O Katrina se aproxima

Começou a contagem regressiva para a petroquímica sul-americana encarar o momento da verdade. Em cerca de dois anos, os EUA voltam com força cada vez maior ao time de exportadores de classe mundial de poliolefinas e PVC, à sombra de vantagens econômicas a exemplo da rota do gás de xisto (shale gas) e de propeno resultante da desidrogenação do propano. Na voz unânime dos analistas, esse ressurgimento de um excedente norte-americano de resinas e a América Latina na cabeça dos canais para sua desova evocam a imagem da formação de um furacão Katrina a caminho do mercado-chave para as petroquímicas situadas do México para baixo, todas algemadas a matérias-primas mais caras ou limitadas. A reboque, pulsa o risco de subida das exportações para a região de produtos transformados nos EUA com resinas geradas com eteno obtido do gás de xisto. Uma ala de observadores pondera que a cultura da transformação norte-americana centra-se na demanda interna e, com seus custos agora mais atraentes, as exportações para os EUA de artefatos plásticos da Ásia tendem a murchar. Para evitar os respingos desse recuo em seus índices de produção, os transformadores orientais tratariam de reforçar seus embarques para escoamento em regiões como a América Latina.
Toda a tensão do drama veio à tona na quarta conferência sobre polímeros e petroquímicos na América Latina, levada em setembro, em São Paulo, pela consultoria norte-americana IHS. Pelo seu sismógrafo, a atual capacidade global de eteno é fixada em 153 milhões de t/a. Desse total, a área Ásia-Pacífico tem 33%; a América do Norte, 23%; África e Oriente Médio, 21%; Europa, 19% e a América do Sul, 4%. Em volumes, a fatia sul-americana é traduzida em 5.5 milhões de t/a das quais 4 milhões provenientes do Brasil. A IHS ignora qualquer expansão de eteno por aqui e descreve o ultra repaginado projeto do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj) como nada além de uma refinaria.
O bicho pega quando o jogo de forças  é transposto para os EUA. Projetos de geração de eteno pela rota do gás de xisto se propagam no país feito rastilho de pólvora. Apenas este ano, pinça a IHS, entram assim em cena mais 795.000 toneladas do petroquímico básico. Em 2015, serão mais 935.000; em 2016, 1.113.000; em 2017, 918.000; em 2018, 4.674.000 e, por fim, daqui a cinco anos, mais 2.326.000 toneladas de eteno. Resumo da ópera, os EUA receberão um acréscimo de 10.700.000 toneladas dessa materia-prima no período compreendido entre o exercício em curso e 2019, projeta a consultoria.
No andar de cima, a sala vip pertence aos polietilenos (PE) e novos projetos na área também estalam feito pipoca na panela. Pelo andar da carruagem, deduz a IHS, um volume geral desenhado em 9.855 milhões de toneladas do termoplástico ganharão a rua entre 2014 e 2019 nos EUA. Desse total, a consultoria contempla novos projetos específicos para polietileno de baixa densidade (PEBD) com 1.395.000 toneladas. O quinhão referente ao aumento da capacidade norte-americana do polímero linear (PEBDL) é calculado em 3.430 milhões de toneladas e, por fim, novos empreendimentos na raia de polietileno de alta densidade (PEAD) são estimados em 4.030 milhões de toneladas. Por fim, são reservadas 1 milhão de toneladas referentes a projetos por serem anunciados.
