Bens duráveis têm comido no Brasil o pão que o diabo amassou, decorrência de linhas de crédito tornadas impraticáveis pelos juros no patamar de 13,75% para combater a inflação. O tormento atravessou o primeiro semestre, avariando os balanços dos setores automotivo e eletroeletrônico, os mercados joias da coroa dos plásticos de engenharia mais consumidos no país: as poliamidas (PA) 6 e 6.6. O rombo no casco das montadoras é ilustrado pela ociosidade à beira de 50% numa capacidade produtiva arredondada em 4,5 milhões de veículos e, no compartimento dos eletroeletrônicos, falam por si a queda de 2% na receita e de 4% na produção física em 2022, prostração justificada também pela insuficiência mundial de semicondutores, guerra na Ucrânia e lockdowns na China. Apenas de janeiro a abril último, a produção industrial de eletroeletrônicos desabou 9%, atestam radares setoriais.
Diante desses estragos nos principais mercados, os componedores locais de PA 6 e 6.6 têm mergulhado em desenvolvimentos que abocanhem peças dominadas por metais e, entre estas frentes animadoras, destacam-se as oportunidades em implementos agrícolas, na garupa da invejável capitalização desse setor. Em paralelo, a indústria automobilística sensibilizou o governo a patrocinar descontos para a venda de carros novos a preços até R$ 120.000. Os resultados dessas medidas ainda são incertos, mas contribuem para não esfriar o pique do segmento de PA e, nesse ponto, outra injeção de sangue novo e azul pintou ao final de junho, nas vestes de um voto de confiança na resiliência do mercado: a ampliação, estimada em 15%, da capacidade de polimerização de PA 6.6 da Basf em São Bernardo do Campo (SP), investimento de R$ 35 milhões no aumento da produção do insumo sal nylon (adipato de hexametileno diamina), conforme divulgado na mídia. Esta boa nova num momento carrancudo da demanda e as estratégias para a cadeia de PA prosseguir proativa são abordadas na entrevista a seguir, concedida por três faróis da Basf com foco na América do Sul: Fernando.Barbosa, vice-presidente para materiais de performance; Fernando Antonio Ribeiro, gerente senior de desenvolvimento técnico para plásticos de engenharia e poliuretano termoplástico, e Gentil,Boscolo, head de plásticos de engenharia. Completa o time de entrevistados Vladimir de Oliveira, diretor comercial da componedora Krisoll.
A partir do comportamento no primeiro semestre, acha que o mercado interno de PA 6 e 6.6 fecha este ano inerte, desce ou cresce perante 2022?
Gentil Boscolo: No Brasil, seguimos projetando um crescimento de mercado de PA 6 e 6.6 para 2023, avanço tímido em relação a 2022. Além de esperar uma recuperação dos volumes para a indústria automotiva, há sinais de crescimento em outros segmentos de aplicação, caso dos eletrodomésticos, bens de consumo e itens relacionados à construção civil.
Vladimir de Oliveira: Apesar de acumular baixas nos primeiros cinco meses, a procura por PA 6 e 6.6 deve recuperar parte destes danos no decorrer do ano, muito alavancada pelos incentivos governamentais ao setor automotivo. Alguns indicadores econômicos também sinalizam melhora em alguns segmentos, o que pode permitir a manutenção das vendas em volume, porém com redução no faturamento por conta de câmbio e preço base.
O governo deu luz verde em junho para descontos nos preços de determinados modelos de carros novos, a título de estimular as vendas prostradas do setor nos últimos anos. Sua empresa já percebe reações positivas dessa medida como aumento no fornecimento de tipos de PA 6 e 6.6 mais standard em autopeças originais ou aumento dos pedidos de desenvolvimentos de compostos?
Gentil Boscolo: Os descontos nos preços dos carros novos aumentaram a procura do consumidor final nas concessionárias e aliviaram os estoques de determinados modelos nas montadoras. Por outro lado, porém, a medida comprometeu a venda de veículos leves a grandes frotistas, que também esperam acesso aos benefícios. É uma equação complexa. Em função destes ajustes de estoque e expectativas, a demanda adicional ainda não chegou na cadeia produtiva; esperamos que, nos próximos meses, a reposição pelas montadoras dos estoques dos automóveis comercializados com benefícios fiscais, movimente os demais elos do mercado. Já o desenvolvimento dos novos compostos tem um olhar mais estratégico, de longo prazo, e não foi tão afetado pela medida de geração de demanda. A pauta de desenvolvimentos tem mais relação com quesitos como processo de eletrificação dos veículos, a redução de seu peso e consequente substituição de metais por plásticos e a maior presença de componentes eletrônicos nos autos.
