Brasil kafkiano

Foragido da invasão da Tchecoslováquia pelo nazismo, Alexandre Kafka, economista da mais fina lavra, deu com os costados no Brasil em 1940. Em pouco tempo, estava em casa a ponto de, em São Paulo, dar aulas na Escola de Sociologia e Política e atuar como conselheiro da Fiesp. No Rio, ajudou a fundar o Instituto de Economia da FGV e, na metade dos anos 50, foi assessor do Ministro da Fazenda, Eugênio Gudin. A seguir, bandeou-se para os EUA, onde prestou assistência monetária e fiscal a países subdesenvolvidos na ONU e, de 1966 a 1998, destacou- se como diretor executivo eleito para representar o Brasil e outros países latino- americanos no FMI. Morreu em Washington nove anos depois.
Ele era primo em segundo grau do escritor Franz Kafka, cuja mescla de realidade e absurdo em sua literatura inspirou o adjetivo kafkiano, no sentido de surreal. O lado kafkiano da economia do Brasil, à margem de toda a racionalidade dessa ciência,  embasbacou tanto Alexandre Kafka  que, por ironia, ele deu de formular a quatro mãos, com o falecido Roberto Campos, então seu amigo e colega no gabinete de Gudin, leis específicas sobre a realidade brasileira. Uma releitura delas, meio século depois de criadas, as encontra tinindo, sem mofo e com tantos exemplos de sua vigência no Brasil de hoje que citá-los aqui encheria a página e seria uma obviedade.
Uma delas, por exemplo, é a lei do comportamento discrepante: sempre que o Ministério da Fazenda adere à austeridade financeira, o Banco do Brasil abre os cofres e vice-versa. E o que dizer da chamada lei do limiar do medo? É assim: enquanto a inflação não chega a 15% ao ano, o alarme soa apenas nos círculos técnicos. Entre 15% e 30%, os ministros da área financeira começam a reparar e pinta uma ou outra greve. Apenas quando é transposto o limiar do medo, com preços aumentando de 30% em diante ao ano, o governo acorda para a zorra. No embalo, Kafka e Campos bolaram uma norma hoje com carimbo do Custo Brasil: “toda ação de liberação na economia provoca uma reação de controle burocrático de igual intensidade, ainda que de forma disfarçada”. A propósito, postula a mesma dupla, uma vez criada uma entidade burocrática, ela nunca se destrói; apenas se transforma.
As repartições públicas, aliás, serviram de musa para inspirar duas verdades pela lógica de Kafka e Campos: “o instrumento é mais importante que os objetivos” e “o fim serve aos meios”. Campos brandia como exemplo os órgãos de previdência social. “Engana-se redondamente quem imaginar que eles se destinam a dar assistência aos associados (conquanto o façam por ocasional distração), quando só os ignaros ignoram que o seu verdadeiro propósito é assistir seus próprios funcionários”.
Também parece saída do forno a denominada lei da responsabilidade unilateral. Dizem Kafka e Campos: “os governantes são solidários no desfrute dos méritos dos seus subordinados, mas completamente inocentes dos respectivos desacertos”. A carapuça da lei da transferência de culpa, outro primor dos dois visionários, serve hoje na medida para a mentalidade encastelada no poder. Por ela, “é menos importante encontrar soluções que ter bodes expiatórios”. Nos anos 60, Campos traduziu o enunciado desse modo: “as frustrações do subdesenvolvimento criam a necessidade de odiar e de procurar causas externas à nação, no domínio da magia e da conspiração, para explicar a nossa pobreza”.
Se pudessem rever sua “jurisprudência” à ótica do Brasil atual, a lei da colisão frontal não escaparia à verve de Kafka e Campos: “por mais acertado que seja o diagnóstico, sua trombada com o tratamento escolhido é inevitável”. •

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