Estudo da consultoria Tricon antevê para a América Latina (México exclusive) da ordem de 3 milhões de toneladas de PE em 2018. Nesse total, a analista projeta para o Brasil, mantida a conjuntura atual, participação da ordem de 1.3 milhão de toneladas. Pela sua foto mais recente do Brasil, com foco no exercício de 2013, a Tricon situa, no âmbito de PEBD, a capacidade doméstica em 790.000 toneladas; a demanda interna em 612.000 e as exportações em 124.000 toneladas. Quanto a PEBDL, a consultoria estima a capacidade brasileira em 940.000 toneladas; a demanda nacional em 808.000 e as importações em 155.000 toneladas. Por fim, na esfera de PEAD, a Tricon calcula a capacidade instalada no Brasil em 1.325.000 t/a e, em 2013, a demanda do país foi delimitada em 972.000 toneladas e, quanto às importações, emplacaram então 276.000 toneladas. No plano geral, portanto, a consultoria totaliza a capacidade brasileira de PE na órbita de 3.055 milhões de t/a, enquanto a demanda interna soma 2.392 milhões de toneladas e, por fim, o saldo geral das importações do polímero cravou 555.000 toneladas no ano passado. No mesmo diapasão, pente fino da IHS sustenta que deve duplicar a participação da América Latina nas exportações norte-americanas de PE e de PP até 2019, decorrência da oferta local insuficiente para acompanhar a evolução da procura por poliolefinas na região.
Edison Terra, diretor de polietilenos da Braskem, pincela esse panorama em relação ao Brasil com tinturas cor de rosa. No evento da IHS, ele assegurou, fixando-se em volumes e sem enveredar por embates em preços internacionais, que a atual capacidade instalada de PE e PP no Mercosul é suficiente para corresponder ao crescimento da demanda brasileira dos dois termoplásticos até o final da década, inclusas no cômputo as importações da resina argentina.
Pelos sensores da Braskem, expõe Terra, a demanda brasileira de PEAD tende a pular de 1.008 milhão de toneladas este ano para 1.232 milhão em 2019. Por sua vez, a procura no país por PEBD deve emplacar 621.000 toneladas acumuladas até a virada de dezembro próximo e saltar para 674.000 em cinco anos. Quanto a PEBDL, Terra trabalha com a perspectiva de uma demanda brasileira de 842.000 toneladas no exercício atual, entrando na marca de sete dígitos em 2019, chegando então a 1.030 milhão de toneladas.
Na arena do Mercosul, o mando de campo em poliolefinas é do Brasil e Argentina. A capacidade instalada de PP no país vizinho é fixada em 310.000 t/a, enquanto a de PE alcança 667.000, situam as argentinas Polyolefins Consulting e PetroChemical Consulting Alliance. No Brasil, a Braskem é o único produtor de PP e PE. No polo de Camaçari, especifica Terra, o grupo exibe uma unidade de 125.000 t/a de PP e capacidade total de 740.000 t/a de PE, repartida entre 230.000 para PEAD, 160.000 para PEBD e 350.000 t/a para PEBDL. Em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, o grupo dispõe de potencial para gerar 500.000 t/a de PP e uma unidade multipropósito de 540.000 t/a para PEAD e PEBDL, abre o diretor. No polo paulista, fincadas nos municípios de Cubatão, Mauá, Paulínia e Santo André, estão a postos capacidades de 800.000 t/a de PP e 820.000 de PE, estas cindidas entre 550.000 t/a de PEAD e 270.000 de PEBD. A última conta do colar é o polo gaúcho de Triunfo, onde a Braskem roda um complexo de 740.000 t/a de PP e 1.285 milhão de t/a de PE, efeito da soma das capacidades de 400.000 t/a de PEAD, 415.000 de PEBD e 470.000 de PEBDL, completa o porta-voz da empresa. Noves fora, a Braskem hoje está à frente de 3.285 milhões de t/a de PE e de 1.965 milhão de PP.
A cavaleiro desse poder de fogo, com respaldo numa capacidade arredondada em 4 milhões de t/a de eteno, a Braskem dá as cartas em poliolefinas na América Latina. No pente fino descortinado no seminário da IHS, Terra projeta em 1.008 milhão de toneladas a demanda brasileira de PEAD para este ano, a caminho de alcançar a marca de 1.232 milhão de toneladas em 2019. Na esfera de PEBD, o diretor calcula a procura interna da resina em 621.000 toneladas no período atual e em 674.000 daqui a cinco anos. O cerco fecha com a estimativa de 842.000 toneladas para a demanda brasileira de PEBDL em 2014, volume rumo a 1.030.000 toneladas em 2019, ele confia. No compartimento de PP, o diretor da Braskem põe fé num movimento no Brasil da ordem de 1.986 milhão de toneladas no ano corrente, demanda com pique para elevar-se a 2.330 milhões de toneladas em 2019.
