Com a cabeça feita

Consciência ambiental começa a popularizar os produtos de higiene e beleza com aura sustentável. Uma guinada que as embalagens ajudam a acelerar

Não faz muito tempo que a decisão de mudar o curso de um rio considerava apenas os ganhos de infraestrutura. Hoje em dia, a obra não sai do papel sem uma prévia de seus efeitos ecológicos. Este espírito de conciliar preservação ambiental com desenvolvimento econômico já perdeu também a conotação de elitismo ecoxiita, entrando para os hábitos de consumo geral. Que o digam os produtos de higiene e beleza identificados como sustentáveis. Entre junho de 2018 e junho de 2019, a receita desse segmento emplacou R$10,9 bilhões, cifra correspondente – por enquanto – a todo o mercado da região sul do setor de higiene e beleza, e o ponto de partida para distinguir um produto como amigo da natureza é a embalagem, atesta estudo recém saído do pipeline da Nielsen intitulado “Sustentabilidade em Higiene e Beleza – Do Discurso à Prática”.

Mulheres de 36 a 45 anos, rastreia a varredura em domicílios da Nielsen, predominam no perfil de consumidores que prezam produtos verdes de higiene e beleza e lojas de perfumaria são o canal onde as vendas crescem com mais velocidade. Uma peculiariedade desse público, capta o levantamento, é que a performance do produto não é o principal ímã para a compra. A maior motivação é fazer o bem (51% dos respondentes), vindo bem depois os benefícios corporais proporcionados (34,3%). A propósito, o nicho de ingredientes naturais lidera o consumo, se comparado a produtos veganos e os que banem testes com animais. Xampus, condicionadores e sabonetes puxam a cesta desses produtos sustentáveis mais vendidos, completada no levantamento da Nielsen por desodorantes, cremes para pele, protetor solar, maquiagem, preservativos, fio e creme dental.

A Nielsen constata que, tão importante quanto o produto estar disponível na prateleira e ter seu preço alinhado, é comunicar seus atributos de sustentabilidade ao consumidor. Não tem sido um megafone mamão com açúcar para as marcas. De acordo com a pesquisa, 26,6% dos entrevistados acham os produtos ditos sustentáveis muito caros: 22,4% declaram não encontrá-los com facilidade e 26,5%, dizem ter dificuldades para identificá-los como sustentáveis. Correndo neste vácuo, a radiografia da Nielsen liga uma luz para a cadeia do plástico: a embalagem é a principal fonte de informação para o consumidor, indicam 25,2% dos respondentes. Muitos degraus abaixo vêm as opiniões de profissionais (14,6%); sites dos fabricantes (14,3%); opinião de amigos/familiares (11,1%); outros sites /blogs (7,9%) e influenciadores/criadores de conteúdo (7,2%).

Antonio Celso da Silva, diretor da Associação Brasileira de Cosmetologia (ABC) e da Payot Cosméticos, avalia que a indústria de higiene e beleza ainda tateia o terreno para melhor se servir das embalagens para trombetear as virtudes sustentáveis dos seus produtos. “Muito ainda precisa ser feito”, ele assinala. “Por enquanto dispomos de poucas embalagens que podem ser consideradas sustentáveis”. Ele divide em duas categorias as empresas do setor preocupadas com a sustentabilidade nas suas embalagens. “Há aquelas com essa preocupação no DNA e integrada à sua rotina e na outra ala constam as empresas mais preocupadas com o aumento nas vendas por conta de um apelo sustentável nas suas embalagens”. Na esteira, Silva assinala que um recurso ainda pouco utilizado pelo setor nas embalagens, para divulgar apelos de sustentabilidade e demais informações do produto, é a realidade aumentada. “Isso será comum em breve e as embalagens conterão menos informações por escrito e mais pela ferramenta virtual, pela qual se pode falar e mostrar mais que pela apresentação física”.

João Carlos Basilio, presidente executivo da Associação Brasileira das indústrias de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos (Abihpec), observa a inexistência de legislação que obrigue a inserção de informações sobre sustentabilidade nas embalagens. “Cabe ressaltar que, ao regular a oferta e publicidade de produtos e serviços, o Código de Defesa do Consumidor restringe ao estabelecimento a adoção de obrigações que não incluam a inserção de campanhas voltadas à conscientização ou educação da sociedade”.

