Nearshoring transfigura setor plástico no México

Consumo interno de resinas já emparelha com o do Brasil
Nearshoring transfigura setor plástico no México

Há pouco mais de dois anos o México divide com a Índia o estrelato no planeta como ímã para indústrias do setor plástico empenhadas em acertar o passo com um ajuste-chave na globalização: em lugar de operar num local competitivo para atender a demanda mundial, caso da China entre 1993 e 2022, voltar a produzir no país de origem (reshoring), como os EUA, ou transferir linhas de produção, em especial da Ásia e Europa, para perto de grandes mercados (nearshoring). A proximidade da América do Norte, acordos de livre comércio, mercado aberto e regras estáveis têm catapultado a economia mexicana. Como a demanda por plásticos é um refletor da melhoria da qualidade de vida empoleirada nesse horizonte azul, estão hoje em erupção no México as fábricas de transformadores e seu consumo interno de resinas já empata com o do Brasil e, pelo andar da carruagem, periga superá-lo a curto prazo. Na entrevista a seguir, Frederico Fernandes, especialista em petroquímica na América Latina da consultoria inglesa Argus Media, expõe a transfiguração causada pelo nearshoring no campo das poliolefinas no México e comenta as possibilidades desse vento a favor despertar o interesse de transformadores brasileiros.

Frederico Fernandes: nearshoring no México reduz prazos de entrega e custos de estocagem.
Frederico Fernandes: nearshoring no México reduz prazos de entrega e custos de estocagem. / Foto: Wanezza Soares

O nearshoring deslanchou no México a partir de 2022, quando findou a segunda onda da pandemia. Para avaliar o vigor desse movimento, compare o volume (em toneladas/ano) do consumo/transformação de PP e PE no México em 2022 versus os indicadores de 2021. E mais: pela sua estimativa quantos transformadores de plásticos operavam no México em 2022 e quanto operam hoje no país?

A Argus Media percebe um crescimento anual significativo do consumo aparente de plásticos no México e boa parte desse incremento pode ser alocado aos efeitos do reshoring ou nearshoring, no caso do fenômeno relacionado a troca entre o país e seu vizinho EUA. De acordo com os últimos dados disponíveis, o consumo aparente de plásticos no México em 2022 foi de 7 milhões de toneladas métricas, conforme a Associação Nacional das Indústrias do Plástico (ANIPAC) naquele país. Deste total, segundo a mesma fonte, estima-se que 43% sejam destinados a envases e embalagens (cerca de 3.02 milhões de toneladas métricas), ou 53% do volume utilizado para esse fim. Já em 2021, o consumo aparente de plásticos totalizou 5.92 milhões de toneladas métricas, sendo 44,7% utilizados pela indústria de envases e embalagens, ou 50% do volume total para esse fim, de acordo com a ANIPAC.

Pelos indicadores de 2022, existem no país 4.500 empresas dedicadas à transformação de plástico, muitas delas de pequeno e médio porte, que geram 5% do PIB do setor manufatureiro.

Estima-se que, no ano passado, o setor cresceu 3% em relação a 2022 e gerou mais de 5 bilhões de pesos (cerca de US$ 300 milhões) em vendas. Segundo o Instituto Nacional de Estatística e Geografia (INEGI) no México, durante o primeiro trimestre de 2022 a indústria dos plásticos mexicana registrou uma população empregada de 445.000 pessoas, sendo 57,5% homens e 42,5% mulheres. Não é possível comparar o crescimento ano a ano do número de transformadores plásticos no México devido à falta por ora de dados sobre 2023.

Pelo rastreamento da Argus, quais foram, em 2023, os preços médios em dólar por tonelada praticados no México no início de janeiro e no fim de dezembro de 2023 das seguintes resinas: PEBD, PEBDL, PEAD sopro, PEAD injeção, PEAD filme, PP homopolímero, PP copolímero e PVC?

