O drible da vaca

Para o plástico sonhar em perturbar a caixinha em leite e sucos, precisa dar ao cliente tanto ou mais do que ela oferece

vacaUma rara conjunção dos astros mantém, no Brasil, a caixa cartonada imperturbável há décadas à disputa com o plástico em leites fluidos e sucos líquidos, muitíssimo mais tímida do que a travada no Primeiro Mundo. Por quê? Uma explicação de fora da porteira da fábrica: a miséria da malha viária do país, complicando a entrega de alimentos de shelf life menor. Já no interior da planta, o cartonado se impõe por uma fórmula de custo /benefício até hoje imbatível: a soma de uma solução de embalagem com uma solução de processo, tirando da frente do laticínio e fabricante de sucos tranqueiras que vão da compra de matéria-prima e máquinas até a engenharia de produção, mediante o fornecimento contratado da célula de equipamentos de formatação, enchimento e vedação do cartonado.

Devido a toda essa mão na roda, aliada a zero custo de refrigeração no frete e armazenagem, longa vida, império do cartonado, foi a única categoria de leite cujo consumo cresceu, embora com intensidade inferior, sob a depressão econômica iniciada no ano passado e hoje sua participação nesse segmento de lácteos é projetada em 63%. O movimento subiu 2%, de 6,6 bi de litros em 2014 para 6,7 bi no último período, contabiliza a Associação Brasileira de Leite Longa Vida (ABLV). Por seu turno, o consumo de leite pasteurizado, um rincão do saco barriga mole, recuou 10% no ano passado, emplacando 1,1 bi de litros contra 1,22 precedentes. Ainda segundo a entidade, o consumo de leite em pó estabilizou-se no volume equivalente a 2,9 bi de litros nos últimos dois anos. A ABLV não deu entrevista.

Lilian Paula Pagliochi, gerente de marketing do laticínio catarinense Tirol, atribui a regência quase absoluta do cartonado em leite longa vida (UHT), categoria na qual o Brasil é o segundo mercado mundial, a um trabalho bem feito de construção de imagem. “A população confia na embalagem cartonada e a classifica como um dos mais seguros e eficientes, além, de prático e garantir validade maior para o segmento de alimentos”. A executiva também endossa o poder de sedução exercido pela oferta da embalagem amarrada com um sistema integrado de processos, engenharia e tecnologia. “O sistema acopla embalagem, equipamento, serviço e manutenção, conferindo velocidade e eficiência à produção”, ela sintetiza.

A Tirol adota saco de polietileno, tipo barriga mole, para acondicionar seu leite refrigerado, decorrência de um prazo de validade restrito a três dias, justifica Lilian. “A caixa garante shelf life de quatro meses para nosso leite longa vida”, ela insere. A Tirol descarta seguir os passos do concorrente Shefa, até o momento sem êmulos em sua garrafa de UHT em PET. “Para tanto,seria necessário trocar todo o nosso maquinário destinado ao cartonado, implicando a montagem de uma fárica nova em folha e,infelizmente, não haveria um diferencial de custo na embalagem”, constata a gerente. A conveniência econômica, ela deixa patente, se sobrepõe à busca por um visual que fuja da multidão de caixinhas nos displays de leites fluidos, em tese uma brecha para o plástico se animar. “O formato da embalagem somente será um diferencial viável quando pudermos transferir ao consumidor um benefício real”, delimita Lilian, acrescentando que a apresentação gráfica distingue o leite longa vida de competidores no ponto de venda (PDV).

Sucos de shelf life variável
Pedra de toque em sucos no Brasil, a Wow! Nutrition diferencia seus produtos no PDV cultivando três frentes de embalagens. “Utilizamos o cartonado em vários tamanhos e formas, bem como latas e garrafas de PET”, expõe Ricardo Oliveira Machado, vice-presidente de operações. “Focamos na combinação do produto com a ocasião do consumo, a exemplo do cartonado para consumo familiar do chá FeelGood e do néctar Sufreshvão, enquanto as latas focalizam bares e resturantes. Quanto a PET, uma indicação é a garrafa para o mesmo chá, concebida para ser levada em bolsa ou em qualquer forma de deslcoamento”.

Os cartonados são a principal embalagem consumida pela Wow!, atesta Machado. Pesa na preferência “o bom pacote de custo/benefício”, como o dirigente alude ao contrato açambarcando a caixa com sua manufatura até a paletização. “Mas temos bebidas à base de frutas e chás em lata e PET”, ele reitera. Na esfera dos sucos, ele observa, a questão do envase asséptico exige enfoque diverso do aplicado a leite UHT. “Essa tecnologia proporciona excelente estabilidade ao produto, mas o shelf life varia conforme a composição de ingredientes”, comenta. “Algumas frutas permitem shelf life superior a outras. Na mesma embalagem, por vezes temos produtos à base de frutas com shelf life de seis a 12 meses”. Quanto ao apelo visual no PDV, Machado se sai com uma abordagem contemporizadora. “Cada tipo de embalagem tem desafios, oportunidades e limitações, sejam cartonados, lata ou PET. Vale lembrar que o recipiente precisa combinar com outras formas de comunicação, formando o mix de marketing de cada produto e marca”, fecha diplomático o vice-presidente de operações.

