Carlos Fadigas, presidente da Braskem, entrou numa quadra em que suas afirmações são contempladas com o benefício da dúvida. Não que lhe falte credibilidade, competência ou conhecimento. A causa dessa situação, inédita em sua meteórica carreira, decorre da ventilada intenção na mídia, relativa à possibilidade de a Petrobras, segunda maior acionista da Braskem e sua fonte de nafta e gás, vender sua participação societária na petroquímica presidida pela Odebrecht, como parte da política de desfazer-se de ativos para minorar seu grau de endividamento. Nesse meio tempo, ficam no ar incógnitas a exemplo das condições de um acerto de longo prazo para o fornecimento de nafta pela estatal para sua coligada, tecla martelada por Fadigas nesta entrevista, ou a concretização de projetos acarinhados pela Braskem, caso do complexo de polietilenos (PE) pela rota do gás de xisto nos EUA (em reavaliação) ou o aumento da capacidade do complexo fluminense da mesma resina, alimentado com gás natural de bacias marítimas da Petrobras, ou ainda da unidade baiana de copolímero de acrilonitrila butadieno estireno (ABS) a quatro mãos com a alemã Styrolution, projeto sem saída definida da incubadora. Da mesma forma, o momento decerto pesa contra o custo do capital necessário para a Braskem financiar esses planos, além de um endividamento em dólar que chamou a atenção da agência de classificação de risco Moody’s e do Centro de Estudos do Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais (Cemec). Apesar do nevoeiro em torno do desfecho da transação esboçada pela Petrobras e do PIB na pindaíba, Fadigas, possuidor de otimismo sem cura, não baixa a crista e mantém de pé a selfie da Braskem como uma obra em progresso há mais de uma década.
PR – A Braskem vislumbra retomada do crescimento a partir de quando e por quais razões?
Fadigas – O cenário mais positivo é de ajuste rápido, com o governo sendo bem-sucedido na implementação das medidas de ajuste. Está sendo um ano difícil e a expectativa, segundo o relatório Focus, é que o Brasil tenha o pior PIB dos últimos 25 anos, chegando a -1%. Baterá até o PIB durante o Plano Collor, que sequestrou o dinheiro de todo mundo. Será um ano também difícil com relação à inflação e alta da energia, mas permite melhora a partir de 2016. Em outro extremo, há a possibilidade de que, por dificuldade de articulação, o pacote do governo não seja aprovado de maneira completa ou célere, gerando desdobramentos em ratings do país e em redução adicional em taxas de emprego e investimento. Acreditamos ainda na primeira opção.
PR – Os movimentos de ajustes já feitos são suficientes?
Fadigas – Estou falando da capacidade do governo de aprovar, no Congresso Nacional, seu pacote de medidas. Não é que precisemos de medidas adicionais, mas de mais trabalho para aprovar o que está tramitando. Isso permitirá que os ajustes aconteçam. O (Joaquim) Levy, ministro da Fazenda, já implantou muita coisa. Porém, é necessária uma medida de corte de gasto mais externa, na interface de governo com sociedade. Seguro-desemprego foi um ponto e o Reintegra, outro. Há uma parte dentro do governo que necessita de melhor gestão e redução de custos e poucas providências foram tomadas nessa direção. É um ponto que precisa evoluir. Outro exemplo é o ICMS. Há muito tempo o governo fala de simplificação e transferência da cobrança da origem para o destino, bem como migração para alíquota única. Trata-se de um dever de casa que ainda está por vir. Tentou-se fazer algo nesse sentido no passado, mas nada prosperou. Com a aprovação da parte central do ajuste, mais corte de custeio do governo, a Braskem espera, sim, uma superação do cenário negativo em 2015 e voltarmos em 2016 a ter uma agenda de crescimento, com inflação controlada e PIB positivo.
PR – Não é complicado acreditar no ajuste uma vez que ele precisa da aprovação do Legislativo num momento de falta de popularidade e credibilidade do governo?