O mercado mexicano de polímeros experimentou flutuações significativas ao longo de 2023, com preços variando para diferentes tipos de resina. Vamos examinar os dados mês a mês e destacar as tendências para cada categoria, lembrando que no momento a Argus não cobre preços de polipropileno copolímero para exportação dos EUA para o México por uma simples questão de metodologia. Todos os preços citados aqui e coletados pela Argus são de origem EUA com base na normalização incoterm (termos internacionais de comércio) dap (mercadorias postas à disposição do importador) Laredo (cidade mexicana na fronteira com o Texas).

PEBD
Janeiro (Início): o preço foi de USD 893/t.
Dezembro (Final): o preço diminuiu para USD 860/t.
Pico em março: alcançou USD 1091/t entre 17 e 24 de março.
Mínimo em julho: caiu para USD 783 t/ em 7 de julho.

PEBDL Buteno
Janeiro (Início): o preço foi de USD 794/t.
Dezembro (Final): o preço permaneceu estável em USD 794/t.
Pico em fevereiro e março: alcançou USD 992/t em 17 de fevereiro e entre 3 e 24 de março.
Mínimo em julho e agosto: caiu para USD 750/t entre 28 de julho e 4 de agosto.

PEAD Sopro
Janeiro (Início): o preço foi de USD 783/t.
Dezembro (Final): o preço diminuiu para USD 772/t.
Pico em março: alcançou USD 1036/t entre 17 e 24 de março.
Mínimo em julho: caiu para USD 750/t entre 14 e 21 de julho.

PEAD Injeção
Janeiro (Início): o preço foi de USD 882/t.
Dezembro (Final): o preço diminuiu para USD 849/t.
Pico em abril: alcançou USD 1047/t em 14 de abril.
Mínimo em julho: caiu para USD 794/t entre 14 e 21 de julho.

PEAD filme
Janeiro (Início): o preço foi de USD 816/t.
Dezembro (Final): o preço subiu para USD 882/t.
Pico em março: alcançou USD 1102.00/t em 24 de março.
Mínimo em julho: caiu para USD 794/t ntre 7 e 21 de julho.

PP Homopolímero
Janeiro (Início): o preço foi de USD 882/t.
Dezembro (Final): o preço aumentou para USD 1157/t.
Pico em março: alcançou USD 1455/t entre 17 e 24 de março.
Mínimo em janeiro e julho/agosto: caiu para USD 882/t em 6 de janeiro e entre 14 de julho e 11 de agosto.

O México superou a China em 2023 e tornou-se o maior exportador de produtos transformados para os EUA. Ele manterá a dianteira este ano ou a China deve recuperar a liderança?

Os últimos números do Departamento de Comércio dos EUA mostram que suas importações vindas do México como um todo aumentaram para US$ 476 bilhões em 2023, acréscimo de 4,6%. Por sua vez, as importações dos EUA originárias da China caíram para US$ 427 bilhões em 2023, queda de 20,3%. Esta mudança é atribuída às restrições comerciais anti-China impostas pelos EUA e que levaram a uma redução nas exportações de Pequim. Podemos dizer que, nesse sentido, o México vem ganhando terreno em grande parte por conta do nearshoring, o processo de transferência de operações ou fornecedores do exterior para países mais próximos dos EUA, como o México. Muitas vezes isso significa transferir a capacidade de produção para fora da China. A tendência de nearshoring foi alimentada por vários fatores, inclusas as já mencionadas tensões comerciais EUA x China, o desejo de reduzir a dependência da cadeia de abastecimento de rivais geopolíticos e a necessidade de obter importações em localidades mais próximas do mercado norte-americano.

O poder do México de seduzir indústrias é ainda reforçado pelos seus acordos de comércio livre com os EUA, que remontam ao Acordo de Livre Comércio da América do Norte (NAFTA) em 1994, substituído em julho de 2020  pelo tratado entre EUA, México e Canadá (USMCA). No entanto, é importante notar que o México enfrenta a concorrência de outras nações na corrida para substituir a China como fornecedora dos EUA, principalmente de países da América Central, como Guatemala, e até mesmo do Brasil, mesmo estando na América do Sul.

