Sinuca de bico

Economia circular põe pedras no caminho do futuro de PS

Devido à complexidades na reciclagem e à proeminência do material em descartáveis e embalagens de uso único, o futuro de poliestireno (PS) hoje perambula pelo fio da navalha da economia circular. Para engrossar o caldo, a sorte do polímero em seu outro mercado-chave, eletroeletrônicos, depende em volume, em essência, apenas de uma frente de aplicações: os componentes internos de refrigeradores. Por essas e outras, entre elas mercados surrupiados por rivais como polipropileno (PP), hoje escasseiam no mundo investimentos em novas capacidades de PS, prenunciando desbalanço a caminho entre oferta e demanda e, no vai da valsa atual, consequente perda de espaço para o termoplástico descoberto na Alemanha do século XIX e enquadrado em escala industrial desde os anos 1930.

“O cenário para PS nos próximos anos é realmente desafiador”, sustenta Roberto Ribeiro, presidente da Townsend Solutions, consultoria norte-americana especializada em petroquímica global. “A resina vem sofrendo ataques em frentes ambientais, mercadológicas e regulatórias, situação similar à de PVC 20 anos atrás, embora de maior intensidade na ofensiva e, ao contrário do vinil, que acabou se achando em tubos, conexões e perfis, PS não tem uma aplicação para chamar de sua”. Ou seja, ele traduz, para qualquer uso do polímero estirênico existe na praça um potencial substituto, “seja ele mais eficiente ou não”, completa Ribeiro. Manda a lógica, ele arremata, que, com esse clima, petroquímicas hoje repensam o risco de continuar a investir na cadeia de PS. “Desse modo, os aportes de recursos encolhem muito, tornando o cenário ainda mais nebuloso para a esina”.

Os pregos na cruz da imagem de PS têm sido martelados por formadores de opinião do consumo mundial. No ano que vem, a Tesco, gigante supermercadista europeu, promete vetar a entrada do polímero em suas lojas no Reino Unido. Também em 2019 Nova York vai banir poliestireno expandido (EPS) do comércio da metrópole, material aliás defenestrado este ano do ícone de fast food MacDonald´s. A França, por sua vez, aprovou lei proibindo descartáveis de origem fóssil, um império de PS, a partir de 2020. Na ponta da cadeia industrial, a entidade International Association of Plastics Recyclers trombeteia cálculo de que apenas 6% de PS pós-consumo descartado são reciclados e considera a resina mais complicada de reciclar que PET e poliolefinas. “Imagine esse quadro com a presença da organização não governamental Ellen McArthur Foundation (propulsora da economia circular) que, suportada por grandes brand owners e petroquímicas, desenvolve a iniciativa ‘The New Plastics Economy’ para redesenhar o futuro do plástico e esse estudo estabelece que as empresas devem explorar opções para substituir nas embalagens os materiais ditos ‘incomuns’ (uncommon materials), tais como PVC,EPS e PS”.

A divisão Soluções e Perspectivas Globais do mega banco norte-americano Citi liberou em agosto o acesso digital a seu novo estudo “Repensando os Plásticos de Uso Único”. No seu último capítulo, dedicado à análise de possíveis materiais substitutos, a radiografia pega a situação dos copos descartáveis nos EUA. Conforme está registrado, o segmento é dominado em cerca de 52% por papel e PS vem na vice-liderança, com fatia aproximada de 28% e amargando encolhimento da ordem de 3-4% nos volumes dos últimos anos. “O declínio tem sido largamente determinado por preocupações ambientais, pois PS não é biodegradável e não pode ser reciclado”, atribui o documento. Outro trecho: “atacando os problemas de reciclabilidade de PS e do papel, o produtor de copos Berry Global desenvolveu um modelo em PP intitulado Versalite, reciclável e adequado ao envase de líquidos quentes e frios”. No quinto capítulo, sobre a situação da indústria recicladora, o estudo do Citi torna a mencionar as dificuldades para recuperar PS, refletidas na carência de empresas nos EUA capazes de restaurar o polímero para segundo uso.

Roberto Ribeiro retoma o fio da sua análise tocando nas consequências, para o negócio global de PS, da hipótese de emagrecimento drástico de um mercado do quilate dos descartáveis e embalagens de uso único. “O primeiro impacto seria econômico, pois as alternativas disponíveis não são tão eficientes quanto PS e EPS em boa parte dessas aplicações, resultando num ônus possivelmente arcado pelo consumidor final ”, pondera o consultor “O segundo impacto viria da falta de investimentos em novas capacidades de PS sinalizando, no curto prazo, uma oferta mais apertada, pois o consumo da resina ainda cresce, embora a taxas declinantes, em mercados menos desenvolvidos, podendo convergir para uma situação de escassez capaz de elevar os preços do polímero e instaurando a tendência de substitutos mais acessíveis ameaçarem desalojar PS”. De outro ângulo, Ribeiro coloca na balança a possibilidade de alterações na rota das projeções advindas de investimentos desovados na busca por economia e condições melhores de reciclagem de PS. Aliás, uma referência nesse sentido é a recente aposta em startups de reciclagem química da resina feita pela alemã Ineos Styrolution, força global em estirênicos.

