Bússola da legislação global, a agência norte-americana Food and Drugs Administration (FDA), regente da regulamentação relativa a alimentos e medicamentos, começou a alterar, nos últimos anos, a linha divisória entre as reciclagens química e mecânica de plásticos pós-consumo. O redesenho da fronteira surgiu com a luz verde dada pela entidade a projetos apresentados de reciclagem mecânica de resinas, em particular poliolefinas, para uma aplicação antes exclusiva da reciclagem química: recipientes de alimentos. O mérito dessa guinada decorre da evolução técnica de etapas da meos compleza e mais acessível recuperação física de polímeros, casos da triagem e descontaminação, contemplando os materiais restaurados com plenas condições de substituir contratipos virgens de grau alimentício (food grade). Este é o estandarte empunhado pelo projeto global NEXTLOOPP, fruto de oito anos de pesquisas e que, após quatro de prática na Europa, larga nos EUA no ano que vem, na trilha aberta pelas autorizações pela FDA, para firmar sua modalidade de circularidade para PP reciclado mecanicamente com grau alimentício, como detalha nesta entrevista o professor Edward Kosior, fundador do NEXTLOOP.
Até o momento, a FDA já aprovou quantos projetos de PP reciclado mecanicamente para uso em contato de alimentos?
Do início de 2023 até o momento (4/11), a agência contemplou com 21 cartas de não objeção a projetos desse tipo submetidos por empresas da América do Norte, Ásia e Europa. Se retrocedermos a 1991, total sobe para 48 cartas cobrindo tópicos que abrangem muitas matérias-primas, tacas de aditivação e condições de aplicações.
Diante da gradual entrada de PP reciclado mecanicamente em embalagens de alimentos, como fica o campo de atuação da reciclagem química do polímero com a mesma finalidade? E, dentro dessa trilha, quando e porque é mais conveniente optar, para uso em contato com alimentos, por PP oriundo da reciclagem química ou da mecânica aprovada pela FDA?
A reciclagem química ainda está num estágio embrionário de desenvolvimento. Ela se baseia no uso do balanço de massa, um enfoque não aceito universalmente. O rendimento na polimerização proporcionado pelo monômero (propeno) obtido do óleo de pirólise e, a seguir convertido em PP, fica abaixo de 10%. Hoje em dia, os volumes gerados por essa técnica de reciclagem são ultra pequenos perante uma escala global da ordem de 80 milhões de toneladas de PP produzidas pela rota petroquímica. Por sua vez, a pegada de carbono da reciclagem química é o dobro da mecânica para plásticos rígidos. O custo de PP quimicamente reciclado costuma ser cotado como muito alto comparado a PP virgem. Alguns indicadores sugerem um encarecimento da ordem de 500%.
A reciclagem química deve gerar um material similar ao PP virgem. Ocorre, porém, que a produção atual desse polímero recuperado é baseada em taxas bem pequenas de adição de óleo de pirólise no cracker. Não se sabe o que aconteceria se os níveis subissem para 5% ou 10%.
O projeto NEXTLOOPP inviabiliza ou não a reciclagem química?
Nossa tecnologia de reciclagem mecânica e outros processos de alta performance constituem rotas preferíveis para o mercado à reciclagem química, com base na economia e pegada de carbono. O que falta hoje é uma demonstração forte e consistente da conformidade desses processos de reciclagem de PP para uso em contato com alimentos.
Poderia descrever, passo a passo, a atividade do projeto NEXTLOOP Americas e sua proposta de reduzir o lixo plástico e abrir caminho para PP reciclado mecanicamente em embalagens de alimentos?
NEXTLOPP Americas é uma versão paralela do projeto original colaborativo NEXTLOOP Reino Unido/Europa. Foi desenhada para demonstrar tecnologias de ponta para tornar resíduos de embalagens de PP em resina reciclada grau alimentício. O objetivo é estabelecer cadeias de suprimento de refugo (PP de embalagens de alimento ou não) e instalações de reciclagem aptas a produzir PP grau alimentício sob licenciamento.
Os passos da operação nos EUA são os seguintes:
- Os integrantes provêm de brand owners, petroquímicas, transformadores, recicladores, indústrias finais, empresas de coleta e processamento de sucata, fornecedores de tecnologias, organizações e associações, entre outras origens.
