Um punhal afiado dos dois lados é a contribuição da China à petroquímica internacional. Em poliolefinas, PP é quem melhor sintetiza este duplo risco de corte desde 2021, quando o Ocidente acordou para a crescente autossuficiência chinesa na resina, hoje absoluta em homopolímeros e cada vez mais perto nos copolímeros. Assim, em meio ao já crônico excedente global, os spreads e margens de lucro de PP vão sendo apunhalados com a perda do maior importador do material e com a chegada de um exportador regular dono da capacidade instalada nº1 no planeta.
Rastreio da consultoria Icis mostra como a oferta chinesa fulmina quem produz PP mundo afora. Em 2019, a China importava 4.8 milhões de toneladas da resina, desembarques elevados ao recorde de 6.1 milhões em 2020. Aí veio a derrocada, enquanto a autossuficiência da China punha as mangas de fora: 3,4 milhões de toneladas de PP importadas em 2021; 3,2 milhões em 2022; 2.8 milhões em 2023 e a previsão do governo de Pequim é de entrada de apenas 900.000 toneladas durante este ano. “Exceto se tensões comerciais atravessarem o caminho, as importações de PP da China podem ser superadas pelas exportações em poucos anos”, conjetura em artigo John Richardson, blogueiro do portal da Icis.
Para todos os produtos, de carros elétricos e eletroeletrônicos a vestuário, aço e resinas, as exportações chinesas disparam, em linha com a estratégia traçada em Pequim para reerguer a economia. São estimuladas, inclusive, por financiamentos bancários antes priorizados para o setor imobiliário, hoje quebrado.
Em 2020, retoma o fio o monitoramento da Icis, a China exportava 426.746 toneladas de PP. Nos exercícios de 2021 a 2023, o país despachou em média anual entre 1.3 milhão e 1.4 milhão de toneladas. O alarme pisca na petroquímica mundial desde o balanço de janeiro a maio último, quando as exportações chinesas somaram 1.092.889 milhão de toneladas versus apenas 559.980 no mesmo intervalo de tempo em 2023. Detalhe: o Brasil internou 7% dessas remessas de PP da China nos dois períodos.
No pano de fundo da superoferta de PP alimentada e outros produtores asiáticos, como a Coreia do Sul, que perderam este cliente hoje autossuficiente, o comércio exterior também sangra com a permanência da guerra em Gaza. O conflito dificulta o esforço de petroquímicas da Ásia para desovar seu excedente para a Europa, transcendendo os limites de países do sudeste do continente que competem em PP com a China e compram dela resinas e outros produtos. E a pressão das escalas e custos tem suscitado pedidos aos governos de mais barreiras para PP chinês, por petroquímicas de vários desses países vulneráveis.
Paul Hodges, CEP da consultoria New Normal, outro blogueiro do site da Icis, atesta que remessas da Ásia a Roterdã pela rota do Cabo da Boa Esperança levam 36 dias contra 24 na conflituosa rota pelo Mar Vermelho. “Tudo isso converge para o uso de novos portos e trajetos, além de taxas máximas de utilização dos cargueiros”, ele completa. O histórico revela que 30% do trânsito global de containers recorre à passagem do Mar Vermelho e, nas análises divulgadas pela transportadora Maersk, os atrasos sofridos nas entregas dos materiais importados reduziram em 15-20% a capacidade operacional das indústrias usuárias no cenário internacional. Por seu turno, os custos de combustível encareceram 40% para quem toma a rota alternativa do Cabo da Boa Esperança em vez da passagem pelo Canal de Suez.
Os ataques dos Houthis e o encarecimento do frete mundial continuarão até o restante do ano, acredita Hodges. A situação, a seu ver, prova o colapso do modelo de cadeias de suprimento globais (a alma dos PIBs de dois dígitos da China entre 1992 e 2021) e impulsiona o sistema de abastecimento local/regional, desde que os produtores aumentem a confiabilidade e controle de custos.