PS não escapa de uma lei da selva petroquímica. Produtores da resina integrados a montante (monômero) e/ou a jusante da cadeia (copolímeros e especialidades) empurram cada vez mais os não verticalizados para a periferia do mercado. No caso da integração a jusante, percebe Ribeiro, é crescente a prioridade dada pelas petroquímicas de PS a aplicações de estireno. Mas ainda há muita água para rolar embaixo dessa ponte, ele confia. “Não acredito que grandes produtores e consumidores de PS estejam parados, presenciando o aumento dos riscos em seu mercado sem atuar em opções capazes de suportar o futuro do negócio”.
Solange Stumpf, sócia e diretora da consultoria brasileira MaxiQuim, enxerga o mercado global de PS na meia-idade. “Está maduro, já não cresce às elevadas taxas passadas e, praxe em termoplásticos, com o tempo ocorre a substituição por materiais mais avançados e competitivos e, no caso de PS, os principais concorrentes são PP e copolímero de acrilonitrila butadieno estireno (ABS)”, ela distingue. “A tendência é de estagnação das capacidades, pois a demanda deve crescer a percentuais moderados, dispensando novas plantas a curto prazo”.

Na mão oposta da voz corrente, Solange não acha PS material complexo de reciclar. “Os problemas no seu reaproveitamento envolvem pontos como contaminação, dificuldade na separação de embalagens e a questão do baixo peso versus volume afetando as margens de lucro na reciclagem da resina”. Além disso, ela nota, recipientes termoformados pós-consumo conservam resíduos de alimentos ou gorduras e o encargo de extirpá-los “quase sempre afasta essas embalagens da reciclagem”. Quanto aos copos descartáveis, ela assinala, sua oferta em versões de PP e PS dificulta a seleção por materiais nas linhas de triagem preparatórias para a recuperação da resina. Por essas e outras, deixa claro a analista, a reciclagem de PS, mesmo sem restrições de ordem técnica, atrai pouco interesse, mas deve ser estimulada para enxotar da resina a aura de vilã ambiental.

O encolhimento de PS no mercado de embalagens e descartáveis, sob fogo da artilharia da economia circular, não pinta por ora no radar de tendências da MaxiQuim. “A resina tem aplicações neste segmento onde se mostra a opção mais adequada, difícil de ser substituída, caso dos termoformados para iogurte”, defende Solange. Mas nada é para sempre, advertem exemplos como a Umilk, fabricante há dois anos de nobres iogurtes com ingredientes naturais em Brodowski, interior paulista. Guilherme Ferreira, fundador e diretor de marketing, informa vestir sua marca MOO com termoformados de PP, idênticos às embalagens de PS para esses lácteos.

Solange Stumpf fecha com Roberto Ribeiro quanto ao pendor de petroquímicas de PS verticalizadas por hoje priorizar as vendas do monômero a mercados em expansão como acrílicos, poliésteres, EPS e borrachas estirênicas. “Para o produtor de PS, a verticalização upstream (a montante) constitui vantagem pelo ângulo dos custos e pela possibilidade de diversificar os mercados atendidos”.

Os dois produtores brasileiros de PS operam integrados no monômero. “O polímero representa 36% da demandas mundial por estireno e, no Brasil, esse indicador chega a 60%”, dimensiona Wendel Oliveira de Souza, diretor geral de operações comerciais da Unigel. O impacto de um recuo maiúsculo, turbinado em escala mundial pelo mantra da economia circular, no consumo de PS em descartáveis e embalagens de uso único, é ilustrado pelo executivo com o cenário desse segmento da resina por aqui. “É um mercado estratégico, pois descartáveis representam 35% das vendas internas do polímero”. Fúria ecoextremista à parte, Souza abraça o ponto de vista, corriqueiro entre analistas da petroquímica mundial, do vento a favor para PS em mercados emergentes. Entra em campo o Brasil. “Vemos com bastante otimismo a demanda por PS em embalagens de laticínios e, com o aumento de lares com menos ocupantes e a população mais a par das inovações contidas na internet das coisas e ciente da necessidade de reduzir gastos com energia elétrica, a produção de refrigeradores deve crescer e alavancar o consumo de PS na linha branca”.

