Planejamento de longo prazo é uma daquelas expressões tão ao gosto do empresariado que virou bordão entre grandes companhias para justificar qualquer investimento. No entanto, como disse o ex-ministro Pedro Malan, no Brasil até o passado é incerto e o balde de água fria que nossa realidade costuma despejar nas previsões volta e meia atropela, para o bem ou para o mal, a aritmética sem pátria dos planejadores. Embora ultra calejada com o país, a Basf acaba de mostrar os efeitos da lógica não ter o hábito de corresponder aos fatos por aqui, ao anunciar o fechamento da fábrica de polimerização e aditivação de poliamida (PA) 6 que ela geria há apenas três anos em São Bernardo do Campo, Grande São Paulo.
Ao adquirir em 2012 a antiga planta da brasileira Mazzaferro, a Basf transbordava de certezas. Alfred Hackenberger, presidente da companhia para a América do Sul, definiu então a unidade como emblemática do compromisso da empresa com o mercado brasileiro. Em entrevista a Plásticos em Revista, Michel Martens,vice presidente sênior para plásticos da Basf na América do Sul, afirmou na ocasião prever crescimento anual de 9% para o mercado de PA 6 em filmes e de 6% em autopeças até 2020. Também sustentou que, sob a batuta da Basf, a fábrica à beira da via Anchieta encolheria a concorrência de componedores menores e teria a capacidade (citou 20.000 t/a para polimerização e 8.000 para compostos) aumentada até 2014. Não deu uma dentro.
A Basf acolheu o pedido de Plásticos em Revista para explicar o desligamento da fábrica e o fez por declarações repassadas pela assessoria de imprensa. “A taxa de crescimento para PA na América do Sul está significativamente abaixo das expectativas da Basf. A decisão da companhia, entretanto, não está relacionada à crise regional, embora tal conjuntura tenha reforçado a necessidade de rever de forma consistente a carteira – otimizando a produção a nível global. Além do mais, depois que a planta de polimerização no Brasil foi severamente danificada por um incêndio (N.R.- valor não divulgado do prejuízo), em novembro de 2014, a empresa decidiu, devido às condições desfavoráveis do mercado, não reconstruir a planta e fechar as atividades do site de PA em São Bernardo do Campo”. Quanto às frustradas projeções de crescimento da demanda, foi dito que “a Basf avalia constantemente os mercados onde atua, bem como realiza estudos de viabilidade de suas atividades, tanto comerciais quanto produtivas, de forma a oferecer o melhor serviço a seus clientes e garantir o crescimento sustentável do negócio”.
Para manter o elo com a clientela sul-americana, antes servida pela planta incendiada, a Basf retorna à condição de importadora de PA para a região, remetida agora de quatro fontes: duas unidades na Europa, uma na China e uma nos EUA. A propósito, o grupo alemão revela pretender importar os compostos já prontos. “Não haverá, portanto, disponibilidade de compostos com conteúdo local”, reiterou a empresa.
Taís Marcon Bett, analista especializada em PA da consultoria MaxiQuim, debruça-se sobre este reposicionamento da Basf. Em 2010 e 2011, ela constata, as taxas previstas para o crescimento na região dos segmentos de PA 6 eram interessantes. “Superavam 5%, direcionadas em especial pelo segmento automotivo”, distingue Taís. “Mas para os últimos anos a projeção é de redução do percentual, deslocando o consumo do material para um volume inferior ao previsto”. Diante disso, prossegue, a Basf optou à época pela estratégia de adquirir um produtor local de PA, no caso a Mazaferro, para ampliar sua participação na região. “No mesmo período, a Basf realizou outros investimentos em PA no mundo, alguns mais robustos que a transação no Brasil”, frisa a consultora. No contexto da América do Sul, ela esquadrinha, devido ao fraco desempenho da economia, “a Basf iniciou um programa centrado na eficiência de processos e estruturas, em prol da produtividade e melhor uso de recursos”, considera Taís, inserindo o fim da produção brasileira de PA 6 entre as medidas tomadas nessa direção.
