Apesar da solidez dos argumentos da indústria, cada vez mais países, entre desenvolvidos e emergentes, banem o fornecimento de descartáveis plásticos. Fica claro que a cadeia do material não tem comunicado suas posições a contento, enquanto os mandamentos da economia circular são acolhidos de braços abertos pela sociedade, à sombra da tensão com as mudanças climáticas.
Mesmo após décadas de conscientização empreendida pelo poder público e iniciativa privada, o fato é que os volumes de plásticos pós-consumo reciclados no planeta continuam a frustrar, evidenciando, por tabela, a persistência da prática do descarte incorreto e a indiferença de grande parte dos consumidores aos valores da sustentabilidade. Daí porque muitos governos radicalizam vetando o uso de descartáveis plásticos, fechando os olhos às suas inegáveis virtudes. No Brasil, esse circo começa a pegar fogo com a vigência, desde janeiro, da lei da prefeitura de São Paulo, maior metrópole do país, coibindo o uso de descartáveis plásticos em estabelecimentos como bares, restaurantes, hotéis e eventos coletivos. A legalidade da norma sancionada pelo prefeito Bruno Covas ainda será aferida pelo Supremo Tribunal Federal e sua aplicação efetiva depende de etapas administrativas, mas já bate na indústria plástica o fundado temor com o alastramento de vetos congêneres por outros municípios e Estados.
“A possibilidade de proliferação da lei em vigor no município de São Paulo é real”, admite José Ricardo Roriz Coelho, presidente da Associação Brasileira da Indústria do Plástico (Abiplast). “Afinal, esse tipo de legislação tem um ‘efeito novidade’ e mostra a alguns grupos de interesse um engajamento ambiental dos legisladores, se bem que o banimento dos descartáveis não substitui o descarte incorreto e a falta de logística adequada para o tratamento de resíduos plásticos”. Para o dirigente, a lei paulistana compõe um movimento similar aos gestos de rejeição das sacolas descartáveis de plástico. “Por ser uma iniciativa difícil de viabilizar na prática, percebe-se uma acomodação do mercado”, nota Roriz. No caso dos descartáveis, ele assinala, muitas soluções podem migrar do plástico para outros materiais. “Mas ainda falta debater o impacto dessas alterações de comportamento”.
O veto legal a artefatos plásticos de uso único é caminho de fácil execução mas de eficácia discutível, julga Roriz. “A substituição de plásticos por materiais sucedâneos resulta pouco efetiva, pois permanecem os impactos da geração de resíduos, por vezes até mais volumosos, sem motivar a sociedade a refletir sobre a necessidade real desses produtos”.
O presidente da Abiplast reitera que, diante das consequências geradas por iniciativas como a lei paulistana anti-descartáveis plásticos, a cadeia do material deve participar da busca conjunta de soluções dos problemas de cunho sustentável comparecendo com sugestões relativas a tópicos como troca de matérias-primas, “quando factível e provada a redução do impacto ambiental”, e meios de viabilização econômica do reúso desses produtos de uso único no processo industrial. “Temos trabalhado com os setores público e privado em favor de saídas plausíveis do decretado banimento dos descartáveis plásticos de estabelecimentos na cidade de São Paulo”, complementa Roriz.
Margens corroídas
Mario Schlickmann, diretor presidente da Copobras, nº1 em descartáveis plásticos no país, reconhece o risco de disseminação, em outros estados e cidades, de normas inspiradas pela lei paulistana. “Afinal, é um centro de grande visibilidade”, ele observa. “No entanto, logo surgirão consequências adversas dessa norma, demonstrando que o banimento não é o caminho adequado se considerarmos os pilares econômico, social e ambiental do desenvolvimento sustentável”.
