Indústrias finais entopem a mídia com lançamentos de embalagens recicláveis e juras de amor eterno à sustentabilidade. Mas por trás de tanta devoção ao meio ambiente, a cor da reciclagem de plástico no Brasil continua a pender mais para o vermelho que para o verde, mérito da rentabilidade pouco atraente e da produtividade deplorável dessa cadeia industrial, constata Amarildo Bazan, consultor estelar em economia circular. “Nossos índices de reciclagem estão na média mundial, mas são irrisórios perante a quantidade diária de matéria-prima descartada nos aterros e lixões”.
Uma pedra no apertado sapato do plástico, distingue Bazan, é seu baixo valor. “É material barato e de uso em larga escala, de modo que seu descarte virou rotina”. Por não perceber valor no plástico reciclável, completa o consultor, o consumidor em geral não se sente estimulado a separar o refugo sintético de forma adequada nem a levá-lo a cooperativas, ecopontos ou pontos de entregas voluntárias. O valor irrisório também explica o mirrado número de catadores de plástico em contraste com o mundaréu de gente obcecada em pegar latinhas, assinala Bazan. “E após passar por separação, moagem, lavagem e extrusão, o plástico de segundo uso é vendido até a 40% do valor do polímero virgem, um preço que não remunera os custos altos da atividade de reciclagem, aliás mais cara que a produção de resina virgem ”, ele atesta.
Para virar esse jogo, Bazan reivindica medidas como a desoneração fiscal do setor. “Hoje em dia, ele recorre a um malabarismo tributário para continuar rodando; é inconcebível que o material reciclado pague mais impostos que o plástico virgem”. O consultor também defende a criação de mercados que prezem um padrão elevado de qualidade do plástico reciclado, deixando de encará-lo como artifício para baixar custos para respeitá-lo como um elo da economia circular. Ele também defende uma remuneração adequada a todos os elos da cadeia, a partir do catador. “Com um reciclado mais valorizado, pode-se aprimorar os processos de todo o setor, em especial no seu ponto mais crítico: a oferta de material para reciclar”. No mais, Bazan apóia a adoção por aqui de medidas vitoriosas no I Mundo como o sistema de reembolso do depósito (Deposit Refund System/DRS). “O público paga algo a mais pela embalagem do produto e, ao devolvê-la num ponto de coleta, recebe o valor de volta”.
Oferta mirrada
Além dessas ranhuras na eco auréola do plástico, sua reciclagem no Brasil derrapa na ineficiência da coleta seletiva. Segundo a Associação Brasileira de Limpeza Pública (Abrelpe), cita Bazan, o país gera em torno de 1,04 kg/dia per capita de lixo. “Desse total, coletam-se 92% destinados tanto a aterros sanitários respeitadores das normas ambientais como a formas inadequadas de depósito – os aterros controlados e lixões”, descreve o especialista. Em média, ele especifica, o plástico responde por 10% do lixo doméstico nacional. Uma parcela de 90% desse descarte não é coletada e apenas 10% chega à indústria. “O custo da coleta seletiva é bem mais caro que o do recolhimento comum, o que também explica o despejo da maior parte do plástico pós-consumo em lixões e aterros”, associa Bazan. “Daí a baixa oferta de material de qualidade para reciclagem”.
Projeções situam em mais de 800.000 pessoas o contingente de catadores no Brasil, atividade vista por muitos como uma forma de prover renda mínima a uma população miserável. Essa bem comportada justificativa social para a coleta, corrói, no entanto, a produtividade e eficiência da cadeia industrial do plástico reciclado, julga Bazan. “Um número pequeno de catadores está atrelado a cooperativas ou associações, enquanto a maioria é informal e vende seu refugo no final do dia a um depósito de sucata”. A produtividade a desejar desse modelo e os baixos preços pagos pelo material selecionado pelo comprador, acentua Bazan, tornam marginal a atividade dos catadores e sem perspectiva de sustentar-se economicamente. “O catador é pobre não pelo trabalho em si, mas por ser mal pago – ganha em média um salário mínimo por mês”. Para engrossar o caldo, Bazan acrescenta que o sistema de coleta por catadores ligados a cooperativas responde por apenas 25% do material trabalhado pelas recicladoras.
Sucateiro atravessador
Em regra, encaixa Bazan, os recicladores preferem não se verticalizar nas etapas de moagem e lavagem em razão de complexidades como a seleção adequada dos polímeros, tratamento de efluentes e a dependência de licenças específicas para a operação. “Na maioria das vezes, o foco do reciclador é beneficiar o flake com aditivos e concentrados de cores e extrusar esse material”, esclarece o consultor. “Assumir a moagem e lavagem aumentaria o custo da produção e, por extensão, poria em risco a viabilidade econômica desse processo integrado”.
A moagem e lavagem por terceiros desnuda outra jabuticaba da cadeia de reciclagem brasileira, impensável no mundo desenvolvido – o comprador dos resíduos plásticos adquiridos de catadores autônomos pelo depósito de sucata. É uma consequência da precariedade e informalidade do sistema dominante de comercialização do setor, atribui Bazan. “O catador vende o material coletado a um depósito de lixo que, por seu turno, repassa o refugo plástico a um sucateiro atravessador que transfere essas aparas a alguém que as mói e lava para depois fornecer o flake à indústria de reciclagem que beneficia o material com aditivos e masters de cores para então extrudar os grãos de resina para segundo uso”. Segundo Bazan, esta rota tortuosa entre o resíduo descartado e seu reaproveitamento corresponde a cerca de 75% do abastecimento da reciclagem de plástico no país. “Os 25% restantes são supridos pela coleta seletiva e cooperativas”, lastima o consultor. •