Filmes e embalagens flexíveis provaram ser dutos na queda enfrentando trilha esburacada e escorregadia do rali do mercado em 2023. Inflação, carestia e juros altos não impediram esse setor de 5.507 empresas (111 grandes) virar o último período com produção 2,6% maior, de 2.224 milhões de toneladas; consumo per capita 2,5 % superior, de 10,6 kg, e consumo aparente 3% acima do saldo de 2022, da ordem de 2.171 milhões de toneladas, segundo relatório anual compilado pela MaxiQuim para a Associação Brasileira da Indústria de Embalagens Plásticas Flexíveis (Abief). O desempenho de 2023 e as projeções preliminares para este ano compõem o prato cheio e quente servido nesta entrevista de Rogério Mani, presidente da Abief, dirigente da transformadora Epema e acionista da recicladora de flexíveis Deink Brasil.
Com capacidade estimada em 3.2 milhões de t/a, o setor de flexíveis produziu 2.224 milhões de toneladas em 2023, rodando com ociosidade robusta de 30%. Qual a explicação, já que subiram no período a produção e os consumos aparente e per capita?
Excelente pergunta. Quando olhamos os números enxergamos o quadro conforme sua pergunta, porém há um dado muito importante, pelo qual devemos mudar completamente a análise do desempenho do nosso setor. Em suma, não podemos mais medir a produção pela unidade de kilograma e sim por unidades produzidas. O que não descobrimos ainda é como obter esses números, mas o fato é que, há muito tempo, estamos produzindo muito mais unidades que kilogramas, portanto, não atravessamos 2023 com a ociosidade em 30%; estimo que tenhamos trabalhado com índice entre 80% a 85% de produção ativa. Também cabe ressaltar que, se medíssemos em unidades, cresceríamos em produção muito mais que o avanço de 2,6% aferido na metodologia por kilograma. Podemos dizer, então, que já praticávamos a economia circular antes desse conceito surgir!
Entre os segmentos de flexíveis, sacos/sacolas tiveram o pior desempenho em 2023. O motivo da queda de 11,6% é apenas a rejeição ambientalista de empresas/pessoas a essas embalagens?
Não acredito que seja o fator determinante; óbvio que há pressões e uma conscientização maior para reduzir o consumo de sacos e sacolas. No entanto, não acho que seja uma rejeição, pois tratam-se de produtos úteis e multiuso. Talvez o crescimento da demanda seja mais orgânico dentro da nova realidade, mas continuo a crer que a verdade e a vontade da maioria dos consumidores irão prevalecer e as sacolas permanecerão o meio mais eficiente de carregar compras. Em relação a alternativas para transformadores compensarem a queda nas vendas de seus sacos e sacolas, respondo que cada empresa deve ter seu planejamento. Mas quem produz somente sacolas deve se preocupar e procurar diversificar seu portfólio.
No balanço do market share da demanda por mercado de flexíveis em 2023, as embalagens de higiene pessoal lideraram com crescimento de 20,3%, índice bem acima dos demais segmentos em foco. Qual a explicação?
As embalagens flexíveis continuam a ganhar participação em relação aos sucedâneos e, até dentro da própria cadeia do plástico, na disputa com frascos soprados. Elas são mais leves, viajam melhor, ocupam menos espaço e proporcionam maior shelf life e viabilidade econômica viável e tudo isso não se refere apenas a segmentos como higiene pessoal e limpeza. Elas vieram para ficar.
Alimentos e produtos de higiene e limpeza, mercados vitais para flexíveis, dependem do consumidor de baixa renda, cujo poder de compra é turbinado por subsídios tipo programas assistenciais. O governo deve incrementar esses subsídios neste ano eleitoral para reagir à baixa popularidade e eleger seus aliados, favorecendo por tabela o consumo de flexíveis? Qual a sua expectativa para o desempenho do setor este ano?
Óbvio que o poder aquisitivo interfere direto no desempenho setorial, porém não vejo mais espaço para o governo incrementar artificialmente mais subsídios. Nossa expectativa para 2024 é de manter o patamar de crescimento de 2023.
O faturamento bruto do setor caiu 13,7 % em 2023, para R$ 34.4 bi, devido ao recuo no preço das matérias-primas e transformados. Pode dimensionar a queda dos preços médios de PP e PEs para a indústria nacional de flexíveis no ano passado versus 2022?