À parte querelas ambientais, coloca o dirigente, o segmento de descartáveis plásticos resfolega há anos com rentabilidade corroída pela oferta bem acima da demanda. “Se a lei de São Paulo começar a ser replicada, esse desbalanço vai piorar e o volume perdido com o encolhimento do mercado não será recuperado, afetando a saúde financeira dos transformadores de descartáveis, impondo por tabela severo enxugamento de custos a um efetivo de indústrias geradoras de milhares de postos de trabalho”. Ainda nessa saia justa dos possíveis reveses, Schlickmann pontua os prejuízos arcados na ponta dos consumidores finais caso vingue uma penca de legislados vetos pelo país adentro ao fornecimento de descartáveis. “Como matéria-prima, o plástico oferece benefícios de custo, conveniência e eficiência energética”, ele reitera. “Já os seus descartáveis são acessíveis, práticos e higiênicos, aliás com reconhecido efeito positivo na saúde pública no enfrentamento da pandemia”.
Para minar a hipótese de uma profusão de leis acuando os descartáveis plásticos no país, Schlickmann defende uma overdose de comunicação institucional. “A indústria transformadora tem investido em novas tecnologias sustentáveis, campanhas de conscientização e incremento da reciclagem”, ele argumenta. “Portanto, não há segredo: o jeito é fortalecer essas ações por meio das nossas associações, levando ao grande público informações verdadeiras sobre os benefícios do plástico e estabelecendo com a sociedade a necessária sinergia em prol da destinação correta dos resíduos, gerando em decorrência mais valor para a cadeia do plástico. A economia circular é a nossa menina dos olhos”.
Mensagem urgente
De fora da redoma do plástico, Laura Esteves, diretora executiva da respeitada agência de publicidade DPZ&T, não faz objeções, como profissional e consumidora, à possibilidade de, a partir da norma paulistana, pulularem leis banindo descartáveis plásticos pelo Brasil afora, nas pegadas também do que ocorre em boa parte do mundo. “Vejo essa hipótese como um avanço natural”, afirma. “É necessária qualquer intervenção que tenha como objetivo frear o impacto humano no meio ambiente”.
Apesar de a economia circular olhar de lado para artefatos plásticos de uso único, Laura recusa a ideia de que ficou tarde para o setor plástico procurar frear o risco da proliferação de leis nos moldes da norma paulistana investindo numa estratégia intensa e contínua de informação, através da qual apresentasse os argumentos em defesa do produto ignorados pelo grande público. “A comunicação é fundamental para levar a mensagem em questão para o consumidor, oferecendo alternativas e mostrando o senso de urgência nessa ação”.
Perde-perde
José Guilherme Zanini, diretor da indústria Copoplast, também renega a ideia de que proibir descartáveis por lei resolva o problema ambiental. “A prefeitura de São Paulo está tomando as medidas erradas e incabíveis, inclusive porque os descartáveis têm sido de muita ajuda no combate ao corona”, ele atesta. “Eu gostaria de saber o que vai substituir os descartáveis plásticos banidos, pois, no caso do vidro, a maioria dos estabelecimentos carece de estrutura de esterilização adequada – uma atividade aliás dispendiosa pelo gasto de energia e produtos químicos – e o descarte correto desses produtos exige cuidados”.
Ainda no âmbito das alternativas, Zanini comenta a dificuldade de reciclar copos de papel/papelão, dada a necessidade de separação prévia da camada de plástico laminado na parede interna. “Evita que o papel absorva o líquido acondicionado”.
Percy Borba, gerente comercial da transformadora Spumapac, também teme o risco de multiplicação de barreiras aos descartáveis plásticos no país, tendo como gatilho a lei em vigor em Sampa. “Com base no histórico da nossa dinâmica legisferante, muitas vezes os grandes centros dão o tom para outras cidades e por isso considero possível que a iniciativa de São Paulo seja debatida em outras casas legislativas”. A lei paulistana, ele reitera, é insuficiente e ineficaz para solucionar a questão do uso, embalamento e transporte de alimentos. “Ao contrário, ela vai desativar uma importante atividade formal, produtiva, empregadora e positiva para a sociedade em troca de uma inalcançável utopia ambientalista. Será um evidente perde-perde, pois resultará em demissões, desativações fabris, aumento de custos operacionais e, o pior de tudo, não se sabe de qualquer alternativa capaz de substituir, com valores razoáveis, o plástico nos descartáveis”.
