Pode chover nessa horta

Uma pesquisa promissora de bioplástico a partir de agro refugo

Resíduos agroindustriais são o ponto de partida para um bioplástico posto em desenvolvimento por um grupo de pesquisadores do campus de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (USP). Além do baixo custo, o material sobressai por implicar reaproveitamento de agro refugo abundante no país, muitas vezes descartado, e por degradar-se no máximo em 120 dias sem depender de condições especiais para sua decomposição. Na entrevista a seguir, a evolução do estudo e sua relevância para o desenvolvimento sustentável são descortinadas por um dos principais integrantes do estudo, Bianca Chieregato Maniglia, pesquisadora do Departamento de Química da USP-Ribeirão preto e pós-doutoranda do Departamento de Engenharia da Escola Politécnica da USP.

Bianca Maniglia: resíduos agroindustriais reduzem o custo do polímero.

PR – Qual a inspiração para o desenvolvimento deste novo plástico biodegradável?
Bianca Maniglia – A ideia surgiu do fato de os plásticos biodegradáveis não conseguirem competir com os plásticos comuns devido ao alto custo. Assim, buscamos uma matéria-prima mais barata para tornar este material competitivo. Os resíduos agroindustriais brasileiros ainda são pouco explorados, sendo muitas vezes apenas descartados na natureza e apresentam grande potencial de aplicação tecnológica. Foi assim que pesquisamos possíveis resíduos com polímeros interessantes como amido e proteína para aplicação no setor de materiais. O pedido de patente desse bioplástico será feito neste ano.

PR – Como a pesquisa se viabilizou?
Bianca Maniglia – Tivemos apoio de três órgãos de fomento(FAPESP, CAPES e CNPQ), além da estrutura do Departamento de Química da USP de Ribeirão Preto. A pesquisa fez parte do meu mestrado e doutorado e contou com a participação de alunos de iniciação científica (Roberta Lopes de Paula, Larissa Tessaro e Bruno Esposto) e de mestrado (Thamiris Garcia), todos orientados pela professora Delia Rita Tapia Blácido.

PR – O Brasil já registra desenvolvimentos de bioplásticos a partir de fontes renováveis como a cana-de-açúcar, milho e mandioca. Em termos de características técnicas como este novo plástico biodegradável se distingue dessas alternativas?
Bianca Maniglia – Estamos produzindo plásticos bem mais baratos, por terem como matéria-prima um resíduo agroindustrial e que não compete com o setor alimentício, caso do milho e mandioca. Comparado ao polihidroxibutirato (PHB), bioplástico derivado da cana, o custo de produção do nosso desenvolvimento é bem inferior, pois envolve um processamento bem mais simples, sem envolver sistemas microbiológicos. Em relação às suas propriedades, embora tenha boas características mecânicas e funcionais, os filmes à base desse bioplástico apresentam alta biodegradabilidade. Ou seja, degradam-se muito rápido para serem aplicados no mercado. Em relação ao descarte, essa propriedade acaba sendo uma vantagem frente aos plásticos verdes que vemos no mercado. Os “plásticos verdes” são elaborados também a partir de fontes renováveis – milho, mandioca, beterraba e cana-de-açúcar, mas estas servem como matérias-primas para produzir um composto (ácido láctico) do qual se pode sintetizar o polímero (ácido polilático, PLA). Devido ao fato de estes plásticos não serem produzidos com polímeros naturais, como proteína e carboidratos, o material apresenta estrutura mais complexa e só se biodegrada corretamente em usinas de compostagem, onde há condições adequadas de luz, umidade e temperatura, além da quantidade correta de micro-organismos.
Outro fato no qual devemos trabalhar é a capacidade desses plásticos para absorver umidade, criando um ambiente favorável à maior proliferação de micro-organismos e prejudicando assim a conservação dos alimentos. Estamos pesquisando para controlar essas propriedades.

PR – O bioplástico desenvolvido se degrada em 120 dias em lixão a céu aberto ou requer usina de compostagem?
Bianca Maniglia – Nosso material se degrada muito rapidamente, pois sua composição de amido é facilmente metabolizada por fungos e bactérias, sem a necessidade de condições ótimas de compostagem.