Vladimir de Oliveira: Sim, já observamos melhora nas programações de sistemistas em itens de consumo cativo. A procura pelos grades de Sollamid A, nossa família de compostos de PA 6.6, mostra-se mais representativa neste momento de retomada e a série Sollamid B, de tipos beneficiados de PA 6, também acusou em junho último volumes de vendas superiores aos aferidos no primeiro trimestre. Quanto aos desenvolvimentos, permanecem estáveis porque um grande número de novos modelos de carros continua nas pranchetas das montadoras. Entre as alternativas em materiais, a poliamida ainda constitui a solução de melhor custo-benefício para peças como maçanetas, componentes estruturais e de acabamentos e cânisters (filtros para coletar vapor gerado no tanque de autos e diminuir suas impurezas).
Acha que esses pontuais descontos nos preços dos carros novos esquentarão a demanda por soluções de PA 6 e 6.6 no segundo semestre, a ponto de as autopeças originais destronarem as de reposição da liderança entre os mercados de PA 6 e 6.6 no Brasil?
Gentil Boscolo: Embora as autopeças de reposição tenham aumentado a participação relativa no consumo de PA 6 e 6.6 no Brasil, o segmento de carros novos segue sendo o gerador de demanda para esses polímeros. Com o crescimento projetado para a produção de veículos novos em 2023, esperamos que este segmento mantenha seu papel de destaque no mercado de poliamidas.
Vladimir de Oliveira Provavelmente, sim. O fator que pode jogar luz nesta dúvida é o prazo de validade deste pacote de mudanças para incentivar as vendas de carros ou o período no qual se esgotarão os benefícios. De qualquer forma, o desempenho do mercado de autopeças de reposição deve continuar em alta, tendo em vista os investimentos dos principais transformadores do setor e a melhor sinergia de negócios neste segmento com os polímeros reciclados.
Além de beneficiar resinas nobres, Basf é a única empresa no país a polimerizar um material dessa categoria: PA 6.6. Por que ampliar sua capacidade no Brasil numa fase tão desafiadora para a demanda local e sul-americana de bens duráveis, principais
mercados para PA 6 e 6.6?
Fernando Barbosa: Importante relembrar que a principal motivação deste investimento é a produção do sal nylon de forma integrada à nossa polimerização de PA 6.6. Esta medida estratégica reduz emissões, efluentes e aumenta ainda mais nossa segurança com relação à disponibilidade desta matéria-prima crítica. Apenas estes fatores já justificam o investimento, mas, por outro lado, a capacidade adicional que o acompanha é muito bem-vinda tendo em vista maior agilidade para atender os clientes, a retomada do crescimento da indústria em geral e nosso compromisso com o mercado local de plásticos de engenharia. (nota- Basf não divulga os volumes de suas capacidades de polimerização e compostos).
Essa expansão ensejará a produção de compostos hoje inéditos no portfólio da Basf no Brasil?
Fernando Barbosa: O investimento está diretamente atrelado à cadeia da PA 6.6, pois se trata da produção de seu respectivo monômero, o sal nylon. Entre nossas atividades recentes, temos trabalhado com intensidade no pipeline de inovação, focando as possibilidades de substituição de metal, redução de emissões, processabilidade, propriedades diferenciadas e circularidade. Além disso, a possibilidade de produção do próprio sal nylon trará também a possibilidade de customizar a molécula, visando as propriedades do polímero final.
Quais as principais inovações em PA 6 e 6.6 de sua empresa para introdução este ano no Brasil tendo em vista, respectivamente, os seguintes objetivos: aumento da eficiência energética; teores crescentes de reciclados; leveza da peça e substituição de metais?
Fernando Ribeiro: Vou responder ponto por ponto.
*Aumento da eficiência energética – lançaremos a geração de Ultramid PA6. 6 High Flow com DNA 100% brasileiro já ofertado na cor preta, este novo grade foi projetado para proporcionar experiência única de fluidez e superior estabilidade térmica, tanto em processo como no uso contínuo em serviço, além de reduzir riscos de contaminação durante o processo de aplicação de masterbatch. Com este lançamento, os clientes podem ganhar em processabilidade e redução de ciclo e, eventualmente, também terão acesso a um mapeamento térmico de processo inferior (em função da maior fluidez) ao demandado pelos grades standard hoje disponíveis na praça. Exemplos de aplicações em vista incluem fixadores, conectores, clips e componentes elétricos.
Outro grade que causará impacto é o novíssimo Ultradur B4580. Trata-se de um tipo de polibutileno tereftalato (PBT) desenvolvido para ofertar excelente fluidez, alto brilho e superior capacidade de metalização. O mercado de iluminação automotiva é seu principal alvo, mas oportunidades também despontam na área de appliances (eletrodomésticos).
