Passou do ponto

Carne fraca contamina o marketing da Melissa

Em reportagem intitulada Onda Verde, publicada em 2 de abril último no jornal “O Estado de S.Paulo”, Raquel Metz Scherer, gerente de marca e produto da Melissa, marca calçadista da empresa Grendene, enaltece a pegada vegana do seu novo selo “100% Real Plastic” com a seguinte declaração: “Tínhamos quatro elementos químicos usados na fabricação do PVC que eram de origem animal e foram substituídos pelos de origem vegetal”. Aos fatos: a cadeia da produção de PVC envolve dicloroetano, cloreto de vinila e, enfim, o polímero: policloreto de vinila (PVC). Não há a menor sombra de bicho algum, atesta a ciência da Química, nos meandros desta sequência de ingredientes. Em frente: PVC é um polímero que, para ser processado, requer o acréscimo de elementos complementares como plastificantes, estabilizantes, ou lubrificantes.

Também aqui a carne acaba mal passada, pois não se tem notícia na praça de comprovação científica das pegadas de suposta origem animal na composição dos materiais auxiliares que dão forma ao chamado composto de PVC. Plásticos em Revista encaminhou pedido para a Melissa revelar quais são os quatro elementos de origem animal que a grife de calçados femininos extirpou e os substitutos de origem vegetal que elegeu. A assessoria de imprensa informa que a Melissa não quis se pronunciar a respeito.

Se tomada a notícia ao pé da letra, ao mexer na molécula do polímero para tirar componentes de origem animal e botar aqueles com DNA vegetal, a Melissa é, desde já, imbatível candidata ao Nobel de Química. É um feito que, conforme tem sido aqui relatado na imprensa, também pode ser pleiteado pela vida pública brasileira, por ter implantado, para pasmo mundial, uma nova rota da cadeia (vale o duplo sentido) do setor: a propinoquímica.

De volta à vaca fria, o discurso do marketing vegano da Melissa tem raízes na certeza de que a rala consistência científica de suas declarações bombásticas tem tantas possibilidades de ser questionada, no ato ou depois da publicação pela grande imprensa ou mídia fashion, quanto alguém em Brasília dizer que não repudia as delatadas acusações sobre sua pessoa. Tanta convicção da Melissa tem lastro não só na superficialidade das coberturas e no grau de desinformação dos repórteres, mas num desfalque hoje generalizado nas redações: a ausência dos checadores de informações, de preferência antes de a notícia vazar. Devido ao decepamento a torto e a direito nos custos dos veículos, efeito de três anos seguidos de publicidade arrochada e nivelada por baixo pela alternativa mais barata da mídia digital, sumiu dos organogramas da imprensa o cargo do jornalista encarregado de verificar a acurácia das informações apuradas. É nessas horas em que a Melissa deita e rola no desconhecimento e no caixa baixo das redações que se comprova, com suspiros de nostalgia, que o checador nada tinha de despesa supérflua , como atesta, aliás, uma penca de mal entendidos, besteirol ou dados distorcidos de forma deliberada pela fonte e que só não vieram a público porque alguém arqueou as sobrancelhas ao ler algo a ser editado e cismou de fonar ao entrevistado para ele explicar melhor o que disse, ou então, a um especialista no assunto em questão.

É claro que o autor da reportagem da Melissa poderia ter feito a checagem prévia sobre a composição do PVC por conta própria, recorrendo com um clique ao Dr. Google e outros luminares virtuais. Afinal, ninguém sabe tudo. Acontece, porém, que do outro lado moram os suspeitos de sempre, aquelas condições volta e meia brandidas pelas redações para justificar as bolas tomadas nas costas, caso da divulgação das afirmações sem pé nem cabeça da Melissa. Por exemplo, a correria do fechamento da edição, o fato de ter várias matérias para entregar no mesmo dia ou, pior, o consolo no íntimo do articulista de que um eventual erro cometido no veículo impresso pode ser corrigido de imediato na edição digital, sem gastos com gráfica nem maior ira dos seus superiores.

Até o fechamento desta edição, o site da Melissa para trombetear o selo 100% Real Plastic (https://www.melissa.com.br/foto/real-plastic) nada mencionava sobre o esclarecimento pedido por Plásticos em Revista. Em contrapartida, a caixa de comentários estava repleta de mensagens de consumidoras aplaudindo a proteção contra os animais e prometendo comprar os sapatos da marca.

Não é isso, afinal, o que importa? •

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