Ninguém revoga a lei da oferta e da procura
Como não forma preço, mercado e opinião na petroquímica mundial, a exposição do Brasil à atual superoferta global de PE e PP é contundente. Mesmo considerando a volatilidade política, economia errática e insegurança jurídica, o país acaba atraindo olhares de fornecedores internacionais porque sua demanda interna preenche os requisitos básicos para firmá-lo como alternativa para desova de exportações de poliolefinas num momento de desaceleração da China e estreia como alentada exportadora regular de PP (homo), mérito da recente conquista de autonomia produtiva no polímero. Completam o forró a Europa em calmaria e EUA/Canadá às voltas com crescente e abusivo excedente em sua capacidade de PE, em especial, na garupa do gás natural mais barato já visto. Para apimentar o molho já picante, o descompasso do mercado internacional coincide com o Brasil às voltas com consumo final enregelado por carestia brava desde 2022 e com a entrada maciça de acessíveis resinas sobrantes da Ásia e América do Norte, com destaque para os polêmicos desembarques de PE pelo porto livre de Manaus. Esta zorra sem fim previsto para este ano é dissecada na entrevista a seguir por Roberta Duarte, diretora executiva da Conecta Resinas, e Cleber Motta, diretor comercial, da Place Resinas, dois sensores precisos da avalanche das importações brasileiras de PP e PE.
As alíquotas de importação de PE e PP subiram este ano para 11,2%. Como este aumento influiu nas importações brasileiras dessas resinas e quais as perspectivas para este ano?
Roberta Duarte: Quando o tema em questão são alíquotas de imposto de importação, temos que segmentar as famílias de PE e PP. Vale um retrospecto: em relação a PE, somente os tipos lineares (PEBDL) tiveram alíquota reduzida de 11,2% para 3,3% no dia 01/08/2022. Os demais grades do polímero não acusaram alteração nessas tarifas. Quanto às alíquotas para importação de PP, a dos copolímeros caiu 4,4% e a dos homopolímeros, 6,5%. Em 1 de abril passado, as alíquotas de PEBDL e PP copo voltaram a 11,2%, enquanto a tarifa de 6,5% dos homopolímeros continua em vigência.
Essas alterações tiveram um impacto baixo perto da demanda e do consumo internos, hoje muito atrás dos níveis históricos e do esperado por todo o mercado. Nos mercados internacionais, os preços de PEs nos EUA estão majoritariamente em queda. A demanda global está fraca e a retomada ainda limitada da China faz com que a sobre-oferta dos EUA pressione os preços spot. Por sua vez, na Ásia (inclusos China, Sudeste Asiático e Oriente Médio), as resinas poliolefínicas seguem majoritariamente em queda e, no plano da logística, os fretes da Ásia para Brasil andam estáveis. A propósito, outro sinal de esfriamento do mercado mundial transparece das cotações de PVC, hoje ofertado abaixo de U$ 800 e com alguns compradores pressionando os preços para forçar a queda rumo à casa dos U$ 700.
No caso do Brasil, avalio que a retomada da alíquota de importação cheia não resolve o problema de competitividade da resina brasileira diante do excedente internacional. Além do mais, o aumento coloca os transformadores do país contra a decisão tomada. Convivo de perto com empresários desse segmento e estão criticando duramente a subida da alíquota promovida pelo governo. Eles sinalizam que a o aumento vai contra todo o discurso em prol de indústria brasileira mais competitiva. Desde meados do ano passado, as tarifas de importação estavam em 3,3% para os copolímeros de etileno, 4,4% para copolímeros de propeno, 4,4% para PVC grade de suspensão e 4,2%, para PET, voltaram este ano a 11,2%.
Para tornar a indústria brasileira mais competitiva, é preciso abrir o mercado às importações e forçar o processo de ganho de eficiência no mercado interno. Para completar, este aumento de alíquotas não influiu nas importações brasileiras desses polímeros nem alterou o planejamento para 2023 da minha empresa, a Conecta Resinas.
Cleber Motta: A recomposição da alíquota de importação, recentemente unificada em 11,2%, parece contraditória. No cenário global, testemunhamos fraco desempenho da indústria química mundial no primeiro trimestre e, no Brasil, não temos observado grandes diferenças, além das incertezas inerentes às transições governamentais. Isso resulta numa demanda retraída no primeiro semestre em curso. No momento, é crucial incentivar a atividade econômica em vezes de impor restrições.
