Brasil: avanço morno do setor transformador em 2023

Consumo aparente superou 2022 mas ficou atrás dos níveis de 2017 a 2021, mostra estudo da Abiplast
Brasil: avanço morno do setor transformador em 2023

Um dogma no setor plástico vem tendo sua validade questionada. Até a primeira década deste século, uma vasta gama de produtos transformados era considerada de pouca afinidade com o comércio exterior, por motivos como a presença de competitivos concorrentes domésticos na maioria dos mercados do planeta. No plano geral, a situação segue inabalável, embora perturbada por alertas de uma nova ordem mundial, ditada pelos excedentes de resinas a custo e preço imbatíveis na Ásia e América do Norte. Entre esses sinais piscantes no Brasil, cabe a robustez das importações de transformados de plástico, fixadas em 753.650 toneladas pelo perfil setorial compilado pela Associação Brasileira da Indústria do Plástico (Abiplast). À parte o volume expressivo, esses desembarques não comprometem o desempenho da transformação nacional que, apesar do crescimento em alguns tópicos, teve na moderação seu tom dominante.

A produção de transformados, atesta o relatório com rastreio histórico a partir de 2016, acumulou 7.04 milhões de toneladas em 2023, saldo 32.000 toneladas acima do de 2022 e apenas 8.000 superior ao de 2016, perdendo para todos os resultados de 2017 a 2021 Quanto ao consumo aparente (produção + importação – exportação), o registro foi de 7.50 milhões de toneladas no exercício passado, acima da marca de 7.14 milhões em 2022 e 7.30 milhões em 2016 e ficou abaixo das 7.59 milhões de 2017 e de todos indicadores até 2021. Por fim, o perfil de 2023 da Abiplast situa as exportações em 298.000 toneladas (terceiro melhor resultado desde 2016) versus 753.650 (segundo melhor resultado desde 2016) nas importações. A preços correntes, a produção nacional e transformados no período foi orçada no último exercício em R$147.82 bilhões (R$148.90 bilhões em 2022) e o faturamento da indústria em R$123.36 bilhões (R$124.26 bilhões em 2022). Na entrevista a seguir, José Ricardo Roriz Coelho, presidente do conselho da Abiplast, disseca os principais indicadores da performance do setor.

José Ricardo Roriz Coelho: alíquota de 20% não vai reduzir importação de resinas.
José Ricardo Roriz Coelho: alíquota de 20% não vai reduzir importação de resinas.

O perfil da Abiplast registra 12.429 indústrias transformadoras em 2022, maior número do histórico apresentado desde 2016. Este aumento de empresas não colide com a tendência de desindustrialização tão ressaltada pela entidade nos últimos anos?
A desindustrialização é um fenômeno muito mais amplo, fartamente documentado e que mostra a redução da parcela da indústria na economia brasileira em relação a serviços e agricultura. Uma característica do setor transformador de plástico é o grande número de micro e pequenas empresas que o compõe e esse aumento registrado no número de companhias se refere a maior criação desses pequenos negócios que atendem mais demandas de bairro ou de pequenos negócios típicos do crescimento normal da economia, mas que pouco podem significar em um incremento efetivo de produtividade e maior participação desse setor na economia brasileira.

A produção e consumo aparente de transformados aferidos em 2023 equivalem, em volumes, aos patamares atingidos por volta de 2017, três anos antes da pandemia. Qual a sua leitura desse desempenho, considerando ainda que o número de empresas no setor tem aumentado, conforme atestam os indicadores de 2022?
A produção e o consumo de transformados plásticos no Brasil, em linha com os volumes observados pré-pandemia, têm relação com os avanços tecnológicos do próprio setor e da necessidade de circularidade dos materiais. Produtos e embalagens são cada vez mais pensados para ter menores pesos, mais performance e maior comprometimento com a economia circular. Desse modo, o volume geral mapeado vem mostrando um comportamento de estagnação. Mas se tivéssemos disponíveis esse comportamento em ‘unidades produzidas’, talvez deparássemos com um aumento no volume produzido (mais unidades com menor peso)

Entre 2016 e 2023, as exportações brasileiras de transformados aumentaram cerca de 58.000 toneladas. Quais as razões desse crescimento, mesmo moderado, num setor habitualmente discreto no comércio exterior e quais os pontos altos entre destinos conquistados e produtos remetidos nesses 7 anos?
Essas exportações de transformados plásticos são basicamente para os mercados da América Latina. Observando os dados, perdemos relevância nas vendas ao mercado americano, apesar de ser nosso segundo maior destino de exportações e de termos ampliado os volumes embarcados, principalmente, para o Chile, Bolívia e Espanha. A propósito, o programa Think Plastic, Think Brasil promove, em parceria com agência ApexBrasil, a inserção internacional de transformados plásticos de empresas participantes da iniciativa. Dos nossos principais produtos exportados, a grande maioria cabe a chapas e filmes, mérito de sua maior viabilidade logística em termos financeiros e operacionais. Outros destaques incluem as vendas externas de rolhas e tampas, utilidades domésticas e materiais de construção.