Souza reconhece a força da pressão ambiental sobre o consumo mundial de plásticos em geral, mas reclama do nível de desinformação e distorções nos debates a respeito. Ele exemplifica com o alarido ecoxiita numa herdade de PS: os copos descartáveis, alvo de campanhas incentivadoras da troca por canecas laváveis de uso compartilhado. “Copo descartável, pelo seu uso individual, é questão de saúde pública, pois especialistas atribuem sua utilização à queda drástica na incidência de doenças transmissíveis pelo uso em comum do mesmo recipiente”. Tem mais. Presos ao charme da fonte renovável, defensores da substituição de plástico por papel em copos monouso, nota Souza, ignoram os meandros da produção. “Copos de papel são recobertos com película de polietileno, revestimento que inviabiliza sua reciclagem”. No desfecho, o porta-voz da Unigel assinala que a produção unitária do copo plástico descartável consome 26 ml de água, enquanto a lavagem da caneca exige 1,2 litro e acréscimo de detergente.

“Quando se pensa em sustentabilidade, o grande segredo está na reciclagem”, pressupõe Cláudio Rocha, diretor de operações da Innova, produtora de PS integrada no monômero e com braço em EPS. “Não podemos deixar com que a superficialidade com que o tema é em geral abordado na mídia despreze o fato de PS ser 100% reciclável e isso abre uma pauta nova e de efeitos positivos”, sublinha o executivo. “De fato, a reciclagem demanda grande mobilização na sociedade e requer mudanças de hábitos; tudo muito difícil, mas com a contrapartida de excelentes resultados possíveis”. Do seu lado, a Innova trata de lapidar sua verticalização na cadeia, prometendo duplicar para 420.000 t/a sua capacidade de estireno, concentrada no complexo gaúcho de Triunfo, a partir de maio próximo.

Formadora de preços e opinião global em estirênicos como PS, integrada desde o monômero até ABS e especialidades, a Ineos Styrolution burila o planejamento de seu negócio de PS por um enfoque regional, explica Paulo Motta, diretor para a América do Sul da corporação petroquímica. “Essa estratégia reparte as frentes de atuação entre América, Ásia-Pacífico e Europa/Oriente Médio/África”, ele delimita. Nessa trilha, a Styrolution vislumbra oportunidades a longo prazo para PS em eletroeletrônicos e eletrodomésticos em mercados emergentes, caso da China e sudeste asiático. “Prova disso é o recente anúncio da compra de duas fábricas de PS na China, vendidas pelo grupo francês Total e que somam capacidade de 400.000t/a”, ilustra Motta.

A atuação da Styrolution em estirênicos é calibrada pela plataforma denominada Triple Shift. “Consta de três pilares: foco por regiões, desenvolvimento de soluções estirênicas e ênfase nos mercados automotivo, eletroeletrônico e eletrodoméstico”, esclarece o diretor. Na seara das embalagens, Motta comenta que a empresa enxerga em EPS o flanco de PS mais vulnerável em termos ambientais. Por sinal, na busca de entrosar-se com a economia circular, a empresa investe nos EUA na pesquisa da reciclagem química da resina, em parceria com a Agylix Corporation e, conforme divulga seu relatório de sustentabilidade, com a canadense Pirowave, para estudo da despolimerização catalítica de PS por micro-ondas. “Além disso, buscamos, aliados a representações ligadas à cadeia da resina, sensibilizar a opinião pública nos EUIA e Europa para a viabilidade da reciclagem mecânica de PS”, completa Motta.

Do observatório dos transformadores, Mário Schlickmann, presidente do Grupo Copobras, nº1 nacional em descartáveis, considera que a discussão sobre o futuro de PS na era da economia circular exige um debate abrangente sobre a reciclabilidade do polímero e os efeitos da proliferação em curso na oferta ainda restrita de alternativas biodegradáveis, hoje a custos vistos por ele como proibitivos para a realidade brasileira. “Podemos então pressupor que não procede a hipótese de estagnação a curto prazo do mercado de PS em descartáveis e embalagens”, julga Schlickmann. “Deve surgir uma intensa discussão de caminhos a seguir para garantir a logística reversa, hoje praticada em níveis muito baixos”.
Num cenário teórico de restrição do uso global de PS em descartáveis e recipientes de uso único, raciocina Schlickmann, a indústria desses artefatos precisa passar por um ajuste de rota. “O foco poderá ser a substituição de PS por resinas mais recicláveis e acessíveis, movimento dependente de altos investimentos e, se ocorrer, será lento e gradual”.
Um dos maiores consumidores nacionais de PS, Schlickmann acha que a suposição de queda expressiva da procura da resina para o mercado-chave de embalagens e descartáveis, imposta pelo credo da sociedade na economia circular, inviabilizaria as petroquímicas do segmento. “Suas estruturas são específicas para a geração de PS e a redução dessa demanda, mesmo considerando-se a alternativa de novos subprodutos estirênicos, encareceria a operação a ponto de impossibilitá-la”, argumenta o comandante da Copobras. “Dentro dessa situação hipotética, essas mega indústrias de PS terão que se reinventar, rumando para especialidades e isso não será uma tarefa simples”. •

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