De outro ângulo, há um movimento no mercado mundial de PE proveniente dos Estados Unidos e Canadá, com a instalação de novas plantas aumentando de forma significativa a oferta global. Isso provavelmente resultará em queda nos preços, tornando o impacto desse aumento de alíquota brasileira menos relevante. Aliás, esse tipo de medida é sempre desfavorável para o mercado nacional, pois não conseguimos aproveitar plenamente a oportunidade de preços mais competitivos para nossos transformadores. Essa modalidade de ‘proteção’ beneficia apenas a cadeia petroquímica monopolista brasileira, deixando os transformadores à mercê das políticas da única produtora de PE e PP no país. Portanto, mais uma vez, nós, importadores, lutaremos para sermos competitivos e atender às necessidades dos clientes. As perspectivas são favoráveis nesse sentido, pois mesmo diante da proteção advinda do lobby petroquímico nacional, estamos empenhados em garantir que nossos clientes possam usufruir os melhores preços ao adquirir PE e PP.
Os mega excedentes mundiais de PE e PP, puxados por investimentos nos EUA/Canadá e China/Sudeste Asiático/Oriente Médio, continuarão crescendo este ano. Esta superoferta de resinas importadas tende a declinar os preços internacionais a ponto de a subida das alíquotas brasileiras de importação não inibirem tanto assim o desembarque de PE e PP do exterior este ano?
Roberta Duarte: A desvalorização do dólar ante o real já passa de 15% este ano. Esse movimento afeta diretamente as importações de resinas plásticas. Qualquer empresa que importa resinas, e, portanto, as compra em dólar, é beneficiada pela queda da moeda devido à redução de custos e preço final de nacionalização dos materiais, sendo que o aumento nas alíquotas acaba sendo neutralizado devido à essa tendência do dólar. Eu acredito, sim, que com esta superoferta de resinas importadas e com o dólar se estabilizando nos níveis atuais os preços internacionais tendem a recuar a ponto de a subida das alíquotas de importação não inibir tanto assim o desembarque este ano de PE e PP do exterior.
Cleber Motta: A crença generalizada é de que a abundância de resinas no mercado resultará, em consequência natural, numa redução nos preços, pois trata-se de simples questão de oferta e demanda. No entanto, é importante ressaltar que nosso mercado está longe de ser um ambiente de concorrência perfeita e a demanda continua reprimida. Temos observado um excesso de vários tipos de resinas disponíveis na praça. No entanto, acredita-se que os principais atores da petroquímica internacional irão ajustar suas ofertas de acordo com as demandas atuais, para evitar que seus investimentos se dissipem diante da queda nos preços dessas poliolefinas commodities. Os níveis dos spreads (diferença entre o preço da resina e o de sua matéria-prima/nafta e gás natural) já estão muito baixos e parece improvável retornarem aos patamares anteriores. Seria um erro econômico se os grandes players aumentassem as produções para atender a uma demanda baixa, mesmo que isso signifique um retorno mais rápido sobre seus investimentos. Vivemos em tempos de imprevisibilidade e incerteza, sequelas da pandemia, e a guerra da Rússia contra Ucrânia afetou seriamente a economia global. Portanto, é necessário considerar essas variáveis ao se tomar decisões estratégicas como as relativas ao fornecimento de PP e PE.
Defendemos com firmeza o acesso dos clientes aos melhores materiais produzidos mundialmente a preços competitivos. É importante mencionar que 90% dos clientes da minha empresa, a Place Resinas, são de médio ou pequeno porte. Não teriam a possibilidade de desfrutar esta condição de competitividade sem o apoio de companhias como a nossa. Enquanto houver quem busque as soluções e alternativas que oferecemos, as perspectivas permanecerão promissoras para a Place.
Quais os principais portos utilizados por sua empresa para o desembarque de PP e PE importados?
Roberta Duarte: São os portos catarinenses de Navegantes e o porto do Espírito Santo.
Cleber Motta: O predomínio dos desembarques de nossos parceiros importadores está no porto de Itajaí, em Santa Catarina. Adicionalmente, temos utilizado os portos de Santos, em São Paulo, e em Suape, Pernambuco. Essas opções são baseadas em critérios como infraestrutura, acessibilidade e eficiência portuária.
Filmes produzidos com incentivos fiscais na Zona Franca, usando PE importado com isenções tarifárias por Manaus, são comercializados sem objeções legais no restante do país a preços mais competitivos que os dos transformadores que não produzem em locais incentivados. Como avalia o impacto da comercialização desses filmes nos seus clientes de PE produtores destes filmes sem incentivos no Sudeste/Sul?
Roberta Duarte: O perfil de clientes que a Conecta Resinas atende não sofreu impacto representativo com a penetração nacional dos filmes vindos de Manaus. O impacto que mais sofremos é referente a imagem equivocada da distribuição de resinas importadas. Trata-se de trabalho muito focado e sério, ressaltando constantemente a cadeia de valor, a ética, o serviço e o relacionamento para que o transformador possa escolher fornecedores íntegros, seguros e confiáveis.