- Auditoria em correntes de lixo de PP em regiões acordadas para definir as condições físicas e químicas da matéria-prima.
- Desenvolvimento de nova estrutura de coleta junto com entidades da indústria e de gestão de resíduos.
- Obtenção da carta de não objeção à operação em foco, no continente americano, para processamento de PP grau alimentício resultante da reciclagem mecânica.
- Produção de PP reciclado pelos standards NEXTLOOPP com utilização de tecnologias avançadas de sepsaração e reciclagem, em linha com os padrões de reciclagem grau alimentício ou não de organizações dessa área na América do Norte.
- Análise química das resinas grau alimentício ou não recicladas pelos critérios NEXTLOOPP.
- Corridas experimentais do PP reciclado em linhas da transformação e de brand owners, com monitoramento dos processos, características mecânicas e performance no contato com alimentos.
- Validação na manufatura da embalagem da conformidade para contato com alimentos, incluindo envase, vida de prateleira, estabilidade, propriedades organolépticas e estudos de migração.
- Desenvolvimento e implantação de tecnologias no continente americano para elevar a performance na reciclagem, em termos como descontaminação e consistência.
- Preparo de relatórios adicionais sobre inovações nos processos para submissão ao crivo da FDA.
- Envolvimento no licenciamento de tecnologias adiantadas de reciclagem mecânica para operação no continente americano.
- Divulgação dos resultados da reciclagem mecânica de PP grau alimentício
Como o NEXTLOOPP é remunerado?
As subscrições para o projeto cobrem seus custos de gerenciamento e licenciamento para respaldar os gastos operacionais.
Qual a estratégia para a atuação do NEXTLOOPP nos EUA?
A versão NEXTLOOPP America será oficialmente lançada em 2025.Estamos buscando gerar interesse na operação mediante webinars introdutórios e contatos individuais com interessados. Com base na bagagem de quatro anos de P&D na Europa, esperamos que o projeto norte-americano evolua com rapidez e um fator determinante para isso é a lacuna entre a produção e reciclagem grau alimentício de embalagens de PP e a destinação da ordem de um milhão de t/a de resíduo da resina nos aterros americanos. No momento, do consumo anual de oito milhões de toneladas de PP nos EUA, apenas uma parcela de 8% é reciclada. Ou seja, uma grande perda de resíduo e uma grande oportunidade para recicladores e brand owners mudarem o panorama da coleta de PP.
Para a obtenção de PP reciclado mecanicamente com grau alimentício quais os avanços em processos adotados pelo NEXTLOOPP?
Utilizamos uma gama de métodos como separação avançada e etapas de purificação e lavagem, secagem e descontaminação intensas. Por exemplo, o uso revolucionário de inteligência artificial na triagem dos resíduos recicláveis de embalagens de PP, provendo níveis de pureza e precisão em linha com os parâmetros para reciclados grau alimentício.
No Brasil, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) veta o uso em embalagens alimentícias de polímeros reciclados, exceto PET bottle to bottle (BTB). A chegada aqui do projeto NEXTLOOPP poderá influir para que seja permitido no país o uso de PP mecanicamente reciclado em contato com alimentos?
Em geral, governos vetam plástico reciclado em contato com alimentos sob temor de riscos à saúde pública, medida dos tempos do celular do tamanho de tijolo. Mas os tempos e tecnologias mudam em todo o mundo é, tal como PET BTB foi recentemente validado como processo seguro em países como Índia e China, esperamos o mesmo para o projeto NEXTLOOPP Americas. Um dos destaques dessa tecnologia é o desenvolvimento de grades de alta performance resultantes de frações de PP pós-consumo impróprio para contato com alimentos. Denominamos esses grades de PPristine INRT em razão de sua composição muito limpa e baixa incidência de compostos orgânicos voláteis (VOC), o que os qualifica para mercados como cosméticos sensíveis e componentes do interior de carros. Tal como ocorre em outros países, os recicladores do Brasil terão condições de atender a demanda local com nosso PP reciclado de alto padrão e a exportar resinas premium a transformadores de outros países seguidores da regulamentação da FDA para aplicações em contato com alimentos.