Círculo virtuoso

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PET reciclado (rPET) nasceu virado pra lua da economia circular. Seu percurso rumo ao segundo uso é liberado pela fácil coleta e triagem das garrafas nos lotes de refugo, pelo processo de recuperação isolado de outras resinas e pela maré alta dos preços e volumes, por conta de brand owners e legisladores reverentes à sustentabilidade determinando a presença de rPET em novas embalagens, em especial de alimentos. Os investimentos volta e meia anunciados na capacidade e os números da cadeia brasileira de rPET retratam este êxtase, mas não tiram do radar flancos expostos no ramo como o abastecimento insuficiente de refugo adequado e o desenvolvimento ainda incipiente de embalagens concebidas tendo a reciclagem como prioridade, comenta nesta entrevista Auri Marçon, presidente executivo da Associação Brasileira da Indústria do PET (Abipet).

Marçon: lei paulista pró uso de rPET grau alimentício é impraticável.
Marçon: lei paulista pró uso de rPET grau alimentício é impraticável.

Segundo o Censo da Abipet, o Brasil reciclou 359.000 toneladas de PET em 2021. Desse total, quais as participações do poliéster reciclado convencional (rPET) e do reciclado grau alimentício?
O rPET destinado a novas embalagens é, majoritariamente, fabricado em processos grau alimenticio. Isso nos leva a estimar que aproximadamente 40% do total do PET reciclado no Brasil já tem esse nível de qualidade.

E qual a estimativa preliminar do volume reciclado (convencional + grau alimentício) de PET em 2022? Qual a justificativa para a projeção?
A demanda por rPET é latente e poderia proporcionar um crescimento superior a 20% ao ano. Porém, a reciclagem, não só de PET, mas de todos os materiais de embalagem no Brasil, é limitada pela coleta. Isto posto, estimamos um crescimento ao redor de 4% para a reciclagem do poliéster em 2022. (Nota: a produção nacional do polímero virgem atingiu 692.000 toneladas, volume 3,3% acima de 2021 e servido pela capacidade instalada doméstica de 1 milhão de t/a).

Como avalia as capacidades instaladas no país para reciclagem de PET convencional e grau alimentício? Ambas rodaram em 2022 com a mesma ociosidade (25%) aferida pelo Censo em 2021 ou algo mudou?
É muito difícil dimensionar as duas capacidades de forma distinta para cada nível de qualidade dos produtos mencionados (alimentício ou não). Muitos recicladores têm capacidade maior no início do processo (flake, moagem, lavagem, secagem) e menor no final do processo (pellet: extrusão/pós-condensação). Isso se deve, obviamente, aos valores de investimento necessários para cada etapa.
Nos levantamentos do Censo, o reciclador é estimulado a responder pelo gargalo de sua instalação e não temos como identificar com precisão a etapa do processo. Daí a conclusão de se considerar que se trata de um valor médio do mercado, a ociosidade na etapa do flake decerto é maior do que no restante do processo. Alguns recicladores apontam que pode chegar a 35% ou 40% em algumas épocas do ano, como no inverno, quando o consumo de bebidas e a coleta da embalagem pós-consumo são mais reduzidas.
Embora tenha apenas vínculo indireto com a pergunta, existe outro fator importantíssimo para um completo esclarecimento: a produtividade. O design da embalagem é mais importante para melhorar as condições de reciclagem do que combater a ociosidade nesse setor, pois ela pode ser solucionada por investimentos nos gargalos. Já o design depende da ação de diversos atores: brand owners, profissionais de marketing, fabricantes de rótulos, tampas etc. São agentes que podem trazer complexidades que, muitas vezes, não colaboram com a produtividade na reciclagem. Nosso censo detectou que a perda média dos recicladores em 2021 foi de 23% e pode ser maior, à medida que a matéria-prima (pós-consumo) piora e as especificações do produto acabado se estreitam, caso de PET reciclado grau alimentício.