* Aumento do teor de PA 6 ou 6.6 reciclada – Já foram lançados para clientes na América do Sul dois grades da família Ultramid com produção local, base em PA 6.6 e PA 6, contendo percentual do polímero pós-industrial reciclado e especialmente controlado: Ultramid A3WG6 RC Black e Ultramid B3WG6 RC Black. As vendas regulares estão em curso para aplicações automotivas, em eletrodomésticos e eletroeletrônicos. No mais, temos dois grades, majoritariamente base PA 6 em fase final de desenvolvimento no nosso centro de P&D em São Bernardo do Campo/SP e com ingresso no mercado previsto para o terceiro trimestre. Com participação de PA recuperada, eles superam os grades tradicionais no mercado em termos de acabamento, processabilidade e performance mecânica com estabilidade de propriedades.
*Redução de peso da peça técnica – Um destaque do nosso portfólio é o novo grade de produção local Ultramid B3GM35 Black, base PA 6, dotado de superior fluidez. Sua combinação especial de carga mineral com fibra de vidro assegura menor densidade em relação a grades tradicionais acoplada com espetacular relação entre rigidez estrutural e resistência ao impacto e, por fim, alta estabilidade dimensional. Dessa forma, é possível o desenvolvimento de componentes mais leves com geometria complexa e/ou longo caminho de fluxo. Ultramid B3GM35 Black também proporciona ótimo acabamento superficial e superior estabilidade a luz para peças não pintadas.
* Substituição de metais – Um componente fundamental do sucesso nesse quesito envolvem as capacidades de redesenho da peça e de simulações avançadas preditivas, duas competências do nosso time ULTRASIM. No entanto, alguns grades são especialmente projetados para aplicações estruturais dependentes de excelentes propriedades mecânicas em serviço, de elevada estabilidade dimensional e, eventualmente, de excepcional capacidade de retenção de características físicas (resistência à tração e ao impacto) sob condições de envelhecimento térmico em serviço.
Neste amplo contexto, dois avanços merecem destaque no nosso mostruário. Um deles é a linha Ultramid XCD. Consta de grades com base em PA 6.6 ou PA 6 com fibras diferenciadas, provendo excelente performance mecânica. Além disso, em função do tipo de fibra empregado, proporcionam maior resistência à fadiga, além de características mais isotrópicas, entre as quais grande estabilidade dimensional e baixo nível de empenamento em comparação com grades tradicionais contendo entre 30-60% de fibra de vidro. Principais exemplos são Ultramid A3WG10 XCD e Ultramid B3WG8 XCD, com foco em aplicações automotivas como frame de teto e base de coxim do motor. A outra alternativa para substituição de metais é Ultramid A3W3G7 Black. Trata-se de PA 6.6 com 35% de fibra de vidro oferecendo altíssima resistência térmica a componentes automotivos de powertrain (tanque de intercooler, dutos de ar, etc.) que devem manter performance em serviço considerando temperaturas da ordem de 200-210ºC.
Vladimir de Oliveira: Respondendo a questão de forma abrangente, informo que a Krisoll, minha empresa, adquiriu mais outra linha de extrusão que parte no segundo semestre. Trata-se de uma extrusora de rosca dupla de torque e vazão elevados. Com este aumento da capacidade, estamos prospectando novas homologações em nichos onde a performance do composto é determinante. Também estamos lançando dois compostos da família Sollamid: um deles, A2750 ST15, consta de PA 6.6 super tenaz, com resistência a impacto superior a 900 J/m, enquanto o outro tipo, A2700 FV20 V0, é a nossa solução não halogenada para PA 6.6 com fibra de vidro anti-chama. No segmento de plásticos reciclados temos atendido uma demanda bastante técnica com os compostos 100% nacionais Kmid 300 e 330 tendo como base aparas industriais de PA 6 ou 6.6. Algumas formulações foram adaptadas às necessidades dos clientes como adição de agentes nucleantes e estabilizante térmico.
Em contraste com a demanda morna nos setores automotivo e eletroeletrônico, fervem as vendas de implementos agrícolas. Como vê o espaço para PA em componentes desses equipamentos?
Vladimir de Oliveira: Além do super crescimento, o agronegócio interessa ao nosso setor pelo chamariz da substituição de metais por PA, mérito de suas excelentes propriedades mecânicas e da redução de peso proporcionada às aplicações em componentes estruturais, bico e corpo de pulverização. Peças de colheitadeiras como sapatas e braços defletores são injetadas com PA. Adesivos e grades especiais da resina amorfa também estão presentes em recipientes de fertilizantes como tie layer (camada adesiva) e agente de barreira ao oxigênio. •