A poda dos custos e a reformulação dos impulsos para a compra estão decretando contagem regressiva para embalagens ditas secundárias, como caixas de papelão ou sacos plásticos, e recursos protetivos, tipo plástico bolha e poliestireno expandido (EPS), no e-commerce de produtos ditos de consumo rápido, a exemplo de alimentos, cosméticos e artigos de limpeza. Por extensão, a realidade do comércio digital já cobra a concepção de embalagens talhadas para este canal em irresistível ascensão mundial sobre a saturada loja física. Nesta entrevista, Alvaro Azanha, dirigente da Howtopack, consultoria da nata em inovação e desenvolvimento de embalagens, descortina as guinadas a caminho e as premissas para a cadeia de embalagens plásticas não perder o trem bala que já passa bem à sua frente.
Como enxerga o futuro das embalagens secundárias e recursos tradicionais de proteção e acolchoamento na racionalização de gastos e apoio ao desenvolvimento sustentável buscados no e-commerce de produtos de consumo?
As embalagens que hoje encontramos no comércio eletrônico (caixas de papelão, materiais de acolchoamento, fitas etc) serão, num futuro bem próximo, substituídas ou até mesmo eliminadas, visando melhor atender as expectativas do consumidor internauta e reduzir gastos desnecessários deste canal. Todavia, ainda não percebo, por parte das indústrias brasileiras de bens de consumo, uma estratégia definida com relação à estas embalagens. A prática adotada tem sido a mesma dos canais tradicionais (varejo físico), apenas com redução do tamanho das caixas, pois, neste novo canal do comércio virtual, a quantidade de produtos por unidade de venda é bem menor.
Qual a explicação para este alheamento dos fabricantes de bens de consumo a uma tendência inescapável?
Aparentemente, a indústria tem se preocupado, em essência, com a integridade do produto até o seu destino final, sem considerar a experiência do “desencaixotar” (em inglês “unboxing”). Entretanto, a experiência da compra vai além disso. É óbvio que o consumidor não quer receber seu produto danificado, amassado ou vazando, mas estes são apenas requisitos compulsórios a serem atendidos. No varejo físico, é raro o acesso do consumidor à caixa de papelão, muitas vezes amassada e cheia de etiquetas para identificação. A indústria precisa compreender o estilo de vida, comportamento, tendências e anseios do consumidor internauta, de forma a encantá-lo em toda a experiência da transação e, com isso, impulsionar o crescimento das vendas e, por extensão, da sua marca.
Pode citar referências internacionais nessa direção?
Algumas empresas norte-americanas, como a Amazon, têm desenvolvido o programa “Frustration Free Packaging”, numa tradução direta, “Embalagem Livre de Frustrações”. Isso abrange desde a aparência externa, facilidade de abertura, garantia da integridade e arrumação do produto, além da otimização dimensional e uso de materiais mais sustentáveis, como reciclados e de fonte renovável, reduzindo também seus custos e impactos ambientais.
Nos EUA, empresas de bens de consumo rápido já lançam produtos específicos para o e-commerce, cuja apresentação dispensa a necessidade de embalagem secundária para ser entregue no lar do consumidor. Devido à inescapável massificação do e-commerce, a tendência mundial é de que essas indústrias finais adotem embalagens exclusivas para o comércio digital e não mais aquelas adaptadas das embalagens originais, concebidas para a loja física?
A tendência será de redução destes custos, pois a adaptação feita hoje para atender ao comércio eletrônico incorporou gastos antes inexistentes, como a caixa de papelão para apenas uma ou duas unidades de produto e os materiais de acolchoamento, mantendo-se a embalagem atual de exposição e uso.
Não é novidade para ninguém que as embalagens são poderosa ferramenta de marketing e exercem função fundamental no processo de compra no ponto de venda tradicional. Num hipermercado, por exemplo, a grande maioria dos milhares de produtos expostos nas gôndolas depende apenas da embalagem para chamar a atenção do consumidor e comunicar a respeito do seu conteúdo e marca. Existem desta forma, alguns requisitos específicos que a embalagem deve atender para competir no ponto de venda. Exemplos: design, qualidade da impressão, brilho, estabilidade de gôndola, resistência a empilhamento, tamanho aparente, “facing”, diferenciação da concorrência.
Como ficam esses valores ao passar da loja física para a on-line?
No comércio eletrônico, o consumidor recebe outros estímulos para chamar sua atenção, como um “pop-up” que surge na sua tela, uma promoção recebida por e-mail, uma publicidade paga numa barra lateral da tela do PC, etc. Nesse contexto, uma vez efetuada a compra, não há necessidade de que a embalagem do produto continue apresentando todas as características relacionadas acima.
A partir do momento que as indústrias começarem a dar atenção a isso, as embalagens desenhadas especificamente para esse mercado tendem a mudar em prol da maior conveniência, otimizações dimensionais e estruturais, redução de custos e, em decorrência, de menores impactos ambientais em toda a cadeia. Veja o caso do Tide Eco-Box da Procter & Gamble (ver quadro). Houve redução significativa da quantidade de resina plástica e do tamanho e peso da embalagem. Também se obteve uso conjugado do cartão e, devido à concentração do produto, menor quantidade de água transportada. Tudo isso decerto diminuiu os gastos e pegada ambiental em toda a cadeia.
