Não tão mal assim na foto

O Brasil mantém o charme para quem enxerga além do momento, provam os investimentos da Bemis e Gualapack
Pouches com bico pasteurizável: novidade viabilizada pela Gualapack.
Pouches com bico pasteurizável: novidade viabilizada pela Gualapack.
Pouches com bico pasteurizável: novidade viabilizada pela Gualapack.

A economia micou, o governo ruiu e lá se vai o grau de investimento na prática. Embora capte um circo dos horrores, essa selfie ainda não consegue eclipsar a imagem de um mercado da nata mundial em um punhado de alimentos e a tentação do valor barato em dólar apresentado por ativos apetitosos do Brasil. Essa leitura e o culto da globalização dos negócios explicam duas transações quase simultâneas e desvendadas em julho no front das embalagens plásticas nacionais: o ingresso da italiana Gualapack no controle societário da Tradbor, nº 1 brasileira em stand-up pouches (SUP) pré-formados para envase fill-seal (FS), e a compra de um cânone nacional da termoformagem, a Emplal, pela norte-americana Bemis.
Com a compra de uma não revelada participação majoritária na Tradbor, Michele Guala, CEO do grupo Gualapack, declarou que a transação consolidará suas operações na América Latina, onde já roda planta na Costa Rica. “Também conduziremos a Tradbor por novos negócios em parceria com a família Baumgarten, fundadora da empresa”. As oportunidades de sinergias são gritantes, pois, além de produtora de pouches, a Gualapack opera integrada aos processos de extrusão de filmes e injeção (tampas), fora impressão e maquinário do universo de embalagens.

“Nossos modelos de negócios são muito parecidos”, considera Alan Baumgarten, diretor executivo da Tradbor, cuja capacidade produtiva na paulista Iperó é arredondada em 300 milhões de pouches anuais. “As duas empresas focalizam a solução completa do SUP, inclusos sistemas de envase”, ele comenta. “Devido ao fato de contarmos com conhecimento do mercado e boa parte da infra já instalada para fabricar pouches, viabilizamos a produção quase instantânea da embalagem aqui com tampas trazidas da Gualapack e, do nosso lado, introduzimos no Brasil uma tecnologia de sucesso em outros países, a cargo de pouches com bicos pasteurizáveis, adequados a alimentos pastosos como os dirigidos a bebês”.

Guala e Baumgarten não abrem o montante da transação, embora o brasileiro considere a fatia do sócio recém-chegado “levemente majoritária” na empresa tocada há 36 anos por sua família. “Quando iniciamos as conversas com a Gualapack, visávamos apenas viabilizar no Brasil a tecnologia dos pouches com bico via parceria”, repassa Alan Baumgarten. Mas a negociação clareou sinergias e oportunidades de crescimento para as duas partes e, noves fora, “acertamos a sociedade de forma que a Gualapack agregasse algo ao negócio da Tradbor sem mudá-lo de todo. O modelo não muda e continua conosco a gestão cotidiana, o desenvolvimento da empresa e o novo negócio da Gualapack no país”.

Como acionista majoritário, reconhece Baumgarten, o grupo italiano tem direito de voto e influência em decisões estratégicas. “Aliás, esperamos isso da parceria; é um fator para acelerar a profissionalização da Tradbor”, ele analisa. “Trata-se de um projeto de longo prazo e, como temos mantido o passo de crescimento, a atual recessão, embora tenha constituído um ponto de atenção no exame do negócio, não foi tão considerada no plano de entrada da Gualapack no Brasil”.

Por seu turno, a justificativa da Bemis para o arremate da Emplal foi a expansão de sua presença na América do Sul. “A aquisição está alinhada com nossa estratégia de crescimento de vendas em nossos mercados-alvo e complementará nossas forças e competências na região”, afirma Erin Winters, diretora de relações com investidores do grupo norte-americano. O negócio inclui as fábricas em Três Lagoas (MS) e Cabo de Santo Agostinho (PE), unidades que empregam aproximadamente 850 pessoas. “Quando a transação for concluída, até o final do ano, o nome Emplal não estará mais associado às plantas”, ela acrescenta. Plínio Bicalho, dirigente da Emplal, não respondeu ao pedido de entrevista.

“A Bemis ampliou e consolidou a presença no Brasil nos últimos anos por meio de aquisições. Comprar uma empresa já estruturada e bem posicionada nacionalmente pode ser mais certeiro do que instalar uma unidade a partir do zero”, considera Marta Loss Drummond, da MaxiQuim. Para ela, embora à primeira vista possa parecer incoerente investir no Brasil em um momento de crise econômica, o movimento tende a gerar boas oportunidades de negócios. “No caso da Emplal, por se tratar de um player relevante no segmento, agregar a expertise local ao deslocamento de um concorrente resulta em uma importante vantagem competitiva”, acrescenta a consultora. Além do mais, o desembolso é menor, porque o investimento inicial já foi depreciado.

