Nos anos 1950, o calorão recorde carioca inspirou um clássico do cinema nacional: Rio 40 Graus. Pois se alguém ainda duvida da escalada do aquecimento global, basta listar indicadores de hoje como a Índia a 50ºC, Texas a 30ºC às oito da manhã e, no quadrante do plástico, a seca deflagrada às portas do verão (de 20/6 a 22/9) no estado de Tamaulipas, sul do México e cujo epicentro é a cidade de Altamira, sede de um hub petroquímico de peso. Artigo postado no site da consultoria Icis assinala que o governo mexicano acompanha há oito anos a estiagem na região e considera que ela atingiu o ponto crítico em 2024, penalizando Altamira com chuvas raquíticas, esvaziamento dos aquíferos e lagunas locais e racionamento do líquido para a população.
Periga ricochetear nos EUA a onda de declarações de força maior para interromper, por conta da intensidade da seca, unidades petroquímicas em Altamira. O artigo no site da Icis exemplifica com a parada em curso da planta de 420.000 t/a de PET com que a M&G Polímeros também atende o mercado norte-americano. A penca de operações sustadas no hub mexicano também envolve, por enquanto, a fábrica de negro de fumo da Cabot, a de dióxido de titânio da Chemours, a de PVC da Orbia e as plantas de ABS da Ineos e Sabic.
Reza consenso entre cientistas de que o aquecimento global vai piorar ano a ano, dado o fiasco de medidas adotadas para combatê-lo. O agravamento da situação é mensurável pelo exasperado discurso de 7 de junho em Nova York de António Guterres, secretário geral da ONU, quando chamou os produtores de energia fóssil (mineração em franca expansão) de mafiosos do clima, dada a colaboração da atividade para a piora do aquecimento global e conclamou mídia e agências de publicidade a recusarem as verbas de comunicação e publicarem anúncios dessas empresas, como relatou o jornal inglês The Guardian que, por sinal, não aceita publicidade de petroleiras.
O enfrentamento da seca em Altamira evidencia o momento da verdade para a engenheira, física e cientista ambiental Claudia Scheinbaum, eleita em maio presidente do México com a promessa de tocar o legado do governo esquerdista de seu antecessor aliado, Andrés Obrador, que primou por convívio estável com o setor de óleo e gás. A síntese da encruzilhada político existencial de Claudia é o título de artigo do portal americano Inside Climate News postado em 7 de junho: “México elegeu uma cientista climática. Mas ela será uma presidente climática?”
Aos fatos. Entre os projetos ambientais polêmicos da gestão de Obrador, figura uma custosa refinaria em Dos Bocas. Apesar da oratória de soberania energética, a dependência mexicana de gás natural dos EUA piorou na administração do político, informa a matéria postada por Inside Climate News. Em 2022, os EUA responderam por 69% do gás importado pelo México e, no ano passado, dados do governo atestam que o gás natural incidiu em torno de 58% no uso de eletricidade no país. Obrador também apoiou a defasada estatal Pemex, listada pelo The Guardian entre as 10 companhias que mais contribuem para a emissão global de dióxido de carbono, além de liberar na atmosfera índices de etano acima da média internacional. Entre os choques climáticos ocorridos sob o terceiro mandato presidencial de Obrador, o artigo em Inside Climate News distingue os danos causados em Acapulco pelo furacão Otis em 2023 (matou 52 pessoas) e, perrengue iniciado em maio, o calorão que mandou o consumo mexicano de eletricidade aos píncaros e minou o suprimento de água em cidades como a capital, Monterrey e Altamira com seu hub petroquímico.
Claudia Sheinbaum caminha em ziguezague entre a devoção ambiental e ao legado do padrinho político. Segundo a reportagem reproduzida no portal americano, sua plataforma eleitoral declarava que a política energética redirecionará este setor a um genuíno futuro sustentável. Em paralelo, Claudia prometeu consolidar a refinaria em Dos Bocas, aumentar a produção nacional de petróleo e enfatizar a relevância da Pemex para cumprir esta estratégia. Ela defendeu nos palanques a eletrificação do transporte e redução da emissão de gases estufa no país, mas manifestou apoio à construção de refinarias, plantas petroquímicas e gasodutos, silenciando a respeito da dependência mexicana do gás natural importado.
Devido ao ambiente empresarial positivo e à sua proximidade e livre comércio com a América do Norte, o México presidido por Obrador virou a estrela do movimento internacional nearshoring. Ou seja a realocação de fábricas para países perto de grandes parceiros, no caso EUA e Canadá. A visão do México como o melhor atalho para o maior e mais seguro mercado do planeta é, para os investidores, um sombrero tão perfeito que deixa em segundo plano senões como a criminalidade, populismo, carência de infraestrutura e pessoal especializado, ambivalência na sustentabilidade, energia precária, água limitada e risco de catástrofes climáticas. O tequila dos negócios desce redondo.