Sem o estardalhaço de praxe nos anúncios de investimentos em reciclagem de resinas, a Shell junta-se um grupo pequeno mas crescente de petroleiras com braço em poliolefinas, como ExxonMobil e Adnoc, que começa a reconhecer em público que a reciclagem (em especial química) não serve para dar fim à poluição plástica. A admissão da Shell, noticia o diário inglês The Guardian, aflorou de trecho de seu relatório sobre sustentabilidade em 2023 e, no histórico incluindo 2024, tromba com cinco anos de investimentos na tecnologia de pirólise, dominante na reciclagem avançada de PE e PP, e com a meta do companhia anglo-holandesa de introjetar, em 2025, 1 milhão de t/a de lixo plástico em suas unidades internacionais adeptas da recuperação polimérica por pirólise.
Entre as fontes ouvidas por The Guardian, Davis Allen, pesquisador da entidade Center for Climate Integrity, interpreta a declaração da petroleira no relatório (não proferida à mídia) como o reconhecimento de que a reciclagem avançada não está entregando o prometido por seus empreendedores. Nessa pegada, o artigo de the Guardian faz referência a pesquisadores atestando que a reciclagem química demanda bem mais energia (e capital) que a mecânica e embute a possibilidade de gerar mais poluição tóxica e influência no aquecimento global que a produção de resina virgem.
Corte para outra passagem do relatório fatídico: “Enquanto a Shell presencia a procura de clientes por produtos químicos circulares, o pique de crescimento global nessa direção segue abaixo do esperado por falta de matéria-prima, moroso avanço tecnológico e incerteza regulatória”. The Guardian questiona a dita insuficiência de matéria-prima argumentando com centenas de milhões de t/a de plásticos hoje produzidas (inclusos mega excedentes de PP e PE) e salienta que embalagens como as pós-consumo de alimentos e frascos vazios de sabão líquido são incompatíveis com a reciclagem por pirólise. Esse processo, aliás, rende melhor com a descontaminação e medidas de homogeneidade prévias das embalagens processadas, mas essa limpeza e triagem dos resíduos para posterior submissão à pirólise são dispendiosas, contrapõe a reportagem, escorada na visão do pesquisador Davis Allen.
A reportagem do jornal inglês assinala, em relação à lentidão no progresso da tecnologia, que o estudo do sistema de pirólise já inspirava citações de P&D e futurologias nos anos 1970 e, no cenário atual, mais de 11 unidades de reciclagem química rodam apenas de forma parcial nos EUA e duas fecharam. Quanto ao ziguezague da normatização, o artigo a estampa com dois fatos: a agência ambiental americana EPA revogou, em 2023, um plano para facilitar a implantação de determinadas normas relativas ao sistema de pirólise e, por seu turno, o estado de New Jersey decidiu em legislação recente não considerar plástico reciclado o material obtido da reciclagem avançada, pois, em regra, o produto obtido da pirólise é um óleo passível de uso químico/petroquímico e não uma resina restaurada. “Há um acúmulo de evidências de que a reciclagem química simplesmente não funciona”, vaticinou para The Guardian Judith Enck, presidente do grupo de advocacia Beyond Plastics e ex-integrante de divisão regional da EPA.