Desde o ano passado, nota a analista da MaxiQuim, quando a Invista vendeu sua unidade para a Nilit, a Basf aparecia bem na foto como única produtora de PA 6 no Brasil. “Após o incêndio da fábrica, a hipótese de investir em sua recuperação não pareceu atraente por motivos como o mercado em baixa, produção local não verticalizada e nova capacidade de PA da Basf partindo à mesma época na China, também às voltas com crescimento da demanda abaixo do esperado”. Noves-fora, amarra a expert, a Basf passa a engrossar o cordão de importadores de PA 6 para a América do Sul. “Em princípio, isso não prejudicará suas vendas regionais e a possibilidade de a alíquota brasileira de importação diminuir, dada a falta de PA 6 nacional, torna esse reposicionamento ainda mais vantajoso para a Basf”.
Denise Mazzaro Naranjo e Éder da Silva respectivamente diretora e gerente de comércio exterior da Associação Brasileira da Indústria Química (Abiquim), informam desconhecer,até o momento, qualquer pleito de redução tarifária para PA 6 em virtude da produção local abandonada pela Basf. Ainda no compartimento da balança comercial, eles repassam dados do governo relativos às importações conjuntas de PA 6 e 6.6. No ano passado, os volumes aqui desembarcados rondaram 47.000 toneladas contra 53.000 em 2013.
Aos olhos claros de Taís Bett, a decisão tomada pelas Basf não causa estranheza. “No atual cenário do Brasil, é interessante vender, mas não produzir”, ela constata. “Fatores como custos de matéria-prima, burocracia, condições logísticas e de infraestrutura tornam mais vantajoso trazer do que fabricar algo, em especial para quem possui produção em outros países”. Taís comenta que a opção por importar em lugar de produzir também é norteada por variáveis como câmbio ou comparativos da situação local com a internacional em termos de integração e custo de matérias-primas. Na esfera do produto, especifica a analista, “a escolha depende do nível de customização necessário para atender a demanda”. No caso da Basf em PA 6, ela transpõe, o grupo conta com escala e nível de integração superiores em suas outras fábricas no exterior e o material é homologado mundialmente. “Ou seja, o produto vendido no Brasil deve ser igual ao comprado pelo mesmo cliente no mercado internacional”.
“Estou triste com a notícia do fechamento da fábrica, pois quem perde é o Brasil”, lastima Jane Campos, diretora da subsidiária no país da italiana Radici, estrela de primeira grandeza na constelação global de poliamidas. “Falando francamente, produzir localmente é estratégico para atender clientes com rapidez, gerar valor e patrimônio para o país. “Mas se o critério é a lucratividade, revender no Brasil é melhor, menos burocrático e arriscado. Para produzir hoje aqui é preciso ter coragem”.
Ao perscrutar a lógica da compra da fábrica da Mazzaferro, Jane solta como provável base da transação da Basf a análise do mercado brasileiro em alta. “Mas o Brasil é o grande armário de onde os monstros inesperados ali escondidos começaram a aparecer depois da transação, a exemplo do aumento desde então da oferta interna de PA para filmes por outros players importadores, um crescimento acima do próprio mercado”, ela coloca. “Por sua vez, o campo dos bens de maior valor agregado usuários de PA, sejam carros, eletrodomésticos ou construção civil, depende exclusivamente de financiamento e taxas de juros e, embora a atual redução de crédito estivesse nas previsões, ninguém imaginava que seria tão forte”.
Ainda entre as pedras no sapato da Basf, Jane assinala que o preço de PA 6 no Brasil foi derrubado por super ofertas de competidores em estágio de pré-marketing. “Para completar, aconteceu o incêndio”, emenda.”Ninguém consegue prever tantas variáveis”. A diretora da Radici tirou três lições do episódio da Basf. “Nunca subestime os concorrentes, faça propaganda do que fez e nunca do que pretende fazer e, por fim, ter um nome forte é importante e mais ainda é adaptar-se ao mercado”. •
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