Para 45,5% dos entrevistados pela pesquisa da Nielsen, produto sustentável é o que tem embalagem biodegradável. Em contraste, sobram levantamentos, encomendados inclusive pelo setor plástico, atestando que a esmagadora maioria dos consumidores ignora o que significa o termo biodegradável. “Em pesquisa recente realizada pela Abihpec com o Instituto Perception, duas questões se mostraram latentes”, coloca Basilio. “O brasileiro está mais consciente do papel do consumidor, mas persiste um gap considerável entre o que ele entende ou imagina ser sustentável e como se comporta em relação a isso no dia a dia”. Na visão do dirigente da Abihpec, o cenário denota uma consciência ambiental em construção superficial e posiciona a população mais antenada e interessada em aprofundar o conhecimento sobre o assunto e aplicá-lo no cotidiano. “Essa conjuntura também dá as empresas a oportunidade de contribuir com a conscientização da sociedade por meio da comunicação e aquelas que adotam essa postura têm potencial para ser melhor avaliadas pelo consumidor”.

A constatada desinformação do consumidor sobre questões de sustentabilidade, caso da ignorância generalizada sobre biodegradação, configura uma situação preocupante e demonstra a confusão do público entre embalagem e produto, julga Antonio Celso da Silva. “O termo biodegradável está na cabeça dele como um produto que se pode descartar no lixo, tipo detergente biodegradável”, ele descreve. “Percebemos um movimento das empresas do setor de higiene e beleza por embalagens sustentáveis, mas é preciso uma grande campanha esclarecedora do governo e, em especial, para o contingente menos informado. Não basta criar leis como a da logística reversa e da Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS); acima de tudo se deve explicar à população o que estamos falando”.
Órgãos de defesa do consumidor têm questionado fabricantes como os de marcas de higiene e beleza por apresentarem nas embalagens rótulos tipo “ecológico”, “biodegradável” ou “sustentável” sem maiores explicações. Para o diretor da ABC Cosmetologia, qualquer empresa pode colocar apelos de sustentabilidade, pois não não há obrigação legal de comprovar as declarações. “Resta então às entidades protetoras do consumidor indagar se a informação procede ou não e punir quem não provar o que diz”, complementa Silva. “No entanto, os fabricantes sérios gravam nas embalagens o selo de certificadoras idôneas; é o caminho para separar o joio do trigo”. Na mesma trilha, Basilio acentua que a Abihpec recomenda às filiadas que as mensagens transmitidas sejam coerentes com suas práticas.
O estudo da Nielsen encabeça as estratégias sugeridas para o setor de higiene e beleza promover seu credo na sustentabilidade com ações para reduzir e/ou reformular as embalagens dos produtos. “A indústria investe constantemente no aperfeiçoamento e inovação de embalagens sustentáveis”, assegura Basilio. “Entre os muitos exemplos, constam a implantação de recipientes com refil e o desenvolvimento de embalagens menores, incentivando uma compra mais consciente”.

Dos observatórios da ABC Cosmetologia e da Payot, Antonio Celso da Silva percebe ainda haver muito a ser feito para vestir as embalagens do setor pelo corte e costura da sustentabilidade. “Por exemplo, o uso de embalagens monomaterial, de modo que todos os seus componentes sejam recicláveis e não apenas um deles”, ele coloca. “Não basta o frasco ser reciclável se tampa e rótulo não forem”. Quanto às soluções para reduzir o peso ds recipientes, Silva nota que, apesar de muito aventadas no ramo, ainda não são praticadas à larga no setor. “Vale lembrar que, em termos financeiros, baixar a gramatura não soa vantajoso para os transformadores, pois vendem a embalagem plástica por peso e não por unidade”.

Pelo flanco dos materiais, Silva crê que investimentos em soluções biodegradáveis pela indústria plástica viriam a calhar para o setor de higiene e beleza verberar com solidez o seu credo no desenvolvimento sustentável. “Um grande transformador de PET acaba de lançar frascos com aditivos que os tornam biodegradáveis”. Outra pista aberta para validar um produto do setor como sustentável, ele encaixa, seria restringir sua apresentação ao essencial. “Será que é realmente necessária a embalagem secundária na grande maioria dos produtos cosméticos?”, ele provoca. “São ações desse naipe que vão mudar para valer a sustentabilidade das embalagens dna realidade brasileira.”

Produtos de higiene e beleza são acondicionados em potes e frascos rígidos e em embalagens flexíveis, como tubos plásticos e pouches. A sustentabilidade destas últimas no entanto, é vista com reservas pela economia circular, dada sua coleta e reciclagem mais trabalhosas e custosas. Nesse contexto, Silva considera desafiadora a permanência nos mostruários de produtos de higiene e beleza acondicionados em filmes coextrusados ou laminados. “Essas embalagens são constituídas de diversas camadas à base de materiais recuperáveis e impróprios para segundo uso, o que dificulta ou impossibilita sua reciclagem pós-consumo”, ele pondera. “É preciso que a indústria de matérias-primas se debruce sobre este problema para achar caminhos que garantam a sobrevivência dessa categoria de embalagens”.

