Tão precária quanto a disposição real de se atacar o problema, a infraestrutura está na raiz das vexatórias estatísticas de perdas de frutas no Brasil, um dos maiores produtores do alimento. Como a qualidade do fruto não pode ser melhorada depois de colhido, aumenta a preocupação com as insuficiências de condições apropriadas de armazenamento e transporte. Esta lacuna inspirou o inovador projeto de embalagem plástica, já aplaudido no exterior e costurado a seis mãos pela Embrapa Agroindústria de Alimentos com o Instituto Nacional de Tecnologia (INT) e o Instituto de Macromoléculas (IMA) da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Nesta entrevista, Antonio Gomes Soares, pesquisador da Embrapa Agroindústria de Alimentos- RJ, confronta o custo/benefício da nova solução de embalagem com as rústicas alternativas convencionais e ressalta os predicados sustentáveis proporcionados pelo emprego de polietileno e PET.
Qual a motivação para desenvolver este sistema de embalagens para frutas?
As perdas pós-colheita são elevadas no mundo inteiro e, aqui no Brasil, os índices são bastante elevados no âmbito de frutas e hortaliças. A logística de transporte é um dos pontos capazes de gerar maiores problemas para os produtos vegetais. As embalagens hoje em uso não levam em conta o tamanho dos frutos, as peculiaridades de suas formas e não protegem os frutos dos impactos produzidos durante o frete e pelos choques entre produtos dentro das embalagens. O problema acontece tanto na comercialização doméstica quanto para o mercado externo.
Além da caixa transportadora de madeira ou papel corrugado, qual o tipo de embalagem tradicionalmente usado para proteger os frutos?
Existem caixas plásticas para pequenas frutas depois inseridas em embalagens maiores e que podem ser de papel corrugado. Caixas plásticas também são usadas para hortaliças folhosas. No caso das frutas, as soluções mais utilizadas são de madeira e papelão corrugado. Essas embalagens não protegem os frutos e propiciam o aparecimento e/ou aumento das injúrias mecânicas durante a logística de transporte e comercialização. Por sinal as caixas de madeira hoje empregadas não atendem as normas, pois as ripas laterais apresentam espaços muito largos entre si, abrindo a possibilidade de os frutos sofrerem danos mecânicos graves, favorecendo suas perdas. Além disso, muitas vezes as ripas de madeira são ásperas demais e provocam impactos por fricção na casca dos frutos, contribuindo também para o aumento das perdas. Já as embalagens de papelão corrugado muitas vezes possuem tamanhos semelhantes para diferentes tipos de produtos e não os protegem. Com frequência, essas embalagens são comprimidas durante o empilhamento nos paletes e os frutos acabam amassados. Outro senão das embalagens de papelão corrugado: se os frutos forem colocados em câmara de refrigeração com umidade relativa elevada, as caixas ficam molhadas e perdem resistência mecânica. Esta perda de resistência mecânica pode acarretar em problemas para os frutos.
Por que se optou por polietileno de alta densidade (PEAD) para injetar a caixa transportadora e por PET para o recipiente termoformado do fruto?
A opção do polímero da caixa foi devido ao seu preço competitivo. Para manga, mamão e caqui, as embalagens são divididas em duas partes: a inferior, de PEAD, e a superior ou berço em PET. A parte de PEAD é flexível e pode ser retornável em se tratando de mercado interno. Possui boa absorção a possíveis impactos no transporte, excelente resistência mecânica ao empilhamento para formação e paletes e é totalmente vazada, para se otimizar o frio da câmara de refrigeração, no caso de frutos para exportação. O berço de PET é inserido sobre a parte de PEAD e acomoda os frutos com diversos tamanhos e formas. A depender do calibre (tamanho) dos frutos, podemos dispor de bandejas superiores com diferentes números de berços. A propósito, quanto maior for o calibre dos frutos, menor será a quantidade de berços. Entretanto, o peso total dos frutos será bem próximo. Por sua vez, a embalagem de morango é apenas de PET, permitindo a visualização do conteúdo por todos os ângulos, facilitando a opção de compra.