Para reagir à ameaça da proliferação de banimentos, Borba comenta haver ideias de sobra, mas a implantação de todas elas depende de articulação entre empresariado, governo e sociedade. “Por exemplo, uma contribuição financeira compulsória para incentivar a coleta e reciclagem dos descartáveis pós-consumo, a um custo mínimo e capaz de ser absorvido pelos pagantes, merece ser testada nas grandes cidades”, ele sugere. “Afinal, o empresário e o consumidor conhecem bem as vantagens dessa embalagem”. Na mesma trilha, Borba acalenta propostas à mercê do ok do poder público, como incentivo tributário para logística reversa e taxas de lixo diferentes para materiais separados e misturados.
Foco desviado
“Em vez de resolver o problema, proibir o fornecimento de descartáveis plásticos traz insegurança e interfere no mercado e no bolso das pessoas”, critica Jeancarlo Piccinini, coordenador de marketing da Galvanotek, peso-pesado no segmento. “O melhor caminho para a lei paulistana não proliferar no país é prover consumidores e poder público de informações corretas, de modo que a sociedade perceba que a solução não é demonizar o plástico, mas questionar a ausência de políticas públicas para conscientizar a população sobre a necessidade e benefícios da destinação correta dos resíduos do material”.
Piccinini antevê efeitos daninhos para indústria, comércio, consumidores e meio ambiente se a lei dos descartáveis plásticos na capital paulista inspirar normas similares em outras paragens. “Teremos então alto gasto energético, inflação, desemprego e insegurança sanitária”. O executivo também não digere numa boa a permissão dada pela lei paulistana para uso de materiais biodegradáveis e compostáveis em lugar do plástico nos descartáveis. “Ambas as opções marcam pela escala muito baixa e o Brasil não tem estrutura de coleta e compostagem”.
Momento propício
Pedra no sapato dos descartáveis plásticos, a lei homologada pelo prefeito Bruno Covas é míope, atrasada e nada resolve, fuzila Albano Schmidt, presidente da Termotécnica, fornecedora de poliestireno expandido (EPS) para aplicações como descartáveis. “Trata-se de uma norma que apenas mascara os problemas reais – o descarte, a coleta e o tratamento adequado dos resíduos recicláveis”, ele constata. “Além disso, o Brasil não tem produção suficiente de materiais substitutos do plástico em descartáveis, de modo que, se essa mudança for empreendida, ocorrerá falta de produtos e, a seguir, um significativo encarecimento deles. Em suma, a lei de São Paulo vai custar mais caro para sociedade e espero que seu modelo não prolifere por outros centros urbanos”.
Schmidt forma na corrente defensora de uma campanha nacional de conscientização para debelar o risco de essa lei grassar a torto e a direito. “Não é proibindo o fornecimento de determinado produto que se resolve o descarte inadequado de qualquer material”. Por sinal, ressalta, a notoriedade conquistada pelos descartáveis plásticos como aliados da saúde pública no confronto com a covid-19 torna o momento atual sob medida para o início da sugerida campanha informativa. “Mas isso exige o engajamento dos três níveis de governo, indústria plástica, varejistas e consumidores, com disponibilização de pontos de entrega e destinação correta. Sem isso, a população não adere à causa”.
