em US$ 86 milhões no exercício de 2024 versus importações originárias da zona do euro acima de US$ 838 milhões. “A despeito desse saldo negativo, a abertura comercial (nota: via acordo) traz sempre vantagens, relativas ao maior acesso a tecnologias e matérias-primas, e desvantagens ligadas à possibilidade de o atual déficit comercial brasileiro ser ampliado pela entrada de mais produtos”.

Roriz vê com reservas as chances de, com as amenidades alfandegárias do futuro acordo, resinas da UE abocanharem espaço no Brasil das rivais asiáticas e americanas. “As resinas dos EUA se diferenciam pelo custo em razão do gás natural acessível e as da Ásia desfrutam grande oferta de matérias-primas competitivas”, ele expõe. “Devido a custos como os de energia, a resina da UE é tradicionalmente mais cara e seus diferenciais competitivos serão cada vez mais relacionados à sustentabilidade”.

São vários os senões, pondera o dirigente da Abiplast, perante a suposição de as exportações para a UE de transformados brasileiros tradeable crescerem trilhando o andaime do acordo ainda não sacramentado. “São vantagens que poderemos desfrutar desde que nossos produtos tenham custo competitivo e, para isso, medidas protecionistas ainda vigentes na UE devem ser revisitadas”, avalia Roriz. “A transformação brasileira deve aproveitar essas oportunidades considerando os preceitos de produtividade e sustentabilidade”.

Resgate de parcerias

03 Fernando Tadiotto
Fernando Tadiotto: acordo aumentará a atuação de componedores europeus no Brasil.

Compostos configuram um dos nichos da indústria plástica mais sujeitos no Brasil a intercorrências por conta do acordo com a EU, julga Fernando Tadiotto, diretor comercial da componedora nacional Petropol. “Uma das principais mudanças será a maior participação no Brasil de componedores de peso europeus nas vendas diretas aos consumidores locais e pela via indireta por parcerias com concorrentes daqui”. À guisa de ilustração, ele comenta que sua empresa já sofre grande influência dos mercados asiático e norte-americano, atribuída à competitividade na importação de matérias-primas deles. “Através do acordo com a UE, resgataremos do passado grandes parcerias com fornecedores europeus com materiais de qualidade e competitividade logística no comparativo com o mercado asiático”. Tadiotto também ressalta a capacidade europeia para suprimento de aditivos e cargas. “Muitos grades dos nossos compostos utilizam auxiliares específicos para determinados requisitos e hoje os compramos da distribuição local, o que nos aumenta custos e lead time (tempo de entrega e processamento) e afeta o forecast (previsão de faturamento)”.

Em contrapartida, o diretor antevê que deverá deparar em seus clientes no Brasil com concorrentes europeus de grande porte e excelência operacional. “A redução tarifária dará maior competividade no Brasil aos compostos europeus, inclusive porque seus produtores possuem um extenso leque de homologações mundiais facilitando a entrada deles diretamente em clientes”, repisa Tadiotto. Outro ponto a considerar que ele levanta: a confiança do mercado brasileiro na qualidade dos produtos europeus, no comparativo com rivais asiáticos. “Por sinal, a Petropol acumula vasta experiência com empresas europeias em serviços de tolling e distribuição que viabilizaram a evolução das nossas soluções”.

Tadiotto concorda que o apelo sustentável é um ás na manga de seu segmento para cavar espaço na UE na garupa do acordo bilateral. “O mercado europeu necessita de produtos de origem renovável; percebemos aqui na empresa essa demanda por soluções de origem não fóssil ou contemplo plástico reciclado de aparas ou pós-consumo.”

Filão das exportações

04 Catrasta
Catrasta: oportunidades para masters na participação em produtos finais exportados para a UE.

Na raia dos masterbatches, vizinha do compartimento dos compostos, Wagner Catrasta, diretor comercial e de suprimentos da Macroplast, não se anima com a possibilidade de acesso a insumos europeus tornado menos custoso pelo acordo UE-Mercosul. “O custo elevado do câmbio e, pelo mundo afora, as enxurradas de ações antidumping e aumento das tarifas de importação estão inviabilizando as importações de matérias-primas”. Catrasta também não percebe vantagens substanciais para exportações brasileiras de resinas, auxiliares e especialidades para a Europa.“Os atrativos maiores para nossos materiais continuam no mercado interno e o Mercosul”.

Onde há oportunidades suculentas, ele aponta, é nas vendas de concentrados para uso em transformados destinados a empresas que exportam seus produtos finais. Catrasta exemplifica com as indústrias automotiva, linha branca, agropecuária e filmes para embalar alimentos processados.

“Os próximos anos serão marcados pelo protecionismo norte-americano”, sustenta o diretor da Macroplast. “Será seguido pela Europa, numa tentativa desesperada de frear o crescimento e domínio da China em produtos manufaturados”.

Alemanha e Itália são os regentes mundiais da tecnologia e vendas de máquinas básicas e periféricos para a transformação de plásticos. O reduto de injetoras europeias, em particular, conta com expressivo contingente de escritórios comerciais no Brasil. Essa presença relevante e as importações de equipamentos da Europa facilitadas pelo acordo com o Mercosul motivaram o pedido de Plásticos em Revista de entrevista à Câmara Setorial de Máquinas e Acessórios da Indústria do Plástico (CSMAIP), integrada à Associação Brasileira da indústria de Máquinas (Abimaq). As informações solicitadas não vieram até o fechamento desta reportagem.

Importações e exportações brasileiras de produtos químicos para a União Europeia em Toneladas
Fonte: Abiquim
Importações e exportações brasileiras de produtos químicos para a União Europeia em US$/T
Fonte: Abiquim
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Fonte: Abiquim
50 itens tarifários mais exportados à União Europeia
Fonte: Abiquim
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