Preço e demanda hoje garantem viabilidade econômica para rPET grau alimentício no mundo e no Brasil. Mas, no caso daqui, como garantir a permanência dessa situação com o suprimento irregular e insuficiente de garrafas pós-consumo para reciclar? Qual a possibilidade de, nessa conjuntura, o Brasil intensificar as importações de flakes para a reciclagem ou do material já reciclado?
Não tem milagre: o preço (margens e lucratividade) andam juntos com o volume (oferta e demanda). O Brasil e dezenas de outros países precisam melhorar seus sistemas de coleta pública e a política de resíduos sólidos urbanos (recicláveis). Também é preciso prover os aterros com centros de triagem, para possibilitar o resgate e separação das embalagens e destiná-las à reciclagem. Hoje enterramos garrafas PET que poderiam estar ‘alimentando’ catadores e recicladores, gerando emprego e renda!
Em detalhes: o racional para avaliar a viabilidade econômica da reciclagem de PET não é muito diferente das demais matérias-primas commodities. É preciso uma visão abrangente de toda a cadeia produtiva para desenhar ações visando melhorar o mercado. Com o aprendizado acumulado em mais de 30 anos atuando no mercado de comodities termoplásticas, inclusive produtos reciclados, concluo ser muito mais importante a estabilidade dessas duas variáveis “volume/valor” do que um preço alto pela matéria-prima ou pelo produto acabado.
A cadeia de valor envolvendo catadores, cooperativas, recicladores, transformadores e brand owners precisa de equilíbrio dentro desse fluxo e dentro de seus elos competitivos. PET e rPET são poliésteres comuns, com preços modelados mundialmente como commodities. Sim, é isso mesmo, PET reciclado também é tratado como as demais commodities. O dimensionamento das linhas produtivas baseadas na disponibilidade de matéria-prima e na carga de custos fixos é, portanto, de suma importância.

O Estado de São Paulo sancionou lei determinando uso de teores de RPET grau alimentício na produção de garrafas de bebidas. Como a Abipet encara a possibilidade de esta norma ganhar alcance nacional?
Vemos com bons olhos a existência de regras para o aumento do conteúdo reciclado nas embalagens, não só de PET, mas para todos os materiais, plásticos e não plásticos. O projeto de lei em questão é muito raso em sua construção e, se promulgado, poderá ser mais uma daquelas leis inexequíveis. Não é o caso de entrarmos em detalhes. Mas, de cara, podemos ressaltar ser quase impossível controlar esses produtos nos limites de um Estado. Portanto, somos favoráveis a uma lei que cubra todo o território nacional.
Vários produtos e respectivas embalagens são fabricados num determinado estado, muitas vezes ficam estocados por meses e seguem para distribuidores ainda ignorantes do estado de destino. Além disso, uma lei específica para PET pode desequilibrar a competitividade entre os materiais de embalagens. A depender do momento econômico, a norma pode desequilibrar a competição entre as diversas matérias-primas em questão, ferindo princípios constitucionais. Existem inúmeros outros pontos falhos sobre questões sanitárias e de controle sobre, por exemplo, a porcentagem de PCR por unidade ou balanço de massa. Enfim, da forma como está o texto, não vai funcionar!

Brand owners usuários de PET, como a Heineken, festejaram em 2022 no exterior a redução realizada, em apoio à sustentabilidade, no seu consumo internacional de PET em garrafas de água mineral e refrigerantes. Como a Abipet pretende agir caso esse tipo de iniciativa desembarque no Brasil?
Fácil responder essa questão com uma simples pergunta/comparação: nos últimos anos a participação do PET no mercado de refrigerantes e água só tem aumentado. Qual será o histórico de participação da Heineken nestes dois segmentos? Desconheço as estratégias da empresa, que tem a cerveja como core business, mas tenho grande respeito por seus produtos e profissionais. Acredito que tenham tomado a melhor decisão para a companhia, mas penso que foi infeliz a justificativa dada à medida, ao defendê-la por questões ambientais ligadas ao plástico. Chega a soar como greenwashing.

Na Europa e Estados Unidos, brand owners como Unilever e Coca-Cola trombeteiam o compromisso de eliminar as cores de suas garrafas e frascos plásticos para facilitar sua reciclagem mecânica. Na visão da Abipet, o uso de masterbatches de cores realmente complica a reciclagem e, sob pressão da sustentabilidade, as garrafas e frascos de PET caminham mesmo mundialmente para a apresentação incolor?
Isso tem tudo a ver com a questão do design já mencionada ou, como prefiro chamar, o design for environment. O pessoal de marketing, por apreciar coisas coloridas e chamativas nas prateleiras, pode não gostar. Mas, a partir de uma garrafa incolor, o reciclador pode destinar o rPET para qualquer aplicação, enquanto uma embalagem colorida tem suas limitações.
O mercado já precificou as embalagens de design inadequado à reciclagem. O nosso Censo da Reciclagem elencou como principais problemas para os recicladores as embalagens coloridas e aquelas com rótulos impróprios (100% colados, metalizados, de papel ou impressos sobre a superfície da garrafa). São embalagens recicláveis, mas de menor valor de mercado, pois geram custos adicionais no processo de recuperação do poliéster. •

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