Do berço ao berço
A desinformação generalizada a respeito da sustentabilidade dos descartáveis plásticos reflete o mesmo tipo de percepção embaçada que a opinião pública tem desse material, nota o cientista Flavio Ortigão, diretor chefe de tecnologia da empresa eslovena de reciclagem química (gaseificação) Recupera. Segundo estudo publicado em 2017 na revista Science, ele assinala, cerca de 8,3 bilhões de toneladas de plásticos foram produzidas desde os anos 1950. “Isso mostra o sucesso inigualável dos plásticos por causa de sua demassificação”, expõe. “Ou seja, os plásticos contam com uma grande vantagem sobre os materiais que substituíram – a redução da massa e o concomitante custo de logística. Mas vale lembrar que esta energia de transporte, por ser fóssil, apresenta enorme efeito ambiental. Não surpreende que análises recentes de Avaliação do Ciclo de Vida (LCA) concluam que os plásticos têm menos impacto negativo sobre o meio ambiente que os materiais sugeridos para substituí-los”. Ortigão acrescenta que o referido estudo da Science aponta que quase 80% dos plásticos produzidos acabaram em aterros onde contaminam a natureza.
“É inegável a catástrofe dos plásticos que criamos”, atesta o cientista. “A solução para o problema não é negarmos o progresso e voltarmos aos anos 1930, quando não havia plásticos no mercado e a vida era bem mais difícil. A saída está na obrigatoriedade do tratamento correto para os plásticos em fim de vida: recuperação dos materiais pela economia circular e recuperação energética, produzindo energia renovável que precisamos para uma boa qualidade de vida”.
Outro aspecto importante sobre os plásticos, segue Ortigão, é que eles constituem hidrocarbonetos, apresentando a mesma composição que petróleo, mas com a vantagem de terem sido refinados e estarem livres de poluentes como o enxofre. “Plásticos têm mais energia que petróleo e é um absurdo injustificável que um material com essas credenciais seja descartado em lixões poluentes”, ele observa. “A indústria química cometeu um erro imenso ao não considerar devidamente sua responsabilidade sobre toda a cadeia produtiva dos plásticos, do berço ao berço. Isso tem que mudar com urgência”.
Um novo tempo
Produtos plásticos de uso único vão sendo relegados ao passado, constata o consultor Paul Hodges
“Os desafios colocados pelos plásticos decorrem, em grande parte, do fato de nossa produção e consumo não serem sustentáveis. A covid-19 e a mudança climática ampliaram a atenção do público para a crise do lixo plástico que enfrentamos. Está claro que a melhor forma de lidar com esse quadro é mudar para uma economia circular na qual os plásticos possam ser reciclados e reutilizados de modo melhor e mais inteligente”. Essa recente declaração de Hans Bruyninckx, diretor executivo da Agência Ambiental Europeia, sintetiza a intensa e rápida reviravolta em curso no mercado e nos valores defendidos pelo setor plástico, efeito das inovações tecnológicas e do apoio geral ao desenvolvimento sustentável. Na entrevista a seguir, Paul Hodges, presidente da empresa New Normal Consulting e blogueiro do portal inglês Icis, centrado em química e petroquímica, escancara o avanço dessa mutação sobre o universo do plástico, tanto abrindo oportunidades até então fora do radar como abolindo aplicações tidas como estranhas no ninho da nova realidade – entre elas os produtos descartáveis.
Como avalia a proliferação global de leis proibindo descartáveis plásticos e por que os argumentos técnicos da indústria em defesa do produto são em geral ignorados pelos legisladores?
O ponto-chave de origem da decisão de banir os descartáveis plásticos é o consumidor final. Por seu turno, ele determina essa conduta ao brand owner e assim evolui o processo da legislação a ser votada. Os consumidores não têm uma visão complexa do mundo; eles simplesmente enxergam o impacto do lixo plástico – em particular na área marinha – e querem parar com isso. Meu açougueiro tem em cima do balcão um letreiro que resume este assunto com perfeição: ‘ninguém ganha do cliente numa discussão’. Como ensina o guia de técnica de vendas ‘Sales 101’, você precisa lidar com as objeções antes de vender os benefícios. Nessa pegada, a indústria dos descartáveis plásticos precisa refocar seu trabalho de divulgação tendo em vista as preocupações com o consumidor.
