Submetido por várias vezes à reciclagem mecânica, para segundo uso em embalagens, o plástico pós-consumo perde qualidade e começa a degradar. Entram em cena, então, a reciclagem química como solução para tornar este refugo exaurido um polímero recuperado de qualidade equiparável ao virgem. Por contribuições desse naipe, complementares à reciclagem mecânica, processos de reciclagem avançada ou química têm sido içados para linha de frente das provas de sustentabilidade dos plásticos. E entre as tecnologias, predomina no noticiário a da pirólise por sua adequação ao trabalho com poliolefinas, as resinas dominantes em embalagens de uso único. Antenada na tendência, a indústria química norte-americana Honeywell abre caminho para seu processo de pirólise Upcycle neste momento em que a reciclagem química de plásticos, já enraizada no I Mundo, começa a sair da toca em países emergentes e, entre eles, o Brasil aguarda sua vez. Nesta entrevista, José Fernandes, presidente da divisão de tecnologias e materiais de performance da Honeywell para a América Latina, descreve os atributos e a trajetória internacional iniciada há poucos anos pela patenteada tecnologia de reciclagem química da empresa.
Honeywell já dispunha de tecnologia de reciclagem química antes de 2021, quando introduziu a tecnologia UpCycle?
Antes de lançar a solução Upcycle, a Honeywell não atuava neste mercado diretamente, mas já contava com longo histórico de soluções sustentáveis – desde os refrigerantes Solstice de GWP (sigla em inglês para potencial de aquecimento global) ultrabaixo até a tecnologia de combustíveis renováveis Ecofining ™ e o primeiro detergente biodegradável. Além disso, a empresa acumula mais de 100 anos de experiência com processos químicos, cultiva relacionamentos em toda a cadeia de suprimentos de plásticos – desde os produtores de materiais a joint ventures com empresas de gerenciamento de resíduos – e mantém diálogo contínuo com empresas de bens de consumo embalados.
Fica claro, assim, que a companhia tem escala, recursos e conhecimento para comercializar a tecnologia de processo UpCycle numa escala por ora inalcançável para qualquer outro sistema de reciclagem química. Até o momento, apenas uma pequena fração dos resíduos plásticos no mundo pode ser reciclada com sucesso e, na maioria das vezes, esses polímeros registram um número limitado de usos. Para enfrentar esse problema, a Honeywell introduziu a tecnologia de UpCycle e sua implementação, junto com outros processos de reciclagem química e mecânica, aprimora a coleta e triagem e pode ajudar a expandir a quantidade de resíduos plásticos recicláveis, inclusos materiais difíceis de reciclar, provenientes de resíduos industriais e comerciais e antes incinerados ou descartados em aterros. Dotado de grau alimentício, o reciclado gerado via UpCycle apresenta desempenho equivalente ao dos termoplásticos virgens derivados de fontes fósseis.
Qual a tecnologia de base que levou à reciclagem química UpCycle?
O processo UpCycle é nossa primeira oferta na área de pirólise de plásticos. Sua base é uma tecnologia em operação na Europa por sete anos na década de 1990, com capacidade de 80.000 t/a. Essa operação converteu com sucesso e regularidade plásticos reciclados em óleo de pirólise e as lições assim aprendidas foram incorporadas ao desenvolvimento de UpCycle, processo flexível que utiliza conversão molecular de ponta, pirólise e tecnologia de gerenciamento de contaminantes para converter resíduos plásticos mistos de baixo preço e altamente variáveis em matéria-prima valiosa e de qualidade para produção de polímeros virgens.
Quais as principais diferenças entre UpCycle e as demais alternativas de reciclagem avançada?
Vou responder em forma de tópicos. Aqui vão eles.
- Processo comprovado por mais de sete anos em operação em escala comercial (2 unidades com capacidade individual de 40.000 t/a);
- Maiores rendimentos por meio de design superior e conversão de produtos;
- Maior qualidade do produto;
- Operação contínua;
- Condições de operação suaves (temperatura e pressão baixas);
- Menor investimento inicial (CapEx): 30.000 t/a numa única planta;
- Menor custo operacional (OpEx) por meio de menor consumo de utilidades, temperatura e pressão baixas e operação contínua;
- Economia de escala (30.000 t/a – módulo);
- Flexibilidade de matéria-prima;
- Solução modular: custo, prazo e cronograma do projeto geral reduzidos; trabalhos mais suaves e simplificados de construção do site; responsabilidade única; garantia de qualidade.
Quais os fundamentos desse alto padrão?