Estimativas sugerem que o nearshoring poderia acrescentar até 0,7 ponto percentual do PIB a cada ano à economia do México. No entanto, o impacto real do nearshoring no investimento direto estrangeiro (IDE) ainda não está totalmente refletido nos dados mexicanos. Por exemplo, o IDE no México manteve-se praticamente estável entre 2015 e 2022. É possível que a medição do impacto no IDE esteja defasado e sua atualização possa aparecer em futuras divulgações de indicadores.

Quanto a saber se a China poderá reverter a tendência e regressar à sua posição de maior exportador para os EUA nos próximos anos, é difícil dizer com certeza. As atuais tensões comerciais entre os EUA e a China e os esforços dos EUA para reduzir a dependência da cadeia de suprimento de oponentes geopolíticos levaram a mudanças no comércio global. Alguns fabricantes chineses estabeleceram plantas no México para explorar os benefícios do acordo USMCA, que permite o comércio isento de impostos na América do Norte para muitos produtos. No entanto, a atual dinâmica política e econômica sugere que a tendência de proximidade e diversificação das cadeias de abastecimento fora da China deverá continuar. Portanto, embora seja possível que a China recupere a sua posição de maior exportador para o mercado norte-americano, isso provavelmente exigiria alterações significativas nesta dinâmica entre os países envolvidos.

Como reparte as respectivas participações no mercado mexicano em 2023 entre resinas nacionais e importadas de PP, PE e PVC? Quais as alíquotas de importação (para origens fora do USMCA) desses materiais vigentes no país?

Os dados de 2023 ainda não estão disponíveis, mas até 2022 o mercado mexicano de resinas, inclusos PP, PE e PVC, teve  participação significativa tanto nos produtos produzidos internamente quanto nos importados.

Do lado doméstico, a produção de termoplásticos do México cresceu constantemente a uma média de 5,27% ao ano desde 2018. Em 2022, a produção local total resinas foi orçada em US$ 28,2 bilhões, de acordo com dados da agência federal americana  International Trade Administration (ITA).

Já as importações totais de plásticos pelo México atingiram US$ 41,5 bilhões em 2022 e uma parcela de 61% (US$ 25,20 bilhões) veio dos EUA. Como base de comparação, as importações mexicanas de plásticos dos EUA em 2019 totalizaram US$ 31.4 bilhões e crescem desde então.

Assim, o mercado mexicano era composto em 2022 por aproximadamente 40,6% de resinas domésticas e 59,4% de resinas importadas. A propósito, produtos plásticos transformados e resinas figuraram, dois anos atrás, entre as duas principais categorias de exportação dos EUA para o México, hoje o maior destino de plásticos, máquinas básicas e periféricos norte-americanos, de acordo com a ITA.

Já a alíquota de importação em vigor no México para resinas em geral é de 6,5% para origens fora do acordo USMCA, exceto para os poucos países penalizados com antidumping.

O nearshoring permite ao México pegar boa parte do espaço da China na manufatura de produtos destinados ao mercado norte-americano. Quais são as principais mudanças ou melhorias concretas introduzidas pelo México para inspirar confiança no investidor em fábricas locais?

O nearshoring traz benefícios, incluindo cadeias de abastecimento reduzidas, pois a distância e o tempo necessários para transportar mercadorias das instalações de produção no México para os consumidores nos EUA são aprimorados. Isso baixa prazos de entrega e custos de estoque e melhora a resposta à demanda do cliente. Outro aspecto diz respeito aos benefícios ambientais, já que a localização da produção reduz as emissões de carbono das rotas de transporte de longa distância.

Além disso, o acordo USMCA oferecem incentivos fiscais para produtos qualificados e permite que mercadorias sejam importadas do México aos EUA sem incorrer em taxas ou impostos.

A guerra comercial China x EUA tem levado transformadores chineses de plástico a montar plantas filiais no México para continuarem atendendo o mercado norte-americano. Esse drible de inimigos comerciais tem despertado queixas em Washington. Como avalia a possibilidade de os EUA colocarem algum tipo de barreira à entrada de produtos remetidos do México e com participação chinesa em sua industrialização?