Pode-se também optar por impressões mais simples, com menos sofisticação, que também impactarão em custos menores. É essencial, entretanto, que não se perca a identificação do produto com o consumidor, pois, como já disse, ele enxerga tudo como uma coisa só – não dissocia produto e embalagem.
Quais os principais exemplos de requisitos obrigatórios no desenvolvimento de uma embalagem para o ponto de venda físico e que se tornam supérfluos numa embalagem para sites de e-commerce?
No varejo convencional, conforme já mencionei, os consumidores têm o contato visual e físico com o produto e isso faz parte do processo de decisão de compra. Já os consumidores on-line têm esta experiência completa apenas quando o produto chega em casa. Do ponto de vista conceitual, portanto, tudo o que estiver presente na embalagem – desde a estrutura de materiais, resistências físicas e mecânicas, design, decoração, rotulagens especiais, dimensões aparentes a itens como acessórios antifurtos – deve ser questionado no desenvolvimento de uma solução de acondicionamento específica para o e-commerce. Até barreiras especiais que aumentem a vida de prateleira podem ser repensadas, caso haja, por exemplo, redução no tempo total de distribuição comparado com o varejo tradicional. Se um destes fatores incorporar custos desnecessários e puder ser otimizado, sem perda da sua identidade e valor aparente, a melhoria poderá ser implementada.
Nascida para vender on-line
A Procter & Gamble abriu em janeiro as vendas apenas pelo e-commerce, do detergente líquido concentrado Tide na versão Tide Eco-Box. É entregue numa caixa cartonada que aloja no interior um frasco selado de 105 onças (cerca de 3 litros) do lava roupas. Ao picotar uma aba, o usuário tem acesso a um copo de dosagem e a uma torneira que não pinga. Para facilitar a operação de dosagem, a caixa contém uma base de sustentação que aumenta sua altura, de modo a permitir que o copo se encaixe com facilidade debaixo da torneira. Conforme divulga a P&G, que negou entrevista, Tide Eco-Box contém 60% a menos de plástico e 30% a menos de água do que o frasco convencional do detergente e dispensa a proteção de embalagens secundárias, como caixa de papelão corrugado ou plástico bolha, além de seu design ocupar menos espaço no caminhão de entregas.
E quais as diretrizes chave para se criar uma embalagem para o comércio virtual?
Os requisitos prioritários no comércio eletrônico só são possíveis de ser identificados a partir do conhecimento mais abrangente dos anseios e comportamento do consumidor. Quais as expectativas nele geradas ao visualizar o produto on-line e capazes de impulsionar a compra? Pode ser um formato mais amigável para estocar na despensa, facilidade e praticidade para abrir a embalagem externa, quantidade mínima de descarte após a abertura, dicas e receitas de preparo, dizeres legais e nutricionais com maior destaque etc.
A propósito, as indústrias têm uma chance única de encantar o consumidor mostrando um cuidado diferenciado no preparo da encomenda encaminhada pelo site. Um simples bilhete de agradecimento ou até, pensando em produtos de maior desembolso, como um celular, um vestido ou eletrodoméstico, por que não imprimir algo personalizado, que o faça se sentir especial, do tipo “feito pra mim”? Tecnologias existentes, como a impressão digital, permitem isso e decerto fidelizam o cliente!
A ascensão do atacarejo no Brasil ainda não inspirou o desenvolvimento de embalagens específicas para este canal, embora muitas de suas características destoem do supermercado. Isso tende a acontecer?
Certamente que sim! Talvez por uma questão da complexidade e custos envolvidos numa alteração de embalagens na indústria de bens de consumo, esta esteve à espera da consolidação efetiva do canal atacarejo, como agora percebemos. Logo, já é hora de as indústrias se voltarem com mais atenção para esse canal, buscando adequar suas embalagens, produtos, quantidades e processos logísticos. O atacarejo não oferece os mesmos serviços de exposição e cuidados nas gôndolas vistos em supermercados. A maioria dos produtos é exposta diretamente nos paletes oriundos das fábricas e movimentados por empilhadeiras dentro das lojas. As prateleiras são mais altas e a iluminação menos eficiente, o que dificulta a identificação clara do produto e sua marca.
Um dos setores mais procurados neste canal é o de bebidas e percebo alguns movimentos interessantes de marcas tradicionais de cerveja, como Heineken, que aumentou o tamanho da estrela vermelha nas embalagens, e Itaipava, que apresentou novas cores e incorporou uma coroa como símbolo da marca, melhor se posicionando frente ao consumidor também deste canal.
Embalagens “tamanho família” para os produtos de consumos mais frequentes, como de limpeza, também se destacam como exemplos de adequação ao poder aquisitivo dominante no atacarejo. Afinal, oferecem mais economia ao consumidor e um custo de embalagem por quilo de produto mais vantajoso para a indústria. •