Fadigas – Sim. Liderança em momento de crise é fundamental. Este é um momento de o governo, de alguma forma, exercitar a sua liderança e fazer com que as medidas sejam implantadas.
PR – Não sabíamos que a petroquímica participava do programa de desinvestimento da Petrobras.
Fadigas – Nem eu. A Petrobras não abriu a lista de ativos. Por isso o que ela quer vender não é um fato público. Em segundo, nunca fomos a Petrobras para discutir sua agenda.
PR – A veiculação na mídia de que a Petrobras busca vender sua participação na Braskem também o surpreendeu?
Fadigas – Não me surpreendeu a necessidade da Petrobras de vender ativos. Com relação à petroquímica, prefiro ficar na banda positiva. Para vender, é necessário chegar a um acordo com relação à matéria-prima.
PR – Esse tipo de notícia interfere nos planos de investimentos da Braskem, como PE nos Estados Unidos ou duplicação da planta de Duque de Caxias (RJ)?
Fadigas – Não. Essa é uma agenda de nosso acionista e não compete à Braskem. Sobre essa venda, estamos acompanhando e é a Petrobras quem tomará a decisão. Por outro lado, a negociação da nafta está avançando bem. O governo se envolveu e criou um grupo de trabalho que se reúne toda semana, liderado pelo Ministério de Minas e Energia (MME) com presença do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC), Ministério da Fazenda, governos da Bahia e Rio Grande do Sul, para discutir o contrato de nafta, firmado em fevereiro último e que expira em agosto. O problema é que existia uma visão, colocada pela Braskem, com relação à competitividade internacional da petroquímica brasileira e sobre a questão da relevância do setor para a economia do Brasil. 10% do que chamamos de indústria são química, petroquímica e plásticos. Já na Petrobras havia uma visão de curto prazo, de interesse comercial. A entrada do governo é positiva para dar dinâmica a essa discussão, para entender os dois pontos e trabalhar por uma solução. Nós fechamos essa nova extensão do contrato por seis meses e isso já foi positivo. Independentemente dos planos do acionista, o trabalho da equipe da Braskem continua focado em fechar um bom contrato. Além disso, concluímos a conversão da linha de polietileno de alta densidade (PEAD) para o tipo linear metaloceno na Bahia com expansão de capacidade, finalizamos estudo mostrando ser mais factível e viável duplicar a planta de Duque de Caxias em vez de fazer um complexo novo em Itaboraí e estamos chegando a 90% no andamento do projeto do México. A vida está seguindo.
PR – A incerteza quanto aos preços e fornecimento de nafta sempre foram um entrave para qualquer projeto petroquímico no Brasil. Por que, cerca de dois anos depois do anúncio, essa barreira óbvia desde o início serve de justificativa para adiar o projeto de ABS até segunda ordem?
Fadigas – A questão é menos preço e mais fornecimento. Não acharemos no passado a Petrobras dizendo que não tinha nafta para atender a petroquímica. Esse movimento é recente e há um embate em torno de volumes. A discussão de preço veio da ausência do volume. A Petrobras disse que a nafta virou gasolina. O consumo de combustível no Brasil subiu porque subsidiaram o preço. Portanto, se quiséssemos nafta, precisaríamos pagar a Petrobras para importar. Seria a nafta europeia, a mais cara do mundo, mais fretes e custos logísticos. Nossa posição sempre foi a de que o setor foi criado há 30 ou 40 anos para consumir a nafta que a Petrobras exporta. Ou seja, precisaria ser o preço de fora, menos o custo logístico. Portanto, não foi essa a justificativa (para adiar o projeto de ABS). Os projetos me pedem contratos de 15 a 20 anos, o que está certo. Os projetos do Sul e da Bahia querem a mesma coisa, como aconteceu com nosso complexo no México. E, pela primeira vez, nos deparamos com um contrato no qual, além da indecisão de preço, havia indecisão de volume.