Os rendimentos da matéria-prima plástica gerada são mais elevados devido ao exclusivo sistema de reação que empregamos. Ele utiliza temperaturas relativamente baixas de pirólise para minimizar a fissuração excessiva em gases leves e a formação de carvão. Essa abordagem transfere a maior quantidade de carbono da matéria-prima plástica para o produto líquido desejado. A qualidade dela é superior, devido às nossas medidas únicas de controle de cloretos. O processo alcança níveis muito baixos de cloretos na matéria-prima, permitindo maiores proporções de mistura nas unidades de craqueamento a vapor subsequentes.
Honeywell também possui plantas de reciclagem química?
A companhia estabeleceu relacionamentos estratégicos ao longo da cadeia de suprimentos de plásticos. Uma importante parceria para implementar a tecnologia de processo UpCycle foi firmada em joint venture com a Sacyr, empresa de engenharia e serviços sediada na Espanha e com operações em mais de 20 países. Nessa colaboração, ambas as empresas são coproprietárias e operadoras de uma instalação na Andaluzia, sul da Espanha, para converter até 30.000 t/a de resíduos plásticos mistos em matéria-prima de polímeros reciclados. Por sua vez, a Honeywell anunciou em janeiro de 2021 a intenção de aliança com a Avangard Innovative para construir no Texas uma fábrica de reciclagem avançada com capacidade da ordem de 30.000 t/a e partida programada para este ano .
Os mega excedentes globais de poliolefinas virgens aumentam de forma incessante e, combinados com a economia mundial em fogo brando, uma consequência é o material reciclado custar hoje mais que o virgem. Devido a esta rentabilidade a desejar do reciclado como avalia as possibilidades de interrupções de investimentos em reciclagem química e de vendas ou fechamento de recicladoras?
A demanda por conteúdo reciclado em embalagens de bens de consumo está impulsionando os investimentos em instalações avançadas de reciclagem. Essa demanda supera em muito a oferta atual. Enquanto a legislação e os compromissos das empresas de bens de consumo continuarem incentivando o aumento do conteúdo plástico reciclado, não prevemos problemas com a lucratividade desse tipo de investimento. É claro que o mercado irá ditar os preços das matérias-primas e dos produtos ao longo do tempo, um cenário em que as tecnologias de conversão mais eficientes serão utilizadas.
Plantas de reciclagem química começam a se alastrar por mercados emergentes, a exemplo da Índia, Egito, Vietnã e México. Como avalia as condições para justificar a montagem de uma planta licenciada a tecnologia UpCycle no Brasil?
Esse tipo de investimento enfrenta desafios no Brasil, como a falta de infraestrutura adequada à reciclagem química de plásticos. Ainda são poucas as instalações no país com capacidade e os equipamentos necessários para realizar esse tipo de reciclagem de forma eficiente. A disponibilidade local de resíduos plásticos de qualidade adequada para a reciclagem química pode ser um desafio. Muitas vezes, eles estão contaminados, misturados com outros materiais ou possuem propriedades químicas que dificultam seu processamento. A falta de regulamentação clara e específica para a reciclagem química de plásticos também pode criar incertezas e dificuldades para as empresas que desejam investir nessa área. Uma legislação robusta e diretrizes claras teriam condições de ajudar a impulsionar o setor e atrair investimentos.
A reciclagem química focaliza resíduos plásticos inviáveis para reciclagem mecânica, a exemplo de filmes multimaterial. No Brasil, no entanto, estes flexíveis pós-consumo são desprezados na coleta por catadores devido ao seu valor muito inferior ao recebido por plásticos rígidos ou latas. Como viabilizar uma operação de reciclagem avançada de flexíveis laminados neste cenário?
É verdade que a maior parte da coleta e seleção de plásticos atualmente está focada em materiais rígidos, uma vez que o mercado já está estabelecido para incentivar isso. Para recuperar os plásticos flexíveis, muitos recicladores os extraem dos fluxos gerais de resíduos municipais. Isso geralmente significa que o material flexível recuperado encontra-se mais acrescido de matéria orgânica e outros contaminantes. Provavelmente, será necessário um processamento adicional para atender aos requisitos de matéria-prima para tecnologias avançadas de reciclagem. Além disso, à medida em que as instalações de reciclagem avançada aumentarem sua capacidade ao longo do tempo, investimentos ocorrerão na recuperação do material flexível de fontes residenciais e comerciais. Incentivos legais também poderiam encorajar alterações nos sistemas de coleta, para tornar mais fácil e mais econômica a extração dos materiais flexíveis.