Proibições determinadas por leis, como o veto ao fornecimento de descartáveis plásticos na cidade de São Paulo, são uma solução melhor do que os tradicionais programas e campanhas educacionais em prol do descarte correto do lixo plástico? Por que essa catequese resulta em geral frustrante?
O veto legal é uma reação extrema à percepção de que a indústria de descartáveis plástico não se importa com a poluição marinha. A não ser que passe a abordar diretamente essa questão, a indústria corre o risco de travar um diálogo de surdos com a opinião pública. Trocando em miúdos, ela tem de tomar a iniciativa e se dirigir sem desvios ao que inquieta o consumidor implantando passos positivos para solucionar a questão do refugo plástico. Sendo vista fazendo isso, as pessoas irão escutar a indústria.
Por que as ações de catequese ambiental do público empreendidas pelo setor plástico resultam em geral frustrantes?
Isso me lembra a polêmica ocorrida no século passado na Europa em torno de pretensos riscos à saúde causados por cloro e PVC. Através da entidade EuroChlor, a ICI, minha ex- companhia, trabalhou com produtores como Dow e Solvay para desenvolver um programa robusto de divulgação voltado para esclarecer os assuntos de PVC e cloro considerados perturbadores. Isso envolveu a ida de executivos de primeiro escalão, como eu, a programas de rádio campeões de audiência, exposições para entidades em defesa dos consumidores e apresentações de provas do que dizíamos a comitês de políticos. Tão logo começamos a trabalhar, ficou claro que o ponto-chave era que tínhamos falhado em sensibilizar as pessoas comuns e por isso elas acabaram com a impressão de que nós, da indústria, nos escondíamos atrás de argumentos técnicos como uma desculpa para nada fazermos de fato.
A cadeia do plástico prima pela falta de uma estratégia de coesão de seus elos para comunicar as conveniências dos seus produtos de uso único, em regra ignoradas pela opinião pública. Sob a atual pressão ambientalista, ficou tarde para esse tipo de comunicação?
São dois assuntos a considerar aqui. As pessoas apreciam o valor dos plásticos, em particular a atuação deles nesta pandemia. Mas elas perguntam: por que as embalagens são de uso único? Por que não podem ser recicladas? O novo relatório da SusChem (Plataforma de Tecnologia Europeia em favor da Química Sustentável) sobre a estratégia de sustentabilidade dos plásticos expõe às claras que a indústria reúne possibilidades de um futuro brilhante caso se mova rumo à área de reciclagem e sua base de competências e habilidades ajusta-se de forma plena à captura de oportunidades nas cadeias de valores que emergirão desse dito Novo Normal.
Sob o Novo Normal, qual futuro enxerga para os descartáveis plásticos e para poliestireno (PS), resina altamente dependente desse segmento?
O fato é que o mundo simplesmente deixou para trás, por todas as boas razões, a ideia dos produtos de uso único. A questão do lixo plástico é um dos motivos, mas pesa também o custo econômico e o impacto do dióxido de carbono na continuidade do uso de grandes quantidades de combustíveis fósseis. Ao olharmos ao redor, deparamos com as mesmíssimas questões começando a dominar a indústria de transporte com a mudança para os veículos elétricos e a energia baseada em fontes renováveis. A situação lembra a conjuntura dos anos 1960, quando a indústria fechou suas plantas baseadas na rota do carvão, cativada pelo óleo e gás natural como matérias-primas. Nós temos uma oportunidade similar hoje, realizando a mudança da rota do óleo e gás para matérias-primas recicladas. Vale lembrar, por sinal, que a indústria plástica precisará fazer isso porque refinarias começam a ser fechadas com rapidez enquanto a revolução do carro elétrico acelera. Essa mudança vai ganhar potência turbo com Joe Biden na Casa Branca e John Kerry (responsável pelo meio ambiente no governo norte-americano) construindo apoio global dos EUA em favor de um progresso radical na edição deste ano da Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas (COP 26).
Os descartáveis plásticos são mundialmente prezados como soluções para evitar o risco de contaminação pelo corona. Por que este reconhecimento dos produtos não consegue frear a proliferação de leis exigindo sua proibição?