A IHS põe a bola na marca do pênalti ao apontar para o acréscimo da ordem de 10 milhões de toneladas à capacidade estadunidense de PE ao longo dos próximos cinco anos. A maioria das expansões anunciadas, julga a consultoria, não deve negar fogo, embora o cronograma de partida de alguns empreendimentos esteja sujeito a eventuais atrasos, efeito também dos custos ascendentes de capital. Outro pavio já aceso: no Brasil, o preço atual do gás natural ronda US$ 15 por milhão de BTU (medida de poder calorífico), enquanto nos EUA, sob o frenesi do fraturamento hidráulico das reservas de xisto, a mesma matéria-prima para a petroquímica foi cotada em agosto último a US$ 3,91 por milhão de BTU. Na foto de hoje, a petroquímica brasileira depende da rota da nafta, bem mais cara que a do gás natural. Para futucar mais esse nervo à mostra, o setor deve consumir este ano em torno de 10 milhões de toneladas de nafta, das quais 70% a cargo de importações, delimita a consultoria MaxiQuim. Além do mais, há tempos imemoriais a petroquímica nacional sua sangue nas negociações de preços da nafta e gás com a supridora Petrobras – apesar de sócia da Braskem e controladora das produtoras de resinas Innova e PetroquímicaSuape – para viabilizar sua atividade.
O fio condutor da novela é retomado pelas digressões da IHS. A autossuficiência no petróleo e gás, aliada aos custos baixos de produção, devem distanciar os EUA da mira dos exportadores de poliolefinas e artefatos transformados. Após 2016, estabelece a consultoria, quando boa fração das capacidades acenadas estiver em campo, os preços norte-americanos de PE tendem a ficar em linha com os da Ásia, hoje os mais acessíveis do planeta. O excedente de PE dos EUA, na voz unânime dos analistas, será de início embarcado para Canadá, México e América Latina. Como a demanda desta região será insuficiente para absorver, por si, a sobra de PE norte-americano, embarques do material para mercados como a China tomarão vulto, sustenta a IHS, apesar da montanha de expansões em andamento na petroquímica chinesa, empenhada em minorar sua dependência de importações surfando na rota nafta e da carboquímica. Na esteira da guinada dada com o gás do xisto, a IHS insere que a transformação de PE dos EUA caminha para firmar-se na remessa de artefatos exportáveis como filmes e sacolas.
Daqui a dois anos, dimensiona a consultoria, a América do Sul também vai despontar como importadora regular de PP. De acordo com a consultoria, a região hoje marca pela capacidade nominal em torno de 3 milhões de t/a e demanda de 2.800 milhões de t/a do termoplástico. Ainda em relação a este ano, a IHS prevê importações sul-americanas de PP da ordem de 983.000 toneladas, volume previsto para passar a 1.300 milhão de toneladas em 2019. Afinal, completa a mesma fonte, não há notícia de planos de expansão em PP na região, ao menos até 2020.
A petroquímica norte-americana tende a aproveitar esse vácuo, indica a IHS. Na garupa dos custos baixos de energia e rota tecnológica – no caso, a via do propeno resultante da desidrogenação do propano –, os investimentos campeiam nos EUA. Assim, a IHS solta um cronograma da entrada em cena de adições à capacidade norte-americana de propeno: 375.000 toneladas em 2015; 737.000 em 2016; 1.199 milhão em 2017 e 1.837 milhão de toneladas em 2018. Em decorrência dessa oferta do petroquímico básico, amarra a consultoria, a capacidade em PP desfrutará nos EUA acréscimo da ordem de 445.000 toneladas em 2017 e de 1.265 milhão de toneladas no ano seguinte. Para a IHS, os EUA retornam a partir de 2018, escorados nessas ampliações de capacidade, ao posto de exportador relevante de PP para a América do Sul. A região também deverá ser assediada para a desova do excedente chinês do termoplástico, efeito das expansões em curso na petroquímica local.
