Falar em ráfia é falar em PP, agronegócio, sacaria e big bags.Pois a representação do setor, a Associação Brasileira dos Produtores de Fibras Poliolefínicas (Afipol), decidiu ser hora de dar um basta nessa definição tão restrita. Afinal na realidade, o universo da fibra sintética também abarca materiais auxiliares, equipamentos básicos e periféricos, o mercado livre de energia e uma multidão de entidades representativas de setores finais, muitos deles fora do mega mercado dos grãos. Para botar o plano em prática, a cúpula da Afipol decidiu que sua presidência, exercida por um empresário do setor, não teria como acumular o trabalho de bater em cada porta da cadeia de ráfia para se apresentar e buscar filiados. Além disso, essa conquista depende do que a Afipol teria a oferecer aos novos entrantes e sua diretoria não tem condições de esmiuçar um pacote tentador de respaldos e serviços. Foi para fechar esta lacuna que a entidade recrutou Sergio Weiss, veterano do setor plástico com passagens pela petroquímica e transformação, como seu primeiro gerente executivo em 51 anos em campo. Nesta entrevista, ele desvenda sua estratégia para energizar o poderio da Afipol.
Como avalia o impacto da enchente no Rio Grande do Sul e queimadas em várias regiões sobre o mercado de grãos para ráfia este ano? No momento (14/11), qual a previsão para produção/vendas de sacos e big bags este ano versus 2023?
Sem dúvida alguma, o setor de ráfia foi impactado pela enchente no Rio Grande do Sul, porém os efeitos mais significativos serão sentidos nas vendas em 2025. Isso porque, de imediato, observamos alguma redução no mercado de sacaria para alguns moinhos de trigo e atrasos nas entregas aos produtores de fertilizantes, principalmente aqueles impactados pela questão logística. Como muitas entregas encomendadas já haviam ocorrido antes dos eventos, o efeito é um pouco menor neste ano. No entanto, o efetivo uso das embalagens pelos clientes foi reduzido fazendo subir seus estoques, o que trará reflexos nas vendas futuras.
Quanto às queimadas notadas principalmente no Sudeste e que atingiram o setor sucroalcooleiro, constatamos abalos pela quebra da safra na região. Esperamos então o mesmo efeito do caso da enchente no Sul em relação às vendas às usinas de açúcar no ano que vem. 2024 vinha sendo um exercício muito bom em termos de vendas, porém deve acabar com números semelhantes a 2.023, exatamente pelo efeito das queimadas. Vamos avaliar esse quadro junto às associações as medidas a serem tomadas para nos adequarmos às necessidades dos clientes.
Apesar dos desastres climáticos, 2024 vem sendo um ano positivo em termos de venda das embalagens de ráfia – aponta-se um crescimento entre 8 e 10%. No entanto, a rentabilidade anda muito comprometida, seja pelo lado dos custos de insumos (energia, matéria-prima, fretes etc), seja pela influência da importação de produtos acabados e semi a preços nada condizentes com a realidade local.
Quais segmentos de sacos e big bags mais penalizados pelas crises climáticas no Brasil este ano?
O efeito dessas adversidades afeta volume de vendas gerais do setor de ráfia pois nossos maiores mercados estão ligados ao agronegócio. Fertilizantes, açúcar, sementes, trigo e farelo juntos representam 70% das vendas.
Embalagens de ráfia são a melhor solução paras diversas commodities agrícolas e, com as safras sempre quebrando recordes, o consumo no Brasil é crescente. O que percebemos como efeito das mudanças climáticas , é uma ampliação da falta de previsibilidade. Afinal, é sabido que, em termos de safra, nunca um ano é igual ao outro. Este aumento da imprevisibilidade afeta as cadeias produtivas, alterando o período de aquisição de matérias-primas, alocação de pessoal, contratação de fretes, estoques, recursos financeiros etc. Ou seja, deixa uma incerteza ainda maior num cenário já oscilante naturalmente.
Em 2022, a Afipol estimava a capacidade nacional de extrusão de ráfia em 161.000 t/a e a de tecelagem, 156.000 t/a. Quais devem ser estes indicadores este ano e o nível médio de ocupação?