As pessoas têm uma necessidade básica de contar com alimento e embalagem seguros. Mas isso não significa que a exigência sempre será atendida do jeito que ocorria no passado. Por exemplo, as pessoas pararam de comprar CDs (cujos estojos eram responsáveis por 25% da demanda de PS cristal) mas continuam a ouvir música e para isso optam por streaming via Spotify, Apple Music etc. Fica claro, portanto, que a indústria do plástico tem uma senhora oportunidade aqui, mas ela impõe o abandono daquela ideia do negócio como ele sempre foi. Em vez disso, a cadeia plástica precisa redirecionar sua atividade indo ao encontro das novas exigências em favor de produtos reciclados e da economia circular. Eu acho que este é um tempo muito excitante para se estar no setor plástico e estou convicto de que ele está à altura do desafio e vai aproveitar a oportunidade que o novo momento proporciona.
O sonho da mesa posta
Veto a resinas convencionais em descartáveis anima alternativas como bioplásticos
Ainda em janeiro, mesmo mês da entrada em vigor da primeira lei brasileira, sancionada pela prefeitura de São Paulo, a proibir o fornecimento de descartáveis plásticos, a componedora Earth Renewable Technologies (ERT) aproveitou a deixa para sapecar release na mídia apresentando-se como o único produtor de biocompostos no país em linha com a nova legislação. Com produção iniciada em 2020, na faixa de 200 t/mês a cargo de 16 extrusoras de dupla rosca, a planta da empresa em Curitiba beneficia plásticos biodegradáveis, em especial o importado ácido polilático (PLA), e o plano de ação é elevar a capacidade a 2.200 t/mês no período atual. “Nesta linha de contribuição para diminuir o aquecimento global, acreditamos que o futuro nos reserva ótimas surpresas em relação ao banimento dos descartáveis de fontes não renováveis”, pressente o CEO Kim Gurtensten Fabri, convicto de que a proliferação de leis contra esses artefatos pelo Brasil afora é ponto pacífico. “Esperamos que cidades-modelo, como Curitiba, sejam as próximas a seguir o exemplo da capital paulista”.
O potencial para biopolímeros no país, ele frisa, é superlativo. “A população carece de alternativas mais sustentáveis no âmbito dos plásticos e, com base nessa perspectiva, desembarcamos aqui para sermos os primeiros produtores locais de formulações à base de biopolímeros em grande escala”.
Com capital majoritariamente norte-americano, a ERT atua com fábrica na Carolina do Sul e escritório na Carolina do Norte; dispõe de representação na Bélgica e o Brasil comparece no raio de ação com a planta e infra de vendas no Paraná. Para engrenar a entrada de seus biomateriais (masters, compostos e aditivos) na indústria transformadora brasileira, a ERT selecionou como agente exclusiva a Activas, trem-bala da distribuição nacional de resinas oriundas da petroquímica.
Descartáveis plásticos configuram produtos transformados commodities, de baixo valor agregado e alta escala. Do outro lado da balança, os compostos de bioplásticos acenados pela ERT marcam pela disponibilidade limitada, dependência de importações e preço elevado, bem acima da concorrência movidas por grades nacionais de poliolefinas e poliestireno (PS) beneficiados. Apesar disso, Fabri enxerga uma porta para suas soluções em descartáveis plásticos. “Buscamos alternativas econômicas para os biopolímeros se popularizarem no Brasil”, ele argumenta. “A parceria mantida com o principal fornecedor de matéria-prima (a holandesa Total Corbion) viabiliza nossas importações de PLA a preços competitivos ”. Além disso, reforça o CEO, a ERT busca tropicalizar suas formulações com insumos locais, como amido de mandioca e casca de bambu e coco, de modo a trabalhar com preços mais em conta. “Não vamos conseguir preços inferiores aos de resinas de fonte fóssil, mas estamos empenhados em achatar essa diferença, permitindo assim a um número crescente de marcas de produtos finais assumir o compromisso de diminuir seu uso de termoplásticos tradicionais”.
