Com mais intensidade do que o previsto, pipocam no I Mundo, com inescapável reprise nos países emergentes, os projetos de reciclagem química de escala industrial. Na União Europeia, por sinal, os movimentos rumo a produções mais encorpadas fluem mesmo sob um ambiente de equívocos na interpretação de parlamentares sobre a tecnologia e a incorreta visão da reciclagem química como adversária da via mecânica. Na entrevista a seguir, Markus Klatte, fundador e diretor geral da indústria alemã de reciclagem avançada Arcus Greencycling Technologies dissipa pontos dessa confusão entre os dois conceitos e detalha seu plano em andamento de voar alto na produção de óleo de pirólise a partir de resíduos plásticos antes fadados à incineração. A entrevista integra a série de depoimentos “Vamos falar de reciclagem química”, produzida e divulgada pela associação alemã de engenharia VDMA.
Arcus ativou no começo do ano uma planta industrial de reciclagem química. Quais os seus diferenciais?
Por utilizarmos tecnologia própria, podemos produzir óleo de pirólise de uma carregada mistura de sucata plástica contendo polímeros como PVC, PET e ABS. O refugo é processado do jeito que chega da unidade de triagem ou de indústrias parcerias nossas. Procuramos reciclar tudo o que, de outra forma, acabaria incinerado. Submetido o material à nossa pirólise, contaminantes indesejados, tipo cloretos ou dióxido de titânio, são separados e depositados num tanque. Gases condensáveis e vapores não condensados são então produzidos na chamada fase gasosa. Os mesmos gases serão convertidos em óleo de pirólise. Operamos a unidade de calor combinada com energia com gases não condensáveis filtrados, o que contempla a tecnologia com autossuficiência energética. A longo prazo, haverá mercado para materiais residuais da reciclagem química, mas isso depende ainda de um bocado de pesquisa a ser feita.
A capacidade atual da sua planta, 4.000 t/a, ainda é bem pequena.
Através da nossa unidade piloto no Frankfurt-Höchst Chemical Park nós provamos o funcionamento do processo em escala industrial. Ela possui 650 pontos de medição que proporcionam dados sobre, por exemplo, requisitos para energia. Além do mais, o propósito dessa instalação é testar os fluxos de materiais ainda não pesquisados e determinar se são ou não recicláveis.
E o que virá depois?
Essa planta piloto ficará em operação permanente e nós já começamos a planejar a sua primeira versão comercial, com 24.000 t/a de capacidade para processar resíduos e já concluímos vários contratos de venda do futuro óleo de pirólise, incluindo o de suprimento de 100.000 t/a para a Basf processá-lo em suas unidades petroquímicas e integrá-lo à fabricação de diversos plásticos. Nós somos, virtualmente, um intérprete da indústria de reciclagem para a indústria petroquímica.
Qual a importância para a Arcus do balanço de massa (aferição da quantidade de reagentes utilizada perante a quantidade obtida de produto final, para verificar a eficiência da reação. A regulação desse sistema para reciclagem química, de modo também a evitar alegações infundadas, está em discussão na União Europeia)?
É da máxima importância; ninguém vai montar planta petroquímica devido apenas ao uso de óleo de pirólise no processo. O investimento pode chegar a bilhões de euros mas não se viabiliza economicamente processando quantidades pequenas do óleo pirólise disponível no futuro previsível. Portanto, temos de adotar uma abordagem do balanço de massa similar à empregada no tocante à eletricidade. Embora os consumidores não saibam com exatidão se a energia elétrica consumida em suas residências provém de fontes renováveis, a parcela ecologicamente gerada e transmitida pela rede geral de distribuição aumenta em linha com a demanda.
Políticos (nota: na União Europeia) andam céticos sobre a aceitação do critério do balanço de massa na questão da reciclagem química e sua circularidade. O que aconteceria se fosse rejeitado?
Claro, seria mais difícil para nós entrar no mercado, mas, o primeiro e mais que tudo, isso significaria a capitulação da economia circular. E o mundo inteiro sofrerá com o aumento do uso de óleo de fonte fóssil, pois a produção de plásticos continuará a crescer. A indústria química não tem saída além da possibilitada pelo critério do balanço de massa, caso contrário vai deparar com matéria-prima insuficiente. A discussão política envolvendo reciclagens mecânica e química é conduzida por uma perspectiva que opõe um processo contra outro e, desse modo, a economia circular não evolui. O fato é que ambos são complementares e parceiros de igual peso na resolução dos resíduos. Apenas com o uso de todos os recursos tecnológicos disponíveis conseguirmos completar a transição rumo à economia circular. Na condição de recicladores químicos, não desejamos reciclar os lotes mais puros de plásticos, um contrassenso econômico e ecológico. No entanto, precisamos reciclar as frações de resíduos até o momento despachadas para incineração, caso contrário não conseguiremos atingir o ponto máximo da cota a nós destinada para a recuperação de resíduos plásticos.
Alguns analistas argumentam que a reciclagem química na realidade não recicla e, portanto, não pode ser colocada ao lado da mecânica. Procede?
São tecnologias irmãs com o objetivo comum de reutilizar ao máximo possível os plásticos em seu ciclo de vida. Ambos os processos alargam as bases da reciclagem e, por extensão, da economia circular. Afinal, o que importa é o resultado de se manter o carbono dentro do ciclo e alcançar uma economia circular que funcione. A terminologia sobre os processos não é relevante para mim, mas a recuperação do carbono é. Enfim, as reciclagens química e mecânica seguem de mãos dadas e com a mesma importância, à frente da incineração dos resíduos plásticos.