Verdes de carteirinha

Pigmentos, masters e reciclados com pé na cozinha da sustentabilidade

verdes de carteirinhaInfluencers, bloggers, apps, facebook, instagram, TV. Nada disso chega perto do poder da embalagem como fonte das informações ao mercado, atesta o recém-chegado estudo da Nielsen “Sustentabilidade em Higiene & Beleza – do Discurso à Prática”. A mesma pesquisa recomenda ao setor reduzir e/ou reformular embalagens e ingredientes como estratégia nº1 para difundir junto ao público seu aplauso à proteção ambiental aliada ao desenvolvimento econômico.

A estética magnetizante fica na parte de cima da caixa de ferramentas que indústrias finais com denso fluxo de lançamentos de bom valor agregado, caso de higiene & beleza, abrem para dar um tapa no visual de suas embalagens. Bússola global em colorantes, a alemã Merck não perde esta onda. “Entre nossas linhas de pigmentos de efeito, a mais procurada para aplicações plásticas é a série Iriodin®, cuja maioria dos produtos é baseada em mica natural”, distingue Francisco Veloso, líder de materiais de performance da subsidiária do grupo no Brasil. As justificativas para essa demanda, ele aponta, incluem a possibilidade de coberturas e a disponibilidade de  efeitos perolados e madrepérola. “A série oferta tons vermelhos, bronze, prateados, dourados e outros tipos de interferência”, descreve Veloso. “Além disso, Iriodin® permite uma infinidade de aplicações que, a depender do tamanho selecionado da partícula, conferem efeitos que vão do acetinado ao brilho intenso”.

A linha de pigmentos de efeito Xirallic®, indica o executivo, é a mais nova alquimia da Merck para embalagens plásticas enfeitiçarem os olhares que varrem as gôndolas. O diferencial desta série é a qualidade da estrutura dos colorantes, nota Veloso. “Flocos de alumínio com superfícies planas são revestidos com óxidos metálicos de extrema pureza, conferindo um brilho requintado. As partículas excepcionalmente finas dessa linha tornam sua incorporação mais fácil do que o trabalho com efeitos de brilho baseados em partículas maiores”.

Retirada de metais pesados
Os pedidos de cores e efeitos especiais para embalagens de higiene e beleza que fluem na carteira da componedora Cromaster irradiam a inspiração hoje incutida pela pregação da sustentabilidade nos apelos de marketing do setor. O gerente técnico Carlos Assumpção enxerga dois aspectos relevantes hoje trabalhados por essas indústrias finais e seus transformadores de embalagens que favorecem os fornecedores de masterbatches. “Um deles é a forte substituição do consumo de pigmentação inorgânica, à base de metais pesados, por colorantes livres deles e de maior poder de tingimento, uma contribuição para minorar o impacto ambiental das embalagens de produtos de higiene e beleza”, observa o expert. “O outro ponto a considerar são os investimentos de transformadores em tecnologias avançadas, como a coextrusão, possibilitando o aperfeiçoamento das estruturas da embalagem, a exemplo de master de cor e efeitos na parede externa, a opção mais barata do reciclado nas camadas intermediárias e material prime na camada interna”.
A aplicação de produtos funcionais apenas em camadas externas mais finas aumenta a eficiência de efeitos visuais, caso do perolado e fosqueamento superficial, ou funcionais, tipo antifogging, deslizante e antiestático. “O uso em camadas internas de reciclado com carga inorgânica não lesiva ao meio ambiente não compromete o peso da embalagem nem o apelo óptico desejado”, sustenta Assumpção.

Primado dos efeitos especiais
“Nossa linha de masters acompanha a oferta de materiais reciclados e, inclusive, fornecemos branqueadores para incorporação direta no polímero para segundo uso”, coloca Wagner Catrasta, gerente comercial para a América Latina da componedora Termocolor. “Dessa forma, podemos agregar a seguir nossos masters de cores, dando assim mais vida à embalagem”. A propósito, ele completa, efeitos perolados e cores fortes e fechadas, a exemplo de rosa, azul, amarelo e preto, dominam os concentrados da Cromaster dirigidos a embalagens de higiene e beleza. No plano mais recente, o gerente conta ter recebido pedidos de concentrados translúcidos amarelo, azul e rosa, para frascos de xampus e condicionadores.