Frente única
Mesmo com atuação meritória na pandemia, como garantia de higienização, os descartáveis plásticos permanecem alvo de leis de banimento num cordão crescente de países e cidades e a norma da prefeitura de São Paulo começa a pôr o Brasil no bloco. Isso acontece porque, ao pé da letra, trata-se de um produto de plástico e descartável ainda por cima, explica Eduardo Van Roost, CEO da Res Brasil, agente dos aditivos de ponta da inglesa Symphony, entre eles o oxibiodegradável d2w, contemplado com selo ecológico pela Associação Brasileira de Normas Técnicas. “Pela TV e mídias sociais as pessoas sabem que parte dos descartáveis plásticos vai parar no mar, ameaçando a vida selvagem. Quando se soma as palavras plástico e descartável, a rejeição pega fogo de vez. Pergunte sobre isso às novas gerações”. Conforme acentua, a ladainha do plástico como material reciclável, econômico, barato e mais sustentável que as alternativas acaba destruída diante de uma simples foto mostrando poluição e animais mortos. “Assim, a chamada plastifobia se espalha a ponto de mesmo as famílias de quem trabalha no setor questionarem o produto e as atividades que as amparam”.
A lei paulistana que veda o fornecimento de descartáveis plásticos, assinala Roost, proíbe aditivos como os oxibiodegradáveis e polímeros compostáveis, que não se deterioram fora das usinas de compostagem. No plano geral, sugere o agente da Symphony, o primeiro passo para a cadeia nacional de descartáveis plásticos minar a possibilidade da propagação feito praga de leis similares em municípios e estados é a formação de uma frente ampla, única e coesa para verberar seus argumentos. “A adesão do setor à causa é fundamental, pois já se provou ineficaz a defesa do plástico de forma isolada por suas entidades”. No âmbito específico dos transformadores de descartáveis plásticos, Roost propõe a adoção de medidas como mudar e aprimorar o produto, “removendo o conceito de descartável ao torna-lo reutilizável”. Ele também recomenda aos transformadores alertarem a opinião pública para o fato de que, por não serem biodegradáveis e por conterem plásticos via laminação ou coating dificultando sua reciclagem, o fornecimento de copos e pratos de papel também deveria ser proibido. “Como última opção, o transformador de descartáveis plásticos pode considerar a mudança de ramo ou de produto”, conclui Roost.
Sacolas descartáveis: defesa segura
“Infelizmente não há diálogo”. Rogério Mani, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Embalagens Plásticas Flexíveis (Abief) explica assim, bem direto ao ponto, porque os argumentos de seu setor em prol da sustentabilidade das sacolas descartáveis não consegue estancar a torrente de leis internacionais proibindo essa embalagem no comércio. “Legisladores e ambientalistas evitam a discussão técnica conosco, cientes de que apenas a Análise do Ciclo de Vida lhes tira todas as justificativas para um banimento. “Já é hora de os oponentes deixarem de lado suas crenças e partir para um debate franco e técnico. Para eles é mais fácil atacar do que dialogar. Não aceitamos uma condenação da sacola sem o direito de discutir e provar que ela é mais sustentável que as alternativas”. Para inibir novos entraves legais ao uso e comércio das sacolas plásticas convencionais, Mani informa que a Abief trabalha na revisão da norma técnica e em campanhas de conscientização sobre uso racional, descarte correto, reúso e inserção de conteúdo reciclado nessas embalagens. Outras iniciativas nas quais a Abief tem se envolvido incluem a impressão com mensagens educativas nas sacolas e a proposta de coloração diferente para facilitar a coleta seletiva. “Também buscamos aproximação dos legisladores em prol de uma agenda positiva e seguimos combatendo o surgimento de projetos de lei contrários às sacolas com ações diretas de inconstitucionalidade”, arremata o dirigente.