Apesar de as embalagens que desenvolvemos serem de plástico, são de custo bastante competitivo. Por exemplo, uma embalagem de papelão corrugado para 6 kg de caqui sai por volta de R$ 5,90 e carrega os frutos em camada dupla, divididos por folha fina de papelão. Os caquis da camada superior fazem peso sobre os da parte inferior, causando amassamentos e elevando as perdas durante o transporte até o mercado final. Já a embalagem de caqui com a parte inferior de PEAD e a superior de PET possui custo ligeiramente superior ao da solução de papelão corrugado. Pode carregar até 7 kg quando empilhadas duas embalagens que apresentam a mesma altura da alternativa de papelão corrugado. A redução da perda durante o transporte e comercialização, se utilizada a embalagem que desenvolvemos para o caqui, será superior a 80% e vale o mesmo para frutas como manga e mamão.
O projeto contou com apoio de produtores de PEAD e PET e de transformadores de embalagens neste desenvolvimento?
Este projeto foi desenvolvido pela Embrapa Agroindústria de Alimentos com o Instituto Nacional de Tecnologia (INT) e Instituto de Macromoléculas (IMA) da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Os protótipos foram concebidos com o INT e os moldes para trabalho com PEAD e PET foram construídos tendo em vista a produção industrial das embalagens para testes de campo. Algumas empresas de embalagens foram contatadas para auxílio na produção de alguns itens, em especial indústrias de termoformagem. A injeção foi realizada na máquina de escala comercial do IMA. O projeto foi executado em quatro anos e seus últimos doze meses do projeto centraram-se nos testes finais de transporte e comércio dos frutos no país e um embarque de mamão para a Europa, viabilizado por empresa exportadora da fruta. As empresas privadas que participaram de alguma forma do projeto possuem contratos de confidencialidade com as três Instituições que desenvolveram a embalagem.
Poderia descrever como o pote de PET se acomoda na caixa transportadora, de modo a evitar avarias mecânicas?
As embalagens de PET para morango foram desenvolvidas levando-se em consideração as caixas de papelão corrugado já utilizadas pelos produtores e comerciantes do fruto. Elas podem ser dispostas sem problema nas caixas de papelão para os morangos serem comercializados dentro destes recipientes maiores. O sistema foi desenvolvido para manga, mamão e caqui. São viáveis ajustes para outros frutos, desde que se desenhe o berço de PET de acordo com as particularidades do conteúdo. A depender dos frutos, será necessário desenvolver um sistema de base e parte superior em razão da especificidade de tamanho, forma e quantidade dos produtos comercializados.
Quais as vantagens dessa solução de embalagem em termos de economia circular?
A parte inferior é reciclável e reutilizável. Na logística reversa, ela pode ser fechada (pois é flexível) e transportada de volta, ocupando cerca de 1/3 do volume em relação à caixa aberta. O berço de PET também é reciclável e, a propósito, não há problema algum em produzi-lo com o poliéster reciclado food grade. As caixas de madeira constituem risco a saúde do consumidor. Afinal, são ultra reutilizadas sem higienização adequada, implicando um foco de transmissão de doenças. As caixas de papelão muitas vezes ocupam espaço nos mercados varejistas, de onde saem para lixões sem o devido aproveitamento do refugo pós-consumo.
Este novo sistema para embalar frutas deve ganhar em breve escala comercial?
As três Instituições parceiras no desenvolvimento vêm discutindo contratos de comercialização da tecnologia com transformadores de embalagens. Para empresas privadas poderem assinar estes acordos, precisam estar em dia com as obrigações trabalhistas, judiciárias e tributárias. Daí porque o processo de industrialização se torna um pouco mais trabalhoso e lento. A remuneração das Instituições parceiras no projeto se dará na forma de determinado percentual sobre as vendas, em função dos direitos autorais das patentes já depositadas no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI). A previsão inicial indica a embalagem de morango como a primeira a entrar na praça, devido à sua elevada demanda por parte dos produtores da fruta em diversas regiões.•