Na linha dos males que vêm para bem, como evidencia leitura de Marta, é possível que a economia no brejo impulsione a tão necessária reestruturação da transformação de plásticos nacional. Com as fusões e incorporações, tendência aliás mundial, o número de pequenas e médias fábricas diminui e dá lugar a um grupo menor de empresas, munidas de porte e fôlego financeiro maior para sobreviver às oscilações do mercado. “Toda cadeia sai ganhando, principalmente em razão da diminuição da informalidade”, constata a especialista.

Amut Wortex: 900 kg/h de chapas coextrusadas de PP.
Amut Wortex: 900 kg/h de chapas coextrusadas de PP.

Tecnologia servida na chapa

Pouco antes de oficializar a compra da Emplal, a Bemis lapidou o poderio de sua operação brasileira de termoformagem, sediada na Grande São Paulo, ao comprar a primeira extrusora de chapas montada no Brasil pela Amut Wortex. Concebida a partir de projeto da matriz italiana da Amut, a máquina foi construída na fábrica em Campinas, no interior paulista, com grau de nacionalização suficiente para fazer jus às linhas de crédito da Finame, assegura Angelo Milani, diretor comercial da joint venture.
Na ficha corrida do equipamento, despontam a capacidade orçada em 900 kg/h em trabalho com chapas coex (até cinco camadas) de polipropileno (PP), inclusas resinas de barreira na composição, e qualidade final assegurada por um tripé: a homogeneização e regularidade na extrusão; calandragem com uniformidade de espessuras e de resfriamento (condições vitais para um termoformado sem tensões) e, por fim, o comportamento linear do processo de termoformagem, coloca Milani. “O sistema de bobinamento opera por múltipla estação com alta regulagem do torque da operação, mantendo constante a tensão da chapa, mesmo durante a variação do diâmetro da bobina”, ele ressalta. É possível, acena o diretor, a produção simultânea de dois rolos por meio de grupo de corte e refile rotativos, munido de motorização independente e avanço pneumático equipado com lâmina central para cortar a chapa em duas partes. “Todos os comandos e controles de uma gestão automatizada são desfrutados pelo operador via interface IHM com CLP e etapas como set up e troca de lotes são facilitadas pela possibilidade de registro das receitas”, completa Milani.

Com essa aquisição, a Bemis, presente entre os 10 principais transformadores de polipropileno (PP) do Brasil, deve migrar para o clube dos cinco top. As unidades da Emplal, que haviam deixado de consumir resina para comprar chapas prontas, podem retomar suas atividades de extrusão rígida, Marta complementa. No pente fino da MaxiQuim, embalagens termoformadas em PP representaram cerca de 11% do mercado total do polímero no Brasil ou cerca de 160.000 toneladas em 2014. No consumo nacional da poliolefina, o reduto de extrusão de chapas/termoformagem ocupa o terceiro lugar, atrás da extrusão de filmes, ráfia e BOPP, que encabeça a lista, e do processo de injeção, na vice liderança.

Apesar da conjuntura tempestuosa, José Ricardo Roriz Coelho, presidente da Associação Brasileira da Indústria do Plástico (Abiplast), martela a tecla de que o reduto de embalagens de alimentos reluz grande potencial a médio prazo. “A desvalorização do real nos últimos meses tornou as empresas brasileiras alvos fáceis para aquisições”, Roriz pontua. Transformadores com significativa fatia de mercado e boa reputação junto à clientela são particularmente atraentes, ele encaixa. O dirigente acredita que, melhor do que erguer uma fábrica do zero no país, hoje é mais interessante partir para movimentos de consolidação, contanto que a empresa adquirida ofereça possibilidades de sinergias financeiras e de gestão, mercado e produção. Roriz também não vê problema numa eventual intensificação da presença de players estrangeiros no Brasil. “É, na verdade, uma solução. Transformadores, para serem mais competitivos, precisam crescer, ganhar escala e ter acesso à tecnologia”, ele julga. O que não pode acontecer, ele ressalta, é a destruição da concorrência via criação de monopólios.

Para Walmir Soller, diretor de PP da Braskem, o tamanho e possibilidade de crescimento tornam o Brasil sedutor a players internacionais, apesar das influências ruins, internas e externas, exercidas por uma economia de fragilidade equiparável à defesa do Vasco. “Investidores continuarão vendo o país e nossas empresas como oportunidades de longo prazo, independentemente das turbulências momentâneas”, ele confia, fazendo coro com Marta Loss Drummond. “A Bemis se consolidará como uma das líderes locais na termoformagem de PP”.

Soller lembra que, com o fortalecimento do dólar, a indústria de transformação brasileira tende a recuperar parte da competitividade perdida nos últimos anos. No entanto, nota, o mercado doméstico ainda sofre com a retração da demanda em função da queda do poder de compra da população. “As empresas terão de buscar saídas para esse novo cenário e uma delas inclui o avanço da exportação de transformados”. Quanto à consolidação do setor, comenta, tem o poder de ajudar a equacionar o excedente de capacidade. “Por isso, movimentos dessa natureza tendem a acontecer nesse cenário, principalmente em curto prazo”, ele antevê. Pelas estimativas da Braskem, o segmento de embalagens termoformadas de PP, inclusos copos descartáveis, cresce entre 2% e 5% ao ano e, em 2014, correspondeu a cerca de 7% do mercado nacional da resina. •

 

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