Cleber Motta: As diretrizes estabelecidas estão claramente definidas e disponíveis a todas as empresas, sendo responsabilidade de cada uma delas desenvolver suas estratégias de sobrevivência. De um lado, podemos enxergar nos incentivos fiscais um aspecto positivo, enquanto do outro, a proximidade e agilidade no atendimento junto com um tempo de trânsito mais curto no comparativo com Manaus também desempenham um papel relevante na tomada de decisões relativas à escolha do fornecedor dos filmes pelo cliente baseado fora da Zona Franca, em particular no Sudeste e Sul.
Por que os maiores volumes de PP importados pelo Brasil não entram por Manaus, como ocorre com PE?
Roberta Duarte: Os maiores volumes de PP não entram por Manaus devido à uma questão logística. Em geral, os fretes nos processos de importação são CFR (nosso conhecido CIF), ficando por conta e responsabilidade do exportador. Para PE com origem nos EUA, a importação por Manaus ainda é vantajosa em razão do custo e transit time. Para PP de outras origens, principalmente Ásia (Oriente Médio e China), além de o frete ser mais caro, os transit time são bem maiores e quase não há rotas disponíveis.
Cleber Motta: Compreendo que essa situação decorra da natureza transformadora das indústrias presentes na Zona Franca. No entanto, não possuo conhecimento específico sobre os incentivos relacionados a cada porto. Concentro-me no porto de origem das nossas operações, Itajaí, que oferece agilidade na entrega e incentivos relacionados ao ICMS, embora em uma escala menor em comparação aos concedidos pela Zona Franca. Muitos clientes não mantêm estoques de matéria-prima e operamos num modelo quase just in time com vantagens tipo relevante redução no espaço de estocagem e nos custos financeiros e de armazenagem, permitindo aos clientes se equiparem aos grandes transformadores que trazem resinas por Manaus.
A China atingiu em 2022 plena autonomia na produção de PP tornando-se exportadora regular da resina. Como avalia as possibilidades de aumento a curto prazo da penetração de PP chinês no Brasil? E o que acha da penetração de PP da Colômbia e Chile?
Roberta Duarte: PP da China pode penetrar muito rapidamente no Brasil, como indica o número de ofertas excessivas que minha empresa recebe diariamente. A penetração da resina da Colômbia e Chile também aumenta. É questão de tempo. Com a demanda interna retomando, o Brasil se tornará atrativo para o mundo e vários países vão focar nosso mercado para incrementar os volumes comercializados de suas resinas, em especial os citados nesta resposta.
Cleber Motta: É inevitável reconhecer que a China tem sido, por muito tempo, o maior importador de PP e será ultra desafiador encontrar mundo afora um comprador de magnitude similar para substituí-la. Petroquímicas que antes direcionavam grande parte de seus volumes de PP para a China agora terão que buscar novos clientes. Embora a autossuficiência tenha sido alcançada em relação a homopolímeros, a ausência desse importante comprador deixará grandes produtores, como Arábia Saudita, Coreia do Sul e Tailândia numa posição desfavorável. O mundo todo está atento ao Brasil e, inevitavelmente, continuaremos na Place a trabalhar com matérias-primas provenientes do exterior, incluindo a China e o restante do Mercosul. Essa abordagem nos permite adquirir produtos de alta tecnologia, a preços competitivos, reduzindo a vulnerabilidade em relação a fatores específicos do mercado.
Quais as novidades agendadas por sua empresa para este ano?
Roberta Duarte: A Conecta está no segundo ano de atuação e tem focado investimentos em tecnologia e sistemas, para ganho de produtividade e na agilidade de informação. Um exemplo nesse sentido é o desenvolvimento de um aplicativo que possibilitará ao nosso time comercial acompanhar o navio em tempo real, conseguindo a posição exata de onde está o material e a previsão de chegada e atracação no Brasil.
Como avalia as perspectivas para suas vendas de PP e PE importados este ano versus 2022?
Roberta Duarte: Prevemos, com postura conservadora, um crescimento tímido este ano, entre 5-10% sobre 2022. É líquido e certo que 2023 mostra-se mais difícil, pois as taxas de juros e inflação permanecerão elevados no exercício corrente, corroendo o poder aquisitivo brasileiro. O PIB deve desacelerar com intensidade e a pressão econômica e alto endividamento das famílias devem limitar ainda mais o desempenho do varejo. Porém, de maneira geral, as vendas de PP e PE importados devem aumentar bastante este ano perante 2022.
Cleber Motta: Mantemos a perspectiva de que os números alcançados em 2022 se mantenham estáveis ao longo deste ano. No entanto, estamos aguardando ansiosamente pela retomada da demanda, na esperança de que ocorra uma redução nas taxas de juros e a implementação de um pacote de incentivos do governo que possa impulsionar essa arrancada para além das nossas expectativas. •
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