Virada a página dos anos dourados de PIB de dois dígitos (1990-2021), a China ingressa, vergada por colapso imobiliário e dívida pública, na rota espinhosa de baixo crescimento do PIB sem fim previsto. O quadro acentua o contraste entre a queda da demanda interna por petroquímicos e a autossuficiência chinesa conquistada, mediante investimentos que a crise doméstica não interrompe, numa gama cada vez maior de materiais. John Richardson, blogueiro do site da consultoria Icis, antevê taxas muito altas de autonomia da China na produção até 2030 de poliolefinas e etileno glicol, por exemplo.
Esse poderio embute a possibilidade de despertar tensões comerciais entre a China e diversos países concorrentes. Nessa direção, a referência mais visível é o aumento das tarifas norte-americanas para carros elétricos e baterias chinesas decretado em maio pelo presidente Joe Biden.
Tem mais: apenas 37% da renda chinesa, informa Richardson, é gasta em bens e serviços, o menor nível aferido pela Icis no planeta. A junção desse cenário doméstico de crista baixa com uma economia mundial insegura e reprimida hoje acende o pavio de um debate no governo de Pequim. Uma facção do Legislativo prega a fórmula de esporear o consumo interno mediante reajustes salariais (com prejuízo para a competitividade das exportações) e melhora na previdência social e saúde pública para uma população com predomínio de idosos e pífia natalidade. A outra corrente defende a aceleração das exportações com base em retornos como geração de empregos. Essa posição resvala no risco de guerra comercial mundial com países empenhados em blindar suas indústrias sobretaxando essas importações. Na petroquímica mundial, apenas as indústrias dos EUA e Oriente Médio são competitivas diante da chinesa.
Entra aqui um porém para esses países chegados a barreiras comerciais: o risco de retaliação do maior (e insubstituível) importador de matérias-primas do planeta. O Brasil, aliás, forma entre os simpatizantes dessas sobretaxas para importações da China, justo o comprador nº1 das commodities agro e minerais que puxam seu PIB.
A seguir, alguns indicadores desse pouco noticiado poder de fogo da China, colhidos pela Icis no bojo da petroquímica global.
- China importa quase a metade da demanda global de químicos e petroquímicos.
- China deve consumir em 2024 quase tanto PE quanto o total do resto do mundo.
- Icis calcula ser necessário cortar cerca de 20 milhões de toneladas da capacidade mundial de eteno para esse setor voltar a operar com nível economicamente aceitável de 85% de ocupação. A propósito, a China segue ampliando sua produção de eteno e a Icis prevê que ela represente este ano 23% da capacidade mundial do petroquímico básico.
- China já encabeça as exportações mundiais de PET, PVC, fibras de poliéster e de ácido tereftálico purificado (PTA, ingrediente de PET). Além de ter passado a exportador regular de vários materiais dos quais dependia crucialmente do exterior há poucos anos (PVC e PP, p. ex.), a China floresce na produção de especialidades químicas, atesta a Icis.
- As exportações chinesas de PP totalizaram 500.000 toneladas em 2020 e, atiçados pelos sucessivos saltos na capacidade instalada, os embarques da resina atingiram 1.3 milhão de toneladas em 2023, em especial de homopolímeros. Pelo mesmo motivo, as importações chinesas de PP despencaram de 6.1 milhões de toneladas em 2020 a 2.8 milhões no ano passado.
- Pelo rastreio da Icis, continua a engordar o excedente mundial de petroquímicos (eteno, propeno, benzeno, butadieno, xilenos mistos e tolueno). A China, óbvio, é mola mestra nessa expansão, na garupa da estimativa de que sua capacidade instalada para esses insumos vira 2024 com acréscimo de 18.7 milhões de toneladas.
- China é o país que mais exporta máquinas para manufatura de plástico e borracha e sua evolução tecnológica a galope é um espinho na garganta da indústria concorrente alemã, admite a VDMA, associação do maquinário de engenharia mecânica da Alemanha, por sinal um dos principais destinos das linhas chinesas.