Detectamos em análises que a demanda mexicana de PP, por exemplo, tem sido apoiada pela chegada de novas empresas vindas da China. Elas trouxeram para trabalho no México moldes antes operados na China e os produtos assim transformados no México e enviados aos EUA suscitam o questionamento do governo norte-americano.

Os EUA têm o direito soberano de estabelecer políticas comerciais que considerem adequadas para proteger seus interesses econômicos. No entanto, entendo que impor barreiras comerciais ou tarifárias especificamente para produtos remetidos do México com participação chinesa em sua industrialização é uma decisão complexa.

Argumentos a favor podem incluir a proteção da indústria doméstica dos EUA e a manutenção de empregos. Os EUA podem justificar a necessidade de equilibrar a concorrência e evitar que empresas chinesas explorem brechas na legislação.

Já do lado contrário, a interdependência econômica entre os países torna difícil encontrar uma solução unilateral.

Considerando o cenário atual, a imposição de barreiras comerciais/tarifárias específicas para produtos remetidos do México com participação chinesa pode ser contraproducente. Em vez disso, os EUA podem buscar diálogo e cooperação com parceiros comerciais para resolver questões desse naipe de maneira mais abrangente. Uma abordagem equilibrada que considere os interesses de todas as partes envolvidas é essencial para evitar conflitos desnecessários e promover o crescimento econômico sustentável. Em resumo, a situação é complexa e requer análise cuidadosa das implicações antes de se tomar qualquer medida.

O nearshoring tem atraído para o México transformadores de plástico de diversas nacionalidades. Por que nenhum transformador brasileiro de PE, PP e PVC se interessou até hoje em investir no país?

Parece ainda haver certo desconhecimento entre empresas brasileiras de médio e pequeno porte sobre as possibilidades do nearshoring no México. Mas o assunto deveria ser considerado por elas, pois 7% das fábricas realocadas no México devido à tendência de nearshoring correspondem ao setor de produtos plásticos transformados, atrás da indústria automobilística (44%) e da metalmecânica (14%), segundo a a consultoria mexicana Global Engineering Group (GEG). Mas ainda perdura certa desconfiança entre players de transformados plásticos no Brasil.

Uma fonte da Argus Media numa companhia de transformados de PVC presente no Brasil, Argentina, Colômbia e México me afirma que o México se destaca como um competidor forte no cenário internacional de polímeros, logicamente devido à sua proximidade com os EUA.

As empresas que desejam se estabelecer no México precisam ter custos muito baixos e preparo para enfrentar uma concorrência intensa e agravada pela chegada dos chineses. O preço das matérias-primas no México é extremamente competitivo, especialmente quando comparado com a América Central, os países andinos e, sem dúvida, o Brasil.

A estratégia para uma empresa brasileira se estabelecer no México poderia envolver, como primeiro passo, a busca por instalações em em países da América do Sul onde possam obter maior rentabilidade. Os transformadores brasileiros tendem a a arcar com  custos mais altos por uma série de razões conhecidas. Isso pode dificultar sua entrada no mercado mexicano, apesar das vantagens potenciais do nearshoring. Um transformador de PP e PE de peso no sul do Brasil me confirma que a desinformação é um dos principais obstáculos para empresas brasileiras se instalarem no México para aproveitar as condições do nearshoring.

A questão é que muitas dessas empresas daqui poderiam expandir para outros países, mas ainda veem grandes oportunidades dentro do Brasil, devido ao enorme mercado doméstico. Essa mesma fonte também cita, como ponto-chave a ser ponderado, uma possível competição com empresas globais já instaladas no México, e conclui que ainda não está claro se essa proximidade com os EUA favorece ou desfavorece as empresas brasileiras.

Porém, os números devem fazer com que as perspectivas mudem num futuro próximo. Estudo recente do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) estipula que as exportações possibilitadas pelo nearshoring poderiam gerar para o Brasil cerca de US$ 7.84 bilhões adicionais por ano. Isso colocaria o país atrás apenas do México (US$ 35.3 bilhões/ano adicionais) e na frente do restante da América Latina.

É uma questão de tempo para essa engrenagem começar a andar.

Compartilhe esta notícia:

Deixe um comentário