No pano de fundo, prossegue a IHS, a capacidade global de PP aumentou 8,2 milhões de toneladas no período 2009-2014 e deve expandir em 12 milhões do período atual a 2019. Entre as consequências, a consultoria sustenta que novos projetos de PP pela rota nafta serão protelados sob o impacto dos concorrentes atrelados aos custos imbatíveis do gás de xisto norte-americano e sob efeito das expansões em poliolefinas e PVC em curso na China. No Oriente Médio, por seu turno, a produção crescente de PP causará recuo nas importações do polímero na região, vaticina a IHS. Pelos seus cálculos, a atual demanda mundial de PP atinge 58,9 milhões de t/a, das quais 32% cabem à China, 18% à Europa e 15% é o quinhão da América do Norte. A presença da América do Sul não passa de 5% e, no total, a demanda global de PP deve crescer 27% nos próximos cinco anos.
Dado o previsível descolamento entre oferta e demanda, com base em zero planos para a produção regional durante o próximo quinquênio, a América do Sul também ruma para recrudescer suas importações de PVC, conclui estudo apresentado no seminário por João Cataldo, titular brasileiro do time da IHS. No esquadrão dos exportadores  do vinil para a região, os EUA disputarão a pole position lastreados na energia barata e dicloroetano formulado com eteno obtido da rota do gás de xisto. No mapa armado por Cataldo, a América do Sul hoje ostenta capacidade nominal de 1.830 milhão de t/a de PVC, das quais 90.000 a cargo da resina base emulsão e o naco majoritário por conta do tipo base suspensão. O analista cinde a capacidade regional entre o Brasil, com 1050.000 toneladas; Colômbia, com 480.000; Argentina, com 220.000 e Venezuela com unidade de 120.000 t/a.
Para este ano, projeta Cataldo, a produção sul-americana do vinil deve fechar em 1.405 milhão de toneladas, configurando índice de 76,8% de ocupação da capacidade. Para o exercício atual, o consultor antevê importações sul-americanas de 745.000 toneladas de PVC contra exportações de 310.000. Em 2015, ele sustenta, desembarcam na região 785.000 toneladas do vinil versus exportações de 320.000. O descompasso, ele deixa claro, segue num crescendo. Em 2014, calcula, a demanda sul-americana do polímero fechará em 1.840 milhões de toneladas, enquanto a oferta regional ficará em 1.405.000 toneladas. No ano que vem, emenda, a demanda sobe para 1.930 milhão de toneladas e a oferta regional de PVC tende a restringir-se a 1.465 milhão de toneladas. Em 2016, ele continua, a demanda emplaca 2 milhões de toneladas do vinil na América do Sul  versus oferta local de 1.520.000 toneladas. Em 2017, ele antevê, a demanda pula para 2.070 milhões de toneladas, refestelada em andar bem acima da oferta local de 1.540.000 toneladas de PVC. Por fim, em 2018, a América do Sul apresentará demanda para 2.140 milhões de toneladas do vinil e a oferta regional estará limitada a 1.560 milhão de toneladas, contrasta o consultor. A seu ver, o crescimento da demanda local primará por níveis acima do mercado internacional e a indústria sul americana de PVC permanecerá aquém do pique demonstrado pelos produtores de outras regiões para competir mundialmente .
Recorde merecedor do Guiness na legislação antitruste mundial, há mais de duas décadas o Brasil, cuja alíquota  de importação de resinas commodities (14%) já é das maiores do planeta, renova sistematicamente  as medidas antidumping para PVC trazido dos EUA e México. Ao longo desse período, o Brasil passou a depender de crescentes importações do polímero para satisfazer sua demanda. Fica no ar se essas grisalhas sobretaxas para PVC do bloco Nafta se eternizarão, a título de única porta corta fogo possível para as cotações do vinil contendo eteno do gás de xisto não chamuscarem a rentabilidade do insuficiente polímero nacional. As nuvens cinzentas da mesma incógnita pairam, nessa perspectiva, sobre a eficácia da sobretaxa tarifária brasileira para PP dos EUA, a ser ofertado em breve a preços bem mais em conta que os permitidos pela rota nafta, abraçada pelo Brasil. Haja ansiolítico.

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