“Houve um tempo em que cores claras, como tons de verde e branco, identificavam soluções sustentáveis”, pondera Felipe Reichert, gerente geral da operação no Brasil da componedora norte-americana PolyOne, ás mundial em colorantes para termoplásticos, em particular PET. “Hoje em dia, presenciamos para frascos reciclados uma demanda crescente das cores exatas ou semelhantes às incorporadas nos frascos de resina virgem dos produtos de higiene e beleza”. No embalo, Reichert distingue no seu portfólio um misto quente de soluções para atrair consumidores desses artigos em lojas físicas e virtuais. “Ofertamos cores especiais, efeitos metálicos e soluções para mascarar imperfeições superficiais em plásticos pós-consumo reciclados”.

Preconceito em declínio
Único termoplástico recuperado admitido no Brasil para contato direto com alimentos, PET reciclado bottle to bottle (BTB) é a mais vistosa ferramenta em resinas brandida pelas grifes de higiene e beleza para apregoar sua sustentabilidade através da embalagem. Cinco anos após a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) homologar sua resina de PET BTB grau alimenticio, a recicladora  Global PET já atribui aos mercados de higiene pessoal, perfumaria e cosméticos as vendas de 10% a 15% da sua produção, cuja capacidade aliás subiu este ano de 18.000 para 25.000 t/a. “Marcas como Natura, Unilever, Boticário e Johnson & Johnson’s utilizam nossa matéria-prima em embalagens”, exemplifica Irineu Bueno, sócio e diretor da Global PET. “Além de fomentarem a logística reversa de embalagens pós-consumo, empresas como estas nos escolheram  por determos o processo mais limpo disponível no Brasil”, salienta o dirigente. “Consumimos cerca de 30 ml por quilo de PET BTB produzido ou perto de 10 vezes menos que o volume necessário aferidos nas tecnologias equivalentes”.

As marcas líderes de higiene e beleza supridas pela Global PET, comenta Bueno, abandonaram o preconceito quando ao tom levemente mais escuro apresentado pela matéria-prima reciclada e hoje usam com criatividade esta característica a seu favor. “Algumas marcas menores ainda não entenderam como tratar e comunicar esta questão da tonalidade ao consumidor”, ele percebe. “De outro ângulo, porém, vale frisar que o emprego do reciclado tem tudo a ver com a nova tendência no setor de higiene e beleza, os produtos veganos”. Bueno também acha que a escalada da economia circular no país, incentivando o cumprimento da regulamentada logística reversa de embalagens, deve levar indústrias finais menores e médias a seguirem os passos já dados pelas líderes rumo à sua adequação a práticas de sustentabilidade, como o uso de PET BTB.

Bueno projeta a capacidade brasileira deste poliéster reciclado entre 100.000 e 112.000 t/a, cuja produção é absorvida em sua maior parte em garrafas de bebidas em geral, de robustez inferior à dos frascos de produtos de higiene e beleza. “São mais resistentes porque seu tempo de uso supera o de garrafas como as de água mineral”, ele esclarece. “E a espessura maior dos frascos realça mais a diferença de tonalidade entre PET BTB e a resina virgem”. Na mesma trilha, ele acrescenta que, quanto mais pura for e menos aditivos contiver (pigmentos, agentes de barreira, sequestradores de oxigênio etc.) a matéria-prima disponível para reciclagem BTB, melhor para o seu processamento  e qualidade final.

Exemplo vem de cima
Com quatro fábricas somando 4.000 t/mês de reciclagem de PET, inclusos recuperado convencional e BTB, a Globalpack também se impõe no sopro de frascos do poliéster e poliolefinas para o setor de higiene e beleza. Os dirigentes Joacir Borges e Renato Caruso informam que, tal como a Global PET, sua empresa teve a produção de PET BTB chancelada pela Anvisa em 2014.”Hoje em dia, nosso movimento de PET reciclado é repartido por igual entre o reciclado com grau alimentício, cujo maior cliente é a Coca-Cola, e o convencional, absorvido em sua maior parte pela Colgate Palmolive”, eles colocam, ressaltando também contar na carteira com pilares de higiene e beleza como Unilever, Natura e Boticário.
Borges e Caruso sentem as vibrações dos améns à sustentabilidade hoje trombeteados por marcas de higiene e beleza, assim como percebem o empenho delas em cumprir as determinações de logística reversa de embalagens prescritas pela lei do Plano Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS). “Antes mesmo desta regulamentação, múltis já seguiam metas mundiais de incorporação de teores de reciclado BTB em suas embalagens”, eles comentam. “Em regra, as empresas menores acabam fazendo o mesmo para manter espaço no mercado”.

Borges e Caruso ponderam que se o critério da sustentabilidade for considerado no projeto do frasco para produtos de higiene e beleza, não só haverá mais matéria-prima para reciclar como este processo ficará mais simples. “Em termos sustentáveis, o frasco ideal é transparente e com rótulo separado com facilidade nos tanques de lavagem da linha de reciclagem”. •

Compartilhe esta notícia:

Deixe um comentário