Desde sua partida em 1987, uma fábrica tem escrito boa parte da trajetória dos compostos de PP no Brasil. Ela foi o nascedouro de um punhado de formulações que ensejaram a substituição de metal em autopeças, assim como nacionalizou, por vezes em primeira mão, tipos de compostos considerados avançados na indústria automotiva global. Nesse ínterim, a unidade em São Paulo encarou os altos e baixos da produção brasileira de veículos. Reflexo também dessa estrada acidentada, aquela planta da componedora nacional Branco passou pelo controle da Dow, Bain Capital e Trinseo até que, em 2016, ela ganhou vida nova ao ser incorporada à empresa brasileira Qoppar Participações Ltda. Mediante injeção de sangue bom de investimentos, rodando a pleno e rebatizada como CPE – Compostos Plásticos de Engenharia, a modernizada unidade tem florescido desde então no pelotão de elite dos componedores de PP para montadoras e sistemistas. Hoje, porém, com a produção automotiva há tempos estacionada na pálida média anual de 2.5 milhões de unidades, a Qoppar esquadrinha outros mercados e polímeros para diversificar seu raio de ação, ocupar novas extrusoras e intensificar os desenvolvimentos bombeados no pipeline, detalha nesta entrevista o diretor José Melnik, um dos acionistas fundadores da Qoppar.
Em 2016, com capacidade para fornecer 5 milhões de veículos, o Brasil produziu 2.15 milhões, recuo de 11% sobre 2015. A situação pouco mudou desde então. Diante disso, quais as motivações para a Qoppar adquirir a planta componedora que foi da Branco, Dow e Trinseo?
A decisão de adquirir a fábrica em 2016 foi motivada por uma visão de longo prazo e um reconhecimento do valor agregado da planta. Na época, a indústria automotiva passava por uma fase de contração, com o Brasil produzindo 2,15 milhões de veículos, embora a capacidade instalada nacional fosse de 5 milhões. Esse descompasso evidenciava não só a ociosidade do setor como o potencial para ganhos operacionais em plantas bem estruturadas e com preços competitivos.
A oportunidade estratégica que a Qoppar enxergou foi a possibilidade de otimizar a operação dessa planta e explorar novos nichos fora do setor automotivo. Nossa entrada permitiu que a CPE realizasse melhorias e ajustes internos, ganhando competitividade e expandindo a atuação para atender demandas de outras indústrias.
Hoje em dia, com uma produção há anos estagnada (2.36 milhões de veículos em 2023), o setor automotivo enfrenta desafios com altos juros e baixo crescimento. Ainda assim, sua robustez e capacidade instalada permanecem como ativos de prontidão para retomadas futuras. A CPE, por sinal, tem superado o desempenho da indústria automotiva em market share, ampliando a atuação com soluções diversificadas.
Quando a Qoppar ingressou no negócio, qual era a capacidade instalada, o número de extrusoras, sua participação no mercado de compostos de PP para autopeças e, por fim, qual era o consumo nacional total desses materiais no setor automotivo em 2016?
Quando assumimos o controle da planta, a capacidade instalada era de aproximadamente 2.000 t/mês, atendida por sete linhas de extrusão — quatro monorrosca e três dupla rosca. Naquela época, nossa participação no mercado interno de compostos de PP para o setor automotivo estava em torno de 17%, segundo nossas estimativas.
O que mudou a partir daí?
Desde então, expandimos a capacidade para 3.200 t/mês (2023), principalmente com a adição em 2023 da oitava extrusora e a recuperação e otimização das demais linhas existentes. Em decorrência, nosso market share no setor aumentou para aproximadamente 22%. Estimo o consumo total de compostos de PP no mercado automotivo coberto pela CPE em torno de 12.000 t/mês ou 145.000 t/a. Desse volume, uma parcela da ordem de 80% corresponde à resina e o restante às cargas, reforços e aditivos.
O consumo interno de compostos de PP nesse setor pouco diferiu no comparativo entre nosso ano de estreia, em 2016, e 2023.
A CPE se apresenta como único player nacional num nicho de compostos de PP para autos dominado por múltis. Explique sobre este nicho específico.
Ele envolve o fornecimento de soluções para montadoras (OEMs) com injeção interna de peças originais e para sistemistas de níveis tier 1 e 2, responsáveis pela produção de componentes específicos para elas. Desse modo, considerando montadoras e sistemistas, reitero que atendemos um consumo total de compostos de PP que orbitou em 12.000 t/mês no último período. Para este ano, infelizmente, as estimativas da indústria não prometem crescimento significativo na produção automobilística nacional .
Plantas no Brasil de componedores múltis têm acesso óbvio às especificações internacionais, das matrizes das montadoras, um recurso importante para agilizar a homologação da formulação por aqui. Como a CPE contorna essa dificuldade para uma componedora 100% nacional?
A CPE, tem estratégias robustas para contornar a falta de acesso direto às especificações internacionais de homologação. A planta foi inicialmente estruturada sob a administração e expertise tecnológica da Dow/Trinseo, o que permitiu a construção de base sólida em termos de cultura/DNA, processos, tecnologia e know-how. Com essa herança, a CPE manteve toda a equipe original e as melhores práticas operacionais e de desenvolvimento. Além disso, ela investe continuamente em P&D, apoiada em laboratório de última geração. Esse ambiente permite a realização de testes e composições de PP em linha com as especificações exigidas pelas montadoras locais.
Qual a possibilidade de a CPE firmar acordos tecno-comerciais com componedores do exterior visando nacionalizar formulações complexas, especificadas por montadoras no exterior e até então inéditas em seu portfólio?