Como reparte por produtos transformados de plástico os volumes importados e os volumes exportados pelo Brasil em 2023?
Aproximadamente 60% das exportações de transformados plásticos concentram-se em chapas e filmes; outros 12% constam de embalagens prontas (flexiveis ou tampas); 11% referem-se a materiais de construção civil (revestimentos, acessórios) e 3,5% a utilidades domésticas. O restante cobre itens como monofilamentos e produtos classificados na categoria ‘outros plásticos’ na Nomenclatura Comum do Mercosul (NCM). Já no campo dos transformados importados, aproximadamente 30% das internações constituem itens classificados como chapas e filmes e 10% são listados na NCM como ‘outras obras de plástico’, nicho no qual supomos incluir artefatos como películas e suportes de celulares. Por fim, 8% das importações são de revestimentos de PVC e 3% ficam com utilidades domésticas. As demais importações estão diluídas em ampla gama de itens, a exemplo de monofilamentos, tubos, sacos, escovas de dentes, parachoques, móveis, capacetes etc.

Em 2016, o Brasil importou 585.000 toneladas de transformados, volume elevado a quase 754.000 em 2023. Por que, apesar dos investimentos da indústria brasileira em tecnologia e capacidade, esse volume internado não recua?
Esse volume vem aumentando e não recua não por conta de tecnologia e capacidade de atendimento do mercado. O principal motivo aqui é custo. Afinal, o custo de produção dos nossos concorrentes externos é muito inferior, pois o preço internacional da matéria-prima fica praticamente 35% a 40% abaixo do nosso preço interno, já feitos os devidos ajustes para não considerar a disparidade cambial.

Em 2023, a Argentina foi o maior importador de transformados brasileiros. Como avalia as possibilidades de o país se manter o maior cliente internacional do Brasil sob a gestão Millei, que reduziu em agosto último de 17,5% para 7,5% a alíquota de importação argentina?
A Argentina é, no plano histórico, nossa principal parceira comercial e o destino de 25,7% das exportações brasileiras de transformados. Quanto a política econômica, vemos que as temporárias reduções tarifárias não serão políticas suficientes para intervir em decisões relevantes de investimentos a ponto de interferir nessa dinâmica de mercado entre Argentina/Brasil. No momento, devemos atentar para até que ponto o mercado argentino vai melhorar para melhorar o perfil de nossas exportações.

A China respondeu por 53,7% das importações brasileiras de transformados, uma liderança desproposital, como ilustra o segundo lugar detido pelos EUA com participação ínfima de 3,9%. Como explica essa dianteira avantajada e quais os principais produtos chineses internados aqui em 2023?
Do volume de 404.000 toneladas de transformados plásticos importados da China, 32% são chapas e filmes: 11% referem-se as “outras obras de plástico”, que entendemos ser itens como porta celulares, estojos, películas, capas etc; 10% são revestimentos de pavimentos de PVC e 4,3% são utilidades domésticas. A China dispõe de grande volume de matérias-primas a preços competitivos, aliado a um perfil comercial agressivo e voltado à exportação e agregação de valor.

Diante da capacidade e competitividade atual da petroquímica brasileira, acha que a elevação da alíquota de importação para 20% deve refrear ou não o ímpeto das compras externas brasileiras de resinas como PVC e poliolefinas?
Elevações tarifárias, como a de 20% concedida pelo governo, implicarão em mais ajustes de preços no mercado interno, redução na competitividade dos nossos transformados e aumento nos volumes importados desses itens gerando piora no déficit comercial desse setor, subida nos preços ao longo das cadeias produtivas e impactos no custo de vida e inflação. Quanto à hipótese do efeito de reduzir as importações, caso a petroquímica nacional realmente tivesse em sua estratégia aumentar sua participação do consumo brasileiro e diminuir as internações, trabalharia para manter seus preços atraentes, a ponto de ganhar espaço frente aos importados para que vantagens como importações de aliados comerciais com isenções tarifárias, caso de PVC da Colômbia (nota: maior exportador do vinil para o Brasil) ou da grande quantidade de PE desembarcada em portos incentivados. Referências do passado demonstram que os aumentos de alíquota são refletidos diretamente nos preços. Em decorrência, a indústria brasileira como um todo arca com o ônus da perda de competitividade enquanto presencia a continuação das importações de resinas via portos incentivados ou países parceiros do Brasil com privilégios comerciais.

Qual a visão da Abiplast sobre produção e consumo aparente de transformados e produção de plásticos pós-consumo reciclados (PCR) em 2023?
Projetamos para produção e consumo de transformados crescimento este ano de, respectivamente, 2,5% e 2,8%, com estagnação nas exportações e incremento de 4% nas importações do setor. Quanto aos reciclados, a produção de PCR foi de 939.000 toneladas em 2023. Houve retração de 15% frente ao volume registrado no ano anterior e a grande causa foi o encarecimento do reciclado frente a resina virgem e os gargalos na produção do material para segundo uso, refletidos na baixa oferta de resíduo triado e de qualidade. Para 2024, entendemos que continuarão os desafios desse setor e esperamos que legislações e incentivos sejam validados ainda este ano para mudar o perfil da cadeia recicladora.

Compartilhe esta notícia:

Deixe um comentário