Sempre é hora de pensar grande

Unigel volta a se acercar de ABS e Innova amplia produção de estireno

Da petroquímica à transformação, o setor plástico brasileiro é pródigo em investimentos saídos de onde menos se espera. E o reduto de estirênicos é dos mais contumazes em apostar na contramão do consenso dos analistas. Falam por si o pé na soleira recolocado pela Unigel na produção de copolímeros de acrilonitrila butadieno estireno (ABS) e de estireno acrilonitrila (SAN), em vias de ser iniciada em escala piloto na Bahia, e a partida, agendada para maio, da fração adicionada à capacidade de estireno da Innova em Triunfo, Rio Grande do Sul.

“Na condição de produtor de acrilonitrila e estireno, as principais matérias-primas de ABS e SAN, a Unigel possui vocação natural para fornecer estes plásticos de engenharia”, vaticina Wendel Oliveira de Souza, diretor geral comercial da empresa. “Dispomos das integração na cadeia a nosso favor, garantindo-nos competitividade nesse mercado”. Conforme salienta, a entrada em ABS e SAN também visa consolidar a Unigel como fornecedora estratégica de polímeros estirenados para o mercado interno. “A proposta é oferecer aos transformadores de ABS e SAN importantes vantagens sobre a alternativa importada, como lead time reduzido de atendimento e a possibilidade de desenvolvimento de materiais customizados para aplicações”, argumenta Souza. “Além disso, muitos de nossos clientes de poliestireno (PS) e polimetilmetacrilatos (PMMA) consomem ABS e SAN, evidenciando assim sinergias logísticas e comerciais a serem capturadas”.

Recuos sucessivos
Se hoje em dia o Brasil produz apenas um polímero de engenharia, poliamida 6.6, ao longo do século passado o catálogo nacional alinhava poliamida 6, policarbonato e ABS e SAN. Até o final dos anos 1990, o consumo doméstico dos dois copolímeros em foco era atendido pela Nitriflex e a Companhia de Polímeros da Bahia (CPB). Ambas totalizavam então 82% da capacidade da ordem de 76.000 t/a de ABS e SAN no Mercosul, completada pelas finada argentina Unistar. A CPB acabou incorporada pela Bayer que, no embalo, comprou negócios da Nitriflex – a planta de ABS não entrou no pacote, mas o acordo exigia sua retirada desse segmento por sete anos, conforme noticiado à época pela mídia especializada. A produção da CPB foi encerrada em 2006.

Cerca de cinco anos depois, Unigel e Videolar (hoje Innova) solfejavam o intento de debutar na produção de ABS e SAN, a pretexto de escantear as importações. A primeira, mediante ajuste em sua unidade de PS no Guarujá, no litoral paulista, de modo a desfrutar uma capacidade de até 90.000 t/a dos dois copolímeros, enquanto a Videolar acalentava montar uma fábrica de 70.000 t/a para esses materiais em suas instalações em Manaus, onde já produzia PS. Uma prova de fé cega ou descaso para com a econometria nesses dois planos é o fato de a capacidade conjunta de 160.000 t/a equivaler ao dobro da atual demanda doméstica de ABS e SAN. Ambos os projetos emudeceram, sob as mais diversas escusas tecnológicas, econômicas e conjunturais. As importações dos materiais reinaram em sossego até pintar no horizonte a joint venture da Braskem e Ineos Styrolution em torno de uma fábrica de 100.000 t/a de ABS e SAN, à sombra de incentivos fiscais. O projeto ganhou em 2014 a chancela do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) e, para variar, morreu na praia e a Ineos justificou sua debandada com um argumento que perdeu há muito a originalidade: a instabilidade econômica do Brasil.

Innova Manaus
Innova em Manaus: maior importador de estireno do Brasil.

América do Sul na mira
Nos idos de 2012, quando Unigel e Videolar ventilavam seus planos de investimentos, o Brasil importou 79.972 toneladas de ABS contra 79.376 em 2011, registram rastreamentos do governo. Corte para o ano passado: as importações brasileiras de ABS e SAN atingiram, respectivamente, 74.877 e 10.249 toneladas versus 61.118 e 10.836 toneladas, informa a Associação Brasileira da Indústria Química (Abiquim). A propósito, a Innova importa e revende ABS da taiwanesa Formosa, dona de capacidade na faixa de 450.000 t/a.
Wendel Souza passa ao largo da estagnação de ABS e SAN no Brasil asseverando que a acalentada fábrica da Unigel terá tecnologia desenvolvida internamente e escala para atender 100% da demanda da América do Sul. Pelas suas contas, o Brasil responde por 80% desse movimento na região. “Já contamos com uma planta de desenvolvimento de mercado e em breve estaremos oferecendo grades aos clientes”. Sem orçar o aporte de recursos no empreendimento, Souza assinala que o investimento delineado em 2011 era superior ao hoje idealizado e a tecnologia selecionada não abrangia 100% dos grades transformados no mercado. Além do mais, afirma, a entrada em campo da joint venture Braskem/Ineos descortinava um cenário sem lugar para dois produtores de ABS e SAN. “Com a desistência deste concorrente e a perspectiva de crescimento do mercado, o momento é propício para resgatar o plano de produção local”, ele percebe.