Microfone sem som
Comunicação falha da indústria pesa para Alemanha banir o uso de descartáveis plásticos
Em linha com as diretivas da União Europeia para reduzir a incidência de lixo plástico, a Alemanha considerada a estrela guia mundial da pesquisa e tecnologia dos polímeros, proíbe a partir de julho a venda de descartáveis plásticos. Analistas ponderam que a decisão do governo alemão terá o condão de inspirar mais leis internacionais versando sobre esse banimento nos próximos anos. Morando na Alemanha há cinco anos, a brasileira Marianne Ostgathe responde pelo área de marketing da Kreyenborg, fabricante de equipamentos periféricos top para plásticos e na qual seu marido alemão integra o quadro de controladores. Na entrevista a seguir, Marianne discorre sobre a imagem dos plásticos de uso único aos olhos dos alemães, opina sobre a política de comunicação do setor plástico no país e julga que o Brasil acabará aderindo ao banimento dos descartáveis plásticos, motivado inclusive pela pioneira lei paulistana em vigor desde o início do ano.
Como você e os alemães em geral se ajustaram às compras sem depender de sacolas plásticas descartáveis e qual a imagem delas aos olhos da população, em termos de sustentabilidade?
No meu caso, foi uma questão de estar aberta e disposta a mudar certas rotinas enraizadas em nome de uma causa maior. No começo é chato sair da zona de conforto, mas me acostumei a ter sempre uma shopping bag na bolsa e várias outras dentro do carro. Quando se começa, o processo de adaptação é bem rápido, descomplicado e, de certa forma, até gratificante. Quanto aos alemães em geral, acredito que seja para eles natural a ausência de sacolas plásticas e que isso não seja um problema, assim como não é mais para mim também. Se dá para viver sem elas, qual o sentido em tê-las?
Qual a imagem que os alemães têm dos benefícios sustentáveis dos descartáveis plásticos? Como acha que essa proibição do fornecimento deles, a partir de julho, será acolhida pela população?
Alguns produtos one way, como canudos e copos plásticos são considerados supérfluos e, infelizmente, também estão entre os itens mais encontrados nas praias (fluviais) alemãs e, em consequência, no mar. Acredito, portanto, que a proibição será bem recebida pela população. O desafio maior será procurar alternativas sustentáveis e reutilizáveis para substituir esses produtos plásticos. Muitos pensam que substituindo-os por papelão revestido ou alumínio é ecologicamente correto, mas não é.
A indústria plástica alemã tem feito um trabalho eficiente para sensibilizar o governo e opinião pública para as vantagens e conveniências sustentáveis dos descartáveis plásticos?
As associações do plástico tentam mostrar que os benefícios para o meio ambiente com a proibição do plástico descartável não é necessariamente verdade. O lixo pode diminuir, mas a emissão de dióxido de carbono pode aumentar. Além disso, substituir descartáveis plásticos por itens à base de outros materiais também não é aconselhável. Para completar, muitas vezes nenhum outro material exerce a mesma função do plástico. Mas não acho que isso tem sido suficiente para sensibilizar o governo e a opinião pública.
Na sua opinião, o Brasil tende a continuar à parte da crescente avalanche de leis internacionais banindo sacolas plásticas de saída de caixa e descartáveis plásticos ou não escapa de embarcar nessa onda a curto prazo, sob pressão da economia circular?
Eu espero que o Brasil não fique de braços cruzados. A mudança é necessária e urgente e, como vivemos todos no mesmo planeta, é essencial que ela seja feita por todos. O Brasil verá com seus próprios olhos o resultado da proibição do fornecimento de descartáveis plásticos na cidade de São Paulo e essa constatação servirá de modelo e inspiração para outros centros urbanos e estados.
Não podemos esquecer que o plástico tem muitas vantagens e não pode ser visto somente como um vilão. Antes de tudo, o Brasil carece de uma conscientização sobre consumo e descarte correto para viabilizar ações de reciclagem. Isso já seria um bom começo. •