Baseado nas estatísticas dos associados e inferências em relação aos demais produtores nacionais, assumimos que a capacidade instalada, considerando 2024/2025, em 300.000 t/a. Os filiados à Afipol respondem por aproximadamente 65-70% desse volume. Realizamos um forte monitoramento dos indicadores aqui dentro da associação, mas, para os produtores não presentes é necessário fazermos estimativas dos volumes.
Executando todo esse exercício, indicamos uma capacidade de ocupação média próxima a 75% do setor de ráfia numa base anualizada, mas com enormes sazonalidades bem conhecidas do mercado.
Os problemas climáticos influíram de alguma forma no comportamento das importações de tecidos, sacos e big bags este ano?
Nosso setor possui capacidade instalada para produção, logística e competência técnica para atendimento de todo mercado brasileiro. Porém é notório o aumento de produtos importados muitas vezes de baixa qualidade, com certeza utilizando preços subsidiados de suas origens e prejudicando a indústria local. Fatores climáticos nada afetam a disponibilidade da ráfia, mas fatores estruturais, sim, principalmente os de cunho concorrencial e que destroem valor da cadeia, prejudicando empregos, geração de impostos, investimentos etc.
Em 1973, a Afipol foi constituída com empresas 11 filiadas. Ela declara responder hoje por 80% da produção nacional de ráfia. Pode estimar quantas indústrias respondem pelos 20 % restantes da produção e o que a Afipol, sob a gestão de seu primeiro gerente executivo, planeja fazer para aumentar o quadro de associados?
A Afipol hoje representa 15 empresas produtoras, uma outra companhia está em processo de filiação e a entidade conta com suporte de quatro fornecedores, totalizando no momento 19 associados. Dessas 15 empresas produtoras, 13 são do setor de ráfia, uma produz cordas e multifilamentos e a outra produz tapetes e carpetes.
Nossa representatividade está na faixa entre 65-70% em termos dos produtores de ráfia e temos mapeado ao redor de 15 outras dessas indústrias que poderiam fazer parte da Afipol, fortalecendo nossas ações. Nosso levantamento também aponta para vários produtores de embalagens os chamados confeccionistas que, compram tecidos e acessórios para produzí-las. Acreditamos que também poderemos atrair empresas desse perfil, pois são importantes elos da nossa cadeia industrial e sua integração aos demais segmentos participantes da Afipol decerto será benéfico a essas empresas. Esta busca de aproximação de mais frentes do setor é um dos meus desafios como gerente executivo da associação, mostrando valor a antigos associados que se desligaram e a empresas que nunca estiveram presentes. Com uma administração mais independente e maior governança, é possível separar totalmente os interesses estritamente setoriais daqueles de natureza individual, tornando a Afipol uma voz única para todas as empresas sob sua alçada.
Quais as ações tomadas pela Afipol para se munir regularmente dos indicadores sobre a conjuntura do mercado?
Será muito intenso o trabalho de aprimorar os indicadores de desempenho do setor, devido à relevância das informações. Já dispomos de uma gestão independente e dedicada à curadoria desses dados. Hoje em dia, por sinal, a associação efetua uma coleta mensal de dados muito ampla junto aos associados. Essa pesquisa contribui para que entendam os movimentos da demanda e seu conteúdo atrai os fornecedores do setor de ráfia, com indicadores dos volumes de matéria-prima transformada, aditivos e dados de equipamentos e de energia. Esse detalhamento inclui o desdobramento dos indicadores por mercado. Portanto, é possível monitorar onde está havendo maior crescimento ou onde existe migração de embalagens menores para big bags, que hoje representam 47 % do setor de ráfia.
A análise de oportunidades fora do agronegócio faz parte das suas atribuições?
Também está nos planos a constituição de grupos de trabalhos técnicos, com focos como sustentabilidade, e competitividade, estimulando a participação presencial dos associados e fornecedores. Por exemplo, um comitê para estudar o uso de big bags na construção civil, solucionando um problema gigante que esse setor possui em relação ao armazenamento dos materiais de construção, muitas vezes colocados de modo inadequado nas ruas, resultando em perdas significativas de produto devido às chuvas e enchentes.