A empresa já mantém colaborações com fornecedores de matérias-primas com expertise em inovações para montadoras de vários países. Essas parcerias nos permitem explorar e adaptar formulações complexas, alinhando-nos aos padrões globais determinados pelo setor. Todos os meses, desenvolvemos e testamos cerca de 20 novos produtos de alta performance, tanto em laboratórios locais quanto em centros internacionais. Em alguns casos, por sinal, montadoras identificaram na CPE soluções não encontradas em componedores concorrentes.
Nos últimos 8 anos, quais os desenvolvimentos marcantes de compostos de PP realizados pela CPE?
Aí vão alguns exemplos.
* Linha de alta resistência modular para paredes de finas: Destinada a peças injetadas externas, reduz o peso e o custo dos componentes sem comprometer a resistência estrutural.
*Compostos com fibra média e longa: Projetados substituir peças metálicas, proporcionando resistência e leveza. São indicados para itens de alto desempenho, dependentes de maior rigidez e resistência ao impacto, como suportes estruturais e componentes sob o capô.
*Linha PCR (PP reciclado pós-consumo): Ajuda montadoras a atingirem metas ambientais. Essa linha de compostos é aplicada em componentes internos e externos que exigem boas propriedades mecânicas e estéticas, atendendo a marcas que priorizam a sustentabilidade.
*Linha de alta performance dimensional e térmica: Desenvolvida para condições de clima extremo, ela oferece estabilidade dimensional a temperaturas superiores a 80°C, sendo ideal para componentes expostos a variações térmicas intensas. É utilizada com frequência em veículos que operam em regiões de altas temperaturas.
*Linha para soluções de pré-pintura: implementada em acabamentos externos e peças expostas, elimina a necessidade de primer, simplificando o processo de pintura e reduzindo custos e impacto ambiental.
Diante do marasmo crônico da indústria automobilística no Brasil, como avalia possibilidade de extrapolar os limites do setor automotivo, ingressando em compostos de PP para outros mercados?
A CPE vê com grande potencial a diversificação de seu portfólio para outros setores, como bens duráveis e embalagens de valor agregado. Temos uma equipe dedicada com exclusividade a novos mercados, como móveis, eletroeletrônicos, tubos e conexões, mercado pet, construção civil, além dos setores aeronáutico e náutico.
No I Mundo, deslancha a especificação de teores de PP reciclado pós-consumo em blend com PP virgem em, por exemplo, compostos com fibra de vidro para usos comotipo consoles de carros. A CPE já foi ou está envolvida no desenvolvimento desse tipo de composto para montadora local?
Desde 2018, a CPE começou a investir na conversão de suas linhas para tecnologias como pultrusão e o uso de fibras médias, o que nos permitiu explorar composições de PP com fibra de vidro e teores de PCR. Esse investimento inicial foi essencial para atender à crescente demanda por soluções automotivas mais sustentáveis, em especial para aplicações estruturais, como consoles e componentes internos. Para os próximos anos, a tendência é aumentar progressivamente a proporção de PCR em nossos produtos, ajudando a desconstruir a percepção de que o material recuperado compromete o desempenho.
Quais os principais investimentos realizados este ano na planta?
A CPE está com a capacidade praticamente tomada, daí nossa dedicação em expandir e modernizar as operações. Até o final de 2025, planejamos ativar três novas linhas de extrusão, o que aumentará a capacidade instalada para 5.000 t/mês. Esse aumento proporcionará também maior flexibilidade para processar resinas substratos além de PP, diversificando ainda mais o portfólio. Para o laboratório, foram adquiridas duas injetoras e uma linha de extrusão piloto configurada de forma idêntica às linhas de porte industrial. Entre os recursos já consumidos, e as ampliações de planta e laboratório, a CPE terá empenhado cerca de US$ 6.5 milhões. No mais, estamos em fase avançada de estudo para possível realocação da planta do bairro do Limão, na zona norte paulistana, para um local mais amplo e personalizado, também na região da capital do estado. Esse novo site nos possibilitaria alcançar 100% de automação na etapa de alimentação de matérias-primas, comparado aos 2/3 automatizados atualmente. Aliás, a planta atual apresenta excelente relação de produção por mão de obra, com pouca intervenção manual por tonelada produzida. Com os investimentos em andamento, esperamos otimizar essa relação, reduzindo a intervenção humana na produção, ensaque e estocagem.
Como avalia o desempenho da CPE este ano versus 2023 e perspectivas e tendências para 2025?
O setor de plásticos de engenharia apresenta um ciclo de desenvolvimento complexo e demorado, o que impacta diretamente o pipeline de novos produtos. Em 2024, por exemplo, estamos iniciando fornecimentos de compostos cujos testes começaram em 2021. Esse ciclo de até três anos é necessário para garantir a performance, resiliência e adequação às exigências do setor automotivo. Com base nesse contexto, nossa projeção é de crescimento sustentável entre 8% e 12% ao ano no próximo triênio no reduto dos compostos de PP para autopeças, decorrência de desenvolvimentos agora considerados prontos para gerar receita de forma consistente. No momento, a CPE é a primeira ou segunda fornecedora de compostos de PP para, pelo menos, cinco das 10 maiores montadoras daqui. Cerca de 2/3 de todas as montadoras locais consome, pelo menos, algum material nosso, prova da confiança que conquistamos nesse mercado. Em paralelo, estamos expandindo para outros setores, nos quais esperamos passar da demanda inicial a um consumo cativo capaz de chegar a centenas de toneladas mensais.