A planta de ABS e SAN no polo da Bahia, adianta Souza, será instalada nas proximidades da unidade de estireno da Unigel, que lhe servirá cerca de 50.000 t/a de sua capacidade de 290.000 t/a do monômero. “Na primeira etapa, da produção piloto, produziremos resinas de uso geral e, sob a marca Sangel, os grades de SAN focarão a indústria de injeção, enquanto os de ABS, sob a marca Cycogel, serão destinados à extrusão e injeção”, estabelece Souza. “No futuro, pretendemos diversificar o mostruário com materiais coloridos, de olho em especial em peças da linha branca, nas quais a Unigel conta com parceiros de peso entre transformadores de PS”.

Andando de lado
Bem antes de 2014, quando foi vendida pela Petrobras para a Videolar, a Innova já cogitava produzir ABS e SAN em Triunfo e ampliar sua capacidade de estireno. Cinco anos depois, a empresa, que não deu entrevista, concretiza o plano de expandir a oferta do monômero, passando sua capacidade nominal de 260.000 para 420.000 t/a, mediante aporte na faixa de R$ 500 milhões. Do seu lado, a Unigel tem potencial para gerar 290.000 t/a de estireno. Em tese, calcula à guisa de referência o consenso dos analistas, uma produção de 160.000 t/a de estireno requer cerca de 48.000 toneladas de eteno e 128.000 de benzeno, no caso providas pela central da Braskem no polo petroquímico gaúcho.

Na calculadora de Wendel Souza, da rival Unigel, a capacidade brasileira de estireno passa agora de 550.000 t/a para a casa das 710.000. De acordo com John Richardson, analista blogueiro do Icis, não há notícia de outro investimento em estireno no planeta, fora as expansões em curso na China, maior importadora mundial do monômero. Elas devem concretizar um acréscimo de 4 milhões de t/a à capacidade chinesa, devendo ganhar o mercado ao longo dos próximos dois anos. A motivação-chave para este salto na produção de estireno é a taxa média de dois dígitos de crescimento anual da demanda asiática de eletroeletrônicos da linha branca entre 2000 e 2017, palco de componentes dos polímeros estirênicos ABS e PS. A propósito, Richardson atribui a estagnação na produção global (exclusive China) de estireno à ausência de ampliações em seu maior mercado: as capacidades de PS, resina penalizada pelo encolhimento de seu segmento nº1: o consumo de descartáveis e embalagens de uso único descendo a ladeira mundo afora sob a ira ambientalista.

Corte para o Brasil: há quase uma década, o mercado interno de estireno anda praticamente de lado, algemado ao patamar de 600.000 t/a. Nos idos de 2010, bem antes da recessão iniciada em 2015, a demanda interna do monômero atingia 659.000 toneladas. Em 2011, foram 633.000; 2012, 624.000 e em 2013, 650.000 toneladas. Em estimativas preliminares, a Abiquim situa a produção brasileira em 483.394 toneladas em 2018 contra 487.786 em 2017 e, quanto às importações de estireno, foram trazidas 159.340 toneladas no ano passado perante 147.327 precedentes. Aliás, a unidade de 140.000 t/a de PS da Innova em Manaus é, longe, a maior importadora do monômero no país, trazido por via fluvial ao porto livre da Zona Franca. Do lado das exportações, o Brasil manteve a praxe de embarcar volumes incipientes: 749,5 toneladas em 2018 e 4.313 em 2017. Souza prevê para este ano uma produção nacional de 520.000 toneladas de estireno.

Mercados inexplorados
Debruçado sobre a paisagem de 2017, o Icis vê o consumo global de estireno liderado por embalagens, com participação de 24%, seguidas de perto por eletroeletrônicos, com fatia de 22%; construção, com 8%; componentes automotivos e produtos de consumo, com respectivos nacos de 8% e aplicações pulverizadas com 21%. No Brasil, Souza reparte a demanda do monômero entre PS, com a fatia do leão de 60%; resinas acrílicas e poliéster, com 21%; poliestireno expandido (EPS),com 10%, e 9% para elastômeros estirênicos. Este último nicho, confirma o executivo, registrou a saída, em 2016, da Kraton Polymers do rol dos produtores locais, hoje integrado por Arlanxeo e Nitriflex.