O faturamento não pode ser tomado como base, pois os preços estão instáveis e, tanto quanto à média do período como em relação ao recuo nos preços das matérias-primas e insumos, quantificar as oscilações nos últimos tempos se tornou um exercício mais complexo. Afinal, as referências estão totalmente distorcidas e prefiro assim não arriscar a porcentagem de variações. Os índices oficiais Icis e Platts são mais precisos.
Como o excedente global de PP e PE segue aumentando, quais as expectativas para o comportamento este ano dos preços dessas resinas para o setor brasileiro de flexíveis?
As expectativas estão mais para aposta e o panorama muda a todo momento por fatores já sabidos – guerra, logística, clima, petróleo e câmbio. Como palpite, entendo que os preços das matérias-primas devem ficar estáveis ao longo de 2024.
Como a Abief interpreta as intensas pressões da Abiquim sobre o governo para aumentar as já elevadas tarifas e demais barreiras de importação de PP e PE e restringir as vendas ao restante do país de compostos produzidos na Zona Franca com essas resinas do exterior?
A Abief é contrária a qualquer ação de aumento de impostos e barreiras. Acredito em analisarmos a cadeia produtiva do plástico como um todo e identificar, conjuntamente, quais as melhores saídas para o momento. Aumentar e criar barreiras às importações pode inibir mais a entrada de materiais, possibilitando assim subidas nos preços internos. Sobre a Zona Franca, não devemos generalizar as acusações de infrações, pois temos várias empresas sérias instaladas em Manaus e não acredito que o quadro atual se altere. Ao contrário, caso o governo aumente o imposto de importação de PP e PE, a Zona Franca vai ficar mais atraente para investimentos em fábricas de transformadores. No momento, estima-se que o número de fábricas de plásticos no polo de Manaus já passa das 100 empresas e flexíveis devem constituir em torno de 60% delas.
Qual sua estimativa das respectivas participações de PP e PEs importados na produção de flexíveis em 2023 x 2022?
Novamente não vou arriscar em números precisos, mas creio na projeção de em torno de 50% para ambas as resinas. Não vejo a curto prazo as resinas importadas perderem força. Estamos no ciclo de baixa da indústria petroquímica global e enquanto o PIB do planeta não voltar a crescer, a economia da China não acordar e a Europa patinar, o Brasil continuará um local de desova desse excedente.
Como a Abief avalia a atual disponibilidade e qualificação da mão de obra para o chão de fábrica em flexíveis no Brasil?
Não se trata somente da indústria de flexíveis, o problema é global.
Há risco de escassez de pessoal?
Sim, a nova geração – entre 18 e 30 anos – invariavelmente não quer compromisso com nada e vive num mundo paralelo de fantasias gerados pela lei do menor esforço.
O nível de desinformação técnica está piorando?
Enquanto tivermos que conviver com essa geração problemas virão, mas precisamos nos esforçar e investir nos raros talentos.
No mundo inteiro proliferam as proibições para plásticos (inclusos flexíveis) de uso único e cresce a percepção de que, dados os volumes insatisfatórios e inviabilidade comercial, a reciclagem não é mais aceita como solução satisfatória para a poluição plástica. Qual a sua visão?
Isso é causado por um pequeno grupo de desinformados ou interessados comercialmente em denegrir a imagem do plástico. Eles plantam notícias sem base alguma. O Brasil é um dos países que mais recicla plástico no mundo. É uma questão de tempo para se ver que o mercado se regulará para uso de conteúdo reciclado nas embalagens.
No Brasil, além da rejeição ao uso do plástico por brand owners, tramitam no Legislativo projetos de lei com vetos a plásticos de uso único. Como a Abief encara a possibilidade cada vez mais concreta de medidas desse tipo encolherem a demanda por flexíveis?
Impossível pensar em diminuição da demanda por flexíveis; A população mundial caminha para chegar a 10 bilhões de pessoas e, em decorrência, teremos que alimentá-las. Não enxergo outro sucedâneo de embalagem capaz de cumprir esse desafio.
Quais as reações abraçadas pela entidade para combater este quadro a curto prazo?
Estamos trabalhando com a Associação Brasileira da Indústria do Plástico (Abiplast) para, entre outras atividades, mostrar e discutir com os legisladores sobre as vantagens, características, análises de ciclo de vida, mitos e verdades para reverter esse quadro de pressão permanente. O setor plástico inteiro está mobilizado para isso.