PR – Qual a composição desse material?
Bianca Maniglia – São três componentes básicos: água, amido e plastificante. Utilizamos o termo de plástico elaborado com TPS, para se referir ao amido termoplástico. Os resíduos – urucum, cúrcuma e babaçu – foram escolhidos devido à produção local em larga escala, por não terem uma destinação que explore bem suas propriedades e, por fim, por serem ricos em amido.

PR – Como avalia a possibilidade de o material ganhar escala comercial perante uma conjuntura em que, por falta de escala e custo competitivos diante das resinas petroquímicas, todos os bioplásticos existentes até hoje mantêm volumes de produção ultra limitados?
Bianca Maniglia – Para este plástico ganhar o mercado com rapidez, seria interessante sua aplicação como blendas, ou seja, na forma de misturas entre polímeros provenientes dos resíduos agroindustriais com polímeros base petróleo. Assim, teríamos o aproveitamento de um resíduo agroindustrial como uma fonte alternativa renovável para compor embalagens e reduziríamos a porcentagem de fontes sintéticas, agregando a biodegradabilidade, fora contarmos as boas propriedades dos plásticos comuns. A mistura do biopolímero com o polímero proveniente do petróleo é interessante por aproveitar as boas propriedades de ambos. De um lado temos um polímero de fonte renovável e biodegradável. Do outro, um polímero que resulta em materiais de boas propriedades mecânicas e funcionais. As blendas com esses dois materiais apresentam biodegradabilidade parcial, pois apenas a sua porção formada pelos biopolímeros sofre facilmente a biodegradação. Apesar dessa parcialidade, isso representaria menos lixo sendo acumulado.
Esse quadro inspirou o meu trabalho de pós-doutorado em andamento na Escola Politécnica – USP. Trata-se da produção de um plástico que pode se inserir mais rápido no mercado pela via das blendas de polímeros de resíduo de babaçu com polipropileno. O custo de produção ainda precisa ser estudado, mas, diante do preço das matérias-primas, quando se fala no quesito de se trabalhar com estes resíduos agroindustriais, acredito que poderemos competir com os plásticos comuns, de material não biodegradável.

PR – Os tipos do novo bioplástico, apresentados na roupagem de filmes, presta-se à injeção e sopro?
Bianca Maniglia – Avaliamos a capacidade filmogênica destes materiais, obtendo resultados bem positivos. Em relação a à produção em larga escala, ainda precisamos estudar mais, pois não testamos outros processos de transformação, apenas o método “casting”. Consiste em espalhar a solução formadora do filme numa superfície lisa e deixar secar. O estudo de outros métodos de processamento consta do meu projeto de pós doutorado.

PR – Qual a origem dos antioxidantes na composição do novo bioplástico e qual a sua relevância para o emprego do filme em embalagens?
Bianca Maniglia – Os compostos antioxidantes são intrínsecos dos resíduos agroindustriais. Possuem compostos fenólicos que não se degradam com o processamento de produção dos filmes. Dessa forma, esta propriedade antioxidante presente nos resíduos, persiste nos filmes.Portanto, as embalagens produzidas com este tipo de bioplástico se enquadra como uma embalagem ativa: não só acondiciona o produto, como interage com ele. Nesse caso, devido às propriedades antioxidantes, a embalagem auxilia na conservação do produto armazenado, pois essas substâncias ativas presentes são capazes de atrasar ou inibir a oxidação de um substrato oxidável – no caso, os alimentos. É um grande diferencial perante as embalagens comuns.

PR – Por que recomenda o uso do biofilme para acondicionar hortifrútis, em especial?
Bianca Maniglia – Recomendamos os filmes para alimentos em geral, mas focamos mais nos hortifrútis por terem vida de prateleira mais curta. Isso é interessante, pois os filmes que produzimos também se degradam rapidamente, não podendo acondicionar alimentos de longa vida de prateleira.

PR – Quais os próximos passos da pesquisa e testes antes de ofertar este novo bioplástico a possíveis interessados na sua produção comercial?
Bianca Maniglia – Os próximos passos são: produção em larga escala, através de extrusão, e o desenvolvimento de blendas com polipropileno. As blendas podem se inserir mais rápido no mercado, por garantir melhores propriedades mecânicas e funcionais que os filmes feitos com apenas os resíduos agroindustriais. •

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