“Existem mercados até aqui inexplorados e que devem ser ocupados com uma capacidade nacional de estireno agora ampliada”, pondera Souza. “O Brasil importa em média 160.000 t/a do monômero, 40.000 de EPS e em torno de 70.000 de ABS e 10.000 de SAN. Se a pontual superoferta local do monômero for lidada com inteligência, a rentabilidade desses polímeros estirênicos deve ser preservada e sua produção nacional ficará mais forte,sem falar que também acredito em aumento das exportações brasileiras do monômero”.

Sufoco da desova
Mas do pensamento positivo para a prática, admite Souza, há um excedente norte-americano da ordem de 1,5 milhão de toneladas de estireno, produzido a custos tornados imbatíveis pelo do eteno mais barato da Terra, gerado via gás do Golfo dos EUA e reservas de xisto. “O país é o maior exportador e referência de preço internacional do estireno”.
Do observatório do Icis, John Richardson enfia estireno no rol de produtos petroquímicos norte-americanos vulneráveis aos respingos da guerra comercial EUA x China. Ele prevê que a produção norte-americana do monômero deve subir bem de leve, 0,7% no período 2018-2025, quando a demanda local tende a declinar 0,3%. Por tabela, encaixa, o consumo local de PS, EPS e ABS deve evoluir à base de um solitário dígito – e bem baixo. Quanto a PS, menina dos olhos do monômero, o analista espera aumento simbólico de 0,7% em sua demanda global entre 2018 e 2025. De volta ao estireno dos EUA, ele nota que as exportações respondiam por 23% de sua produção em 2000 e 44% em 2017, ano em que 14% das remessas foram para a China. Ocorre que a guerra comercial elevou, em agosto de 2018, para 25% as tarifas de importação chinesas para petroquímicos do EUA como estireno. Diante dessa porta na cara e da capacidade estagnada de PS nos EUA, amarram as pontas análises do Icis, os produtores norte-americanos de estirenos são impelidos a buscar outros canais de desova do seu mega excedente, com primazia para destinos na Ásia, e/ou diminuir o nível de ocupação de suas capacidades. O desafio é arranjar um contraponto à altura da China, que mobilizou 74% das importações mundiais de estireno entre 2008 e 2017, aponta o Icis.

Retomada com bens duráveis
“Mais de 90% do estireno importado em 2018 pelo Brasil veio dos EUA”, dimensiona Simone Lopes Teixeira, analista da consultoria norte-americana Townsend Solutions. No entanto, ela ressalta, é preciso atentar para a questão sob a ótica do balanço mundial de oferta e demanda. “Se a oferta de monômero para a China encurtar, sua cotação aumentará na região e rebalizará os preços norte-americanos”, ela pressupõe. Diante disso, pondera, constitui questão estratégica para a Innova manter-se em grande parte dependente de estireno importado e sujeita às oscilações de câmbio e preços internacionais do produto e do frete ou ter mais domínio sobre sua matéria-prima para PS. “De 2016 a 2018, a importação brasileira de estireno subiu 12% e a planta de PS da Innova em Manaus deteve quase 80% do volume total trazido”. Conforme repisa, as variações de preços de estireno no exterior já fizeram, por muitas vezes, a Innova interromper a produção de PS na Zona Franca. Simone apalpa com cautela a hipótese de a Innova suprir em parte, com a capacidade ampliada no Sul, a demanda de estireno da planta filial na Zona Franca. “Dos pontos de vista tributário e logístico, não valeria a pena”, diz. “Mas pode haver alguma condição que não estejamos vendo nesse jogo”.

No plano macro, ela chama a atenção para o hiato entre a capacidade brasileira do monômero, da ordem de 550.000 toneladas pré ampliação da Innova, e a de 610.000 t/a de PS. “Considerando-se uma operação a plena carga, faltariam 60.000 toneladas de estireno, sem contar a demanda de outras aplicações”, avalia a analista. “A meu ver, essa ampliação da Innova guarda mais relação com sua dependência do monômero importado para produzir PS do que com atendimento a outros mercados, como tintas e adesivos. Qualquer outra ação traz resultados pequenos”.

Simone não fecha os olhos para a escalada de banimentos internacionais de PS e EPS em descartáveis de uso único e a consequente tendência de substituir ambos os estirênicos por resinas consideradas mais recicláveis ou por alternativas fora da esfera do plástico. O mercado brasileiro de PS encolheu muito, ela julga, mas os maiores impactos vieram das quedas em segmentos como a construção civil e eletroeletrônicos”, ela julga, com base nas sequelas da recessão desde 2015. “O crescimento do país nos próximos anos estará fortemente ligado a bens de consumo, em especial duráveis, como eletroeletrônicos usuários de PS”, ela confia. “Sob o pessimismo em vigor nos últimos anos, as compras ficaram represadas e, com a sinalizada volta do otimismo e do crédito acessível, os setores automotivo, de eletrodomésticos e construção reagirão e serão os maiores vetores do crescimento de PS e, por extensão, de estireno”. •

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