PR – Diante das conversações agora mais animadoras com relação ao governo, há possibilidade de o projeto de ABS ressuscitar?
Fadigas – O projeto não morreu. Ele está em stand by. Queremos fechar o contrato de nafta para destravar os investimentos. Estamos trabalhando para fazer a petroquímica crescer. Câmbio e spread internacional são boas notícias. Resolvida a questão da nafta mais um foco de concentração de tempo e energia, voltaremos em tudo, inclusive com o plano para Duque de Caxias.
PR – Como pretende repartir a produção inicial do México entre aquele país e o Brasil?
Fadigas – Todos nossos concorrentes estão tentando entender nossa estratégia comercial. O foco do projeto é atender ao mercado mexicano, possuidor de um déficit de 1,2 milhão de toneladas de PE, talvez mais que isso. Hoje em dia, há um fluxo de importações bem estabelecido, especialmente dos Estados Unidos para o México, e grandes exportadores, como Dow e ExxonMobil, estão chegando no cliente buscando contratos mais longos para bloquear nossa entrada. Isso é normal, é a lógica da disputa comercial. Por isso, o nosso projeto, em um primeiro momento, venderá também para fora do México. Buscamos a América Central, região com boas condições logísticas, bem como Estados Unidos, onde já vendemos 1,5 milhão de toneladas de polipropileno (PP). Nos Estados Unidos, aliás, nossos clientes atuais consomem 5 milhões de toneladas de PE. São clientes com os quais temos relação comercial, abastecemos regularmente e já possuem análise de crédito. Para conquistarmos uma participação nessas 5 milhões de toneladas não é algo difícil. Aliás, muitos desses clientes querem comprar PE da gente. Também temos a opção de exportar para América Latina, principalmente para regiões com melhor localização em relação ao México, como países andinos. Talvez o México consiga ainda colocar algo na Europa. Mas esse fluxo não incluirá o Brasil.
PR – Como o câmbio e spread internacional podem ajudar a Braskem, via exportações, a atenuar o baque que está sofrendo internamente?
Fadigas – O câmbio é uma boa notícia para a indústria brasileira como um todo. Ainda que 70% de nossos custos estejam atrelados ao dólar, como nafta e gás no Rio de Janeiro, o patamar atual da moeda norte-americana é bom para a Braskem. Nossa vantagem econômica está nos mercados interno e externo. No mercado interno, o dólar encarece o produto de fora e, como trabalhamos na paridade, reajustamos nosso preço. Isso tem ajudado e nos dá competitividade para exportamos também.
PR – Diante desse quadro, qual participação no mercado interno de resinas acha que a Braskem tem condições de abocanhar?
Fadigas – Temos participação de aproximadamente 67% no mercado interno, considerando as três resinas, PE, PP e PVC, mas gostaríamos de ter 70%. Se vai acontecer, depende do movimento do câmbio, da agressividade do trader e das decisões da Braskem. Ao fecharmos o primeiro trimestre, constatamos recuperação de alguma coisa de participação, porém é difícil dizer se chegaremos a três pontos percentuais. Na linha do tempo, a Braskem perdeu participação em 2011, recuperou em 2012 e perdeu em 2013 e 2014. Este pode ser um ano para ganhar market share.
PR – A capacidade brasileira de PVC está aquém da demanda. Por que a Braskem não desfruta do fluxo de importações associando seu negócio de vinil a um player global?
Fadigas – Poderia ser. Estávamos perseguindo outra estratégia de crescimento de nossa posição e fizemos dois movimentos nesse sentido. Colocamos R$ 1 bilhão na fábrica de Alagoas e expandimos em 40% nossa capacidade de produção. Em segundo lugar, fizemos uma proposta para adquirir plantas no Brasil e Argentina da Solvay Indupa. Porém, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), em interpretação com a qual não concordamos, mas respeitamos, não aprovou. A estratégia estava mais focada em adicionar (capacidades). Temos de estar abertos a todas as possibilidades e a equipe de PVC olha para todas as alternativas, incluindo comprar e fundir.
