Quando subiu para o noticiário do plástico, cerca de cinco anos para cá, a reciclagem química foi pichada por um punhado de analistas como potencial carrasco da reciclagem mecânica, por disputar o suprimento de matérias-primas e surrupiar determinadas aplicações com maior padrão de qualidade. Com o passar do tempo, a poeira baixou, limites foram demarcados e hoje a cadeia do plástico se esforça por entrosar as duas vertentes da recuperação de polímeros em prol da viabilidade econômica e contribuição à sustentabilidade da produção de resinas para segundo uso. A linha de frente deste movimento reserva cadeira cativa para o grupo austríaco OMV Downstream GmbH. Entre suas credenciais, consta a exploração e comércio de petróleo e gás em três continentes; produtos químicos; duas de suas três refinarias na Europa integradas a unidades petroquímicas (Áustria e Alemanha) e, indo direto ao ponto, a OMV detém 75% do controle da Borealis, grupo listado entre os maiores produtores integrados de PP e PE do planeta. Nesta entrevista, Beate Edl, diretora de projetos de Economia Circular da OMV, expõe sua visão de uma futura coexistência frutífera entre as duas modalidades de recuperação de polímeros pós-consumo e detalha a estratégia de crescimento traçada para sua patenteada tecnologia ReOil, concebida para gerar óleo de pirólise a partir de resíduos plásticos incompatíveis com a reciclagerm mecânica. A entrevista integra a série de depoimentos “Vamos falar de reciclagem química”, promovida e divulgada pela associação alemã de engenharia VDMA.
Qual a importância da reciclagem química para sua empresa, a OMV Downstream?
Trata-se de tecnologia complementar à reciclagem mecânica e de alta prioridade para nós, peça-chave do nosso plano Estratégia 2023, ajudando-nos a acompanhar a demanda crescente por poliolefinas recicladas. Em 2009, a OMV desenvolveu e patenteou ReOil 100, um processo em escala piloto em operação desde 2018 integrado à refinaria em Schwechat, aqui na Áustria, e uma unidade 20 vezes maior, ReOil 2000, com capacidade para recuperar 16.000 t/a e munida da mesma tecnologia, tem partida programada ainda para o semestre corrente. O próximo passo será implantar uma fábrica de 200.000t/a. Fora isso, a OMV e a licenciadora de tecnologia Wood firmaram memorando de entendimento sobre a comercialização global do sistema ReOil para uso em soluções de economia circular.
Quais plásticos pós-consumo são particularmente adequados a este processo de reciclagem química?
PE, PP e PS. Não queremos interferir nas rotas estabelecidas para a reciclagem mecânica, dependente de matéria-prima monomaterial. As plantas ReOil processam quimicamente misturas de frações de polímeros, focalizando resíduos de recuperação complexa e fora do escopo de qualquer atividade recicladora. Por exemplo, filmes multimaterial ou refugos de altos níveis de contaminação, hoje remetidos à incineração.
Quais os benefícios ambientais da reciclagem química?
No ano passado, a OMV conduziu um comparativo com base no ciclo de vida entre reciclagem química e incineração. Em projeção para 2030, a análise mostra que 34% das emissões de gases estufa poderiam ser evitadas nos fluxos de lixo submetidos à incineração se redirecionados para plantas de reciclagem química licenciadas com nossa tecnologia ReOil. Isso prova que a rota química, como acréscimo às tecnologias de reciclagem existentes, é contribuição de peso para o cumprimento das nossas metas climáticas. O Grupo OMV também tem plantas de reciclagem mecânica no portfólio, reconhecemos o valor do uso complementar de diferentes tecnologias de reciclagem combinadas. A reciclagem química tem potencial para fechar o gap pendente na economia circular por correntes de resíduos impróprios para reciclagem mecânica e assim despachados para incineração.
De onde virá o suprimento de resíduos para a futura reciclagem química da OMV?
Estamos trabalhando com companhias fornecedoras de refugo aqui na Áustria e países vizinhos, pois o tamanho projetado para as futuras plantas ReOil exige uma abrangência geográfica maior para o abastecimento de matérias-primas.
Quais desafios ainda precisam ser superados?
O maior deles está na composição heterogênea dos resíduos. Falamos de refugos de alto nível de contaminação e, para complicar, sua qualidade varia conforme a fonte. O desafio é entender como estas diferentes composições afetam o processo de reciclagem química e seu produto final, o óleo de pirólise. Quando dominados esses conhecimentos, o processo será aprimorado e seu valor agregado, patamares de capacidade e viabilidade econômica serão aumentados.
Qual seria a relação ideal entre as reciclagens mecânica e química?
É difícil especificar. Mas, para se estabelecer uma economia circular, se exige uma combinação de diversas tecnologias de reciclagem e já há claras metas traçadas pela União Europeia nessa direção: até 2025, o índice de reciclagem para embalagens plásticos na zona do euro será aumentado para 50%, passando a 55% em 2030. Em 2020, este índice se aproximou de 38%. A reciclagem química pode ajudar a fechar a diferença como complemento às situações não atendidas por vias de reciclagem como a mecânica.
Por que a OMV está integrando sua unidade de reciclagem química no site da refinaria em Schwechat?
Por conveniências ecológica e econômica. Além disso, os ativos existentes podem ser melhor utilizados e os altos padrões de segurança delimitados para refinarias e unidades petroquímicas podem ser facilmente estendidos a uma nova planta integrada ao complexo. Trata-se de prioridade absoluta na política de segurança da OMV, cujo modelo operacional contempla fábricas recicladoras ReOil 100% integradas à refinaria.