Se a economia crescer 2,7% este ano, como pontificam os futurólogos, vai faltar energia, agouram vozes do próprio governo. Razão de sobra, portanto, para o país prospectar modelos de geração mais limpa e barata que o das hidro e termolétricas, responsáveis pela eletricidade brasileira alinhar-se entre as mais caras do planeta. É essa a premissa que ancora a usina flutuante de energia solar, experimento pioneiro no país, orçado em R$ 56 milhões e ativado desde dezembro último pela Companhia Hidrelétrica do São Francisco (Chesf) no reservatório da barragem de Sobradinho. Fixada no fundo do lago por cabos, a platafrma instalada em 10.000 m² possui 7,3 módulos de painéis solares sustentados por flutuadores, capazes de gerar 1 megawatt-pico (MWp). A usina flutuante deve ser concluída durante este ano, agrupando então 35.000 módulos em 50.000 m2, para gerar 5MWP, capacidade suficiente para abastecer 20.000 casas populares.
A Chesf avaliará a viabilidade econômica, técnica e ambiental da denominada Usina Solar Fotovoltaica Flutuante, tendo em vista a transposição da proposta a outras hidrelétricas e sua participação em leilões de venda de energia. No tocante à eficiência, a estatal estudará o desempenho da tecnologia fotovoltaica resfriada pelo vento e a água corrente do São Francisco, situação mais complexa que o mesmo experimento em águas paradas. O projeto estabelece que conexões levem a energia em corrente contínua produzida pelos painéis solares a equipamentos, postos num contêiner, para conversão em corrente alternada, via adequada ao envio da eletricidade pelas linhas de transmissão disponíveis em Sobradinho.
A pegada sustentável da usina flutuante também é mérito, nas entrelinhas, de um uso chave do plástico: os flutuadores de polietileno de alta densidade (PEAD) que suportam os painéis solares e cuja nacionalização está no âmago da parceria engatada antes de 2016 pela Braskem, nas vestes de supridora da resina, e Ciel et Terre Brasil, joint venture da brasileira Sunlution com a francesa Ciel et Terre, detentora das patentes e tecnologia Hydrelio® dos flutuadores. “Ajudamos desde o início na identificação dos melhores transformadores e no apoio técnico para a produção local dos flutuadores dentro das especificações”, assinala Jorge Alexandre Oliveira Alves da Silva, integrante da área de desenvolvimento de mercado para PE da Braskem.
Luis Piauhylino Filho, sócio e diretor geral da Sunlution, estima em quatro meses o prazo consumido na instalação da plataforma da usina, na sua dimensão inicial em Sobradinho. “No momento, ela abriga 3.600 placas de geração fotovoltaica Hydrelio®, quantidade com boa chance de ser ampliada com 14.400 painéis para a usina gerar mais 4 MWp numa área ocupada de quatro hectares”. A propósito, ele compara, uma usina solar flutuante produz, em média, de 14% a 16% a mais de energia que uma similar fixa no chão. “A diferença decorre da água que baixa a temperatura dos painéis fotovoltaicos e, com isso, eles não só produzem mais eletricidade como reduzem em até 70% a evaporação na área coberta com a plataforma”.
Ao lado de inversores e eletrocentros fornecidos pela brasileira Weg, os principais componentes da usina envolvem os flutuadores principal e secundário, de vida útil projetada por Piauhylino em 20 anos, a tiracolo de aditivação anti UV. “O volume de PEAD mobilizado pela plataforma em Sobradinho se aproxima de 60 toneladas para cada MWp, indicador equivalente a cerca de 16,5 quilos de flutuador por painel solar”, calcula Silva. “Cinza claro é a cor selecionada para o flutuador por ser neutra, mais barata e por absorver menos calor e ter melhor comportamento frente à radiação UV”. Sem especificar as resinas, ele informa que determinados grades de PEAD da Braskem foram homologados pela Ciel et Terre para a produção dos flutuadores e sua escolha depende da versão utilizada e das peculiaridades da máquina básica. “O flutuador principal exige uma sopradora de grande porte”, exemplifica Piauhylino, acrescentando que os moldes são patenteados pela Ciel et Terre e a ela pertencem. Silva insere que ensaios da Ciel et Terre habilitaram o sistema Hydrelio® a resistir a situações extremas, como tufões e ondulações de até 1,5 m de altura.
A transformadora Unipac, do Grupo Jacto, foi ungida pela Sunlution para soprar os flutuadores da usina flutuante. Não é o primeiro pioneirismo assinado por ela. Em mais de 40 anos de estrada, a empresa lagrou na frente na produção nacional de artefatos soprados como tanques para diesel de caminhões e pulverizadores costais de agroquímicos, ilustra Gabriel Pires Gonçalves, presidente dessa transformadora nacional.
Entre as complexidades encaradas pela Unipac para dar conta do recado para a Ciel et Terre Brasil, Gonçalves distingue o entendimento das características do grade a ser processado e o balanceamento da tecnologia de sopro com as peculiaridades do design dos flutuadores. “O conjunto montado deve suportar, com duração média de até 20 anos, situações críticas como a ação de intempéries e ventos de até 210 km”, ele observa. “O flutuador principal, de design mais complexo, pesa em torno de 9,5 kg e volume da ordem de 200 litros, enquanto o secundário tem cerca de 3,5 kg e volume aproximado de 100 litros”. Sem detalhar a tecnologia, Gonçalves comenta que o flutuador principal é produzido em máquina apta a soprar até 500 litros. A acalentada expansão de 4MWp na capacidade da usina flutuante este ano, é equiparada por Gonçalves a cerca de 16.500 unidades do flutuador primário e 27.300 do coadjuvante. “A produção deve começar em fevereiro e ser completada em quatro meses”, projeta o dirigente.
Sobradinho constitui metade do percurso da pesquisa para validação da usina flutuante de energia solar como alternativa mais rápida para tirar o país do beco das hidro e termoelétricas. Ativado por duas subsidiárias da estatal Eletrobrás, Chesf e Eletronorte, o programa engatilha seu próximo passo na instalação de outra plataforma experimental, para gerar 5MWp na hidrelétrica amazonense de Balbina. •