PR – Qual o impacto da crise de energia e aumento das tarifas sobre a produção eletrointensiva de PVC e da Braskem como um todo?
Fadigas – O aumento da tarifa afeta pouco a Braskem. Essa alta pega principalmente os consumidores cativos plugados nas distribuidoras de energia. A Braskem tem contratos diretos de longo prazo com fornecedores de energia, mas somos prejudicados no aspecto dos encargos. Contudo, o que nos preocupa mais é a renovação do contrato com a Companhia Hidroelétrica do São Francisco (Chesf). Ao todo são sete empresas que compram energia da Chesf há décadas, com contratos sempre renovados, e o governo agora rediscute isso. Essa é a agenda na qual temos nos concentrado e o ministro de Minas e Energia (MME) Eduardo Braga está tocando. Esse contrato vence no último dia de junho próximo.
Marcelo Lyra, vice-presidente de relações institucionais da Braskem –
Depois que o ministro entendeu que trata-se de uma questão crítica, envolvendo o desenvolvimento industrial e a geração de riquezas no Nordeste, conseguimos sentar na mesa com a equipe dele. Estamos tentando conceber um modelo que preserve alguma competitividade à indústria, ainda que não seja a ideal, atrelado à possibilidade de investimentos futuros na geração de energia na região, carente nesse sentido.
PR – E em seus clientes, como avalia o impacto da crise de energia e da crise hídrica?
Fadigas – Vemos na crise hídrica alguns setores até se beneficiando, como o de rotomoldagem de caixas d’água e tanques. Do ponto de vista negativo, não saberia individualizar por segmento. Vemos um resultado global de crise com efeito na atividade econômica. Somam-se crise hídrica, alta de energia, ajuste fiscal, ambiente político desfavorável e aumento nos combustíveis. Os segmentos atrelados a decisões de compra maiores, como bens duráveis, sofrem mais, como linha branca, automotivo e de infraestrutura. Sofrem menos os redutos de bens de consumo, como o de alimentos. O fornecimento de plásticos para agricultura também está caminhando bem.
PR – Um dos grandes problemas da transformação de plásticos hoje é a falta de qualificação no chão de fábrica. Inclusive, as novas gerações de empreendedores preferem o setor de serviços e operadores tendem a migrar para esse segmento. Como a Braskem, diante desse fato, trabalha a perspectiva do encolhimento de seu setor, tanto pela falta de interesse de novos empreendedores quanto pela falta de qualificação?
Fadigas – Não acredito em encolhimento do setor por falta de empresários. Em três grandes transformadores de PE do Brasil, Zaraplast, Valfilm e Europack, os sucessores estão dentro do negócio. Sérgio Carneiro Filho, presidente anterior da Associação Brasileira da Indústria de Embalagens Plásticas Flexíveis (Abief), é da nova geração de transformadores. Além disso, em vista da atual situação, ninguém no setor está comemorando. O momento reflete a crise, mas não o compromisso de longo prazo. Mais hora menos hora, todo mundo investe e compra máquina. No entanto, mais do que qualificação, há o problema dos encargos sobre a mão de obra. Segundo análise estrutural da Confederação Nacional da Indústria (CNI), de 2004 a 2014 houve crescimento dos salários em moeda local de 100% no Brasil, em comparação a 27% nos Estados Unidos e 67% no México. Mas o aumento da produtividade do trabalho, no mesmo período, subiu só 3% aqui, versus 19% nos Estados Unidos e 53% no México. Mão de obra é um fator importante relacionado à competitividade. Estamos fazendo nossa parte com as ações do Plano de Incentivo à Cadeia (PIC), defesa das vantagens do plástico e treinamento em gestão. •