Pacote bem amarrado

A caixinha é a ponta do iceberg de uma estratégia de negócios, ensina a SIG Combibloc

Luciana Galvão: negócio pensado como um todo.
Luciana Galvão: negócio pensado como um todo.

Se não instituiu o conceito, a caixa cartonada é campeã num cavalo de pau no negócio da embalagem. Em vez de prender-se às inegáveis virtudes em custos e performance do recipiente, sua oferta abrange os meandros da manufatura, compreendendo a engenharia e serviços de formatação, enchimento e vedação. Uma benção caída do céu sobre clientes como laticínios e fabricantes de sucos, deixa claro nesta entrevista Luciana Galvão, diretora de marketing para as Américas da SIG Combibloc, ás global em caixas cartonadas e fabricante delas no Brasil. A concorrente Tetra Pak não quis falar.

PR – Por quais motivos a caixa cartonada desfruta, nos mercados em que domina no Brasil, uma concorrência das embalagens plásticas bem mais tímida que nos EUA e Europa?
Luciana Galvão – O primeiro motivo é a constatação, por parte dos fabricantes de alimentos e bebidas, de todos os atributos da embalagem cartonada asséptica. Além da segurança alimentar, do apelo sustentável da matéria-prima e da proteção do produto (barreira à luz, aromas etc) até o consumo, as soluções de caixa cartonada da SIG garantem eficiência, otimização e flexibilização de produção. Nossas máquinas trabalham com altas velocidades e pode-se, em um mesmo equipamento, envasar embalagens de diferentes formatos e volumes. São fáceis de empilhar e transportar e não quebram. Para o consumidor final a percepção de valor também é clara. Oferecemos uma embalagem conveniente e funcional. Pode ser facilmente aberta e fechada por meio de tampas práticas e permite o consumo em movimento (on the go) graças à possibilidade de envase de volumes pequenos e à inserção de canudos. No mais, estão disponíveis em volumes maiores, para o consumo da família e em formatos inusuais, de extrema atração no ponto de venda (PDV). O shelf life estendido é outro diferencial.

PR – A parceria entre uma indústria alimentícia e o fornecedor da caixa envolve a oferta de um sistema integrado para a embalagem. Ou seja, engloba não só o recipiente, mas os equipamentos, tecnologia e serviços de formatação, envase e vedação. Por que esse modelo de suprimento tem se mostrado mais atraente, nos mercados dominados com folga no Brasil pela caixa cartonada, do que outras alternativas de embalagem?
Luciana Galvão – Pensamos as soluções em conjunto com os clientes, não limitando nossa contribuição a um sistema de envase. Pensamos desde conceitos para novos produtos e opções diferenciadas de embalagens, passando pelos sistemas até chegar à estratégia de lançamento. Pensar o negócio como um todo, de dentro para fora: esta é nossa atitude. Latco é um exemplo dessa parceria. Lançou no Brasil, em 2014, o primeiro achocolatado com pedaços de frutas, graças à tecnologia drinksplus, exclusiva da SIG. Ela permite o desenvolvimento de conceitos de produtos alinhados às principais tendências do mercado de bebidas, a exemplo do desejo dos consumidores por alimentos saudáveis, e experiências sensoriais interessantes e diferentes.

PR – No Brasil, as prateleiras de leite longa vida e sucos líquidos são quase monopolizadas pela caixinha. Porque os fabricantes aceitam essa mesmice visual no ponto de venda?
Luciana Galvão – Quem opta pela embalagem cartonada não precisa abrir mão do design ou do formato. Ao contrário. As quatro laterais podem ser exploradas pelos desenhos e ilustrações das marcas. Além disso, as soluções da SIG permitem escolhas adequadas ao posicionamento do produto, destacando-o na prateleira, seja um alimento premium ou competidor em preço.

PR – No Brasil, a caixa cartonada também transita por alimentos como atomatados, achocolatados ou mesmo ovos líquidos. Por que sua presença não deslanchou nesses redutos com a intensidade vista em lácteos e sucos?
Luciana Galvão – Em alguns casos, tratam-se de mercados com volumes menores; em outros, é preciso a criação de uma cultura de consumo do produto em outro tipo de embalagem. Ainda assim, há oportunidades de novos conceitos de produtos para o segmento com a nossa linha foodfiller, pois viabiliza o envase de molhos com nacos maiores de carne ou vegetais. Outro trunfo da SIG, nesse sentido, é a tecnologia complete perforation, para líquidos de alta viscosidade cuja embalagem pode ser completamente aberta.

PR – Quais as principais inovações introduzidas nos últimos anos em suas caixas cartonadas no Brasil?
Luciana Galvão – Já mencionei as tecnologias drinksplus, foodfiller e complete perforation. Outro avanço é a tecnologia FoodOption: além dos pedaços, é possível envasar produtos mais viscosos.Também introduzimos o conceito combidome, cuja vantagem é combinar as características de uma embalagem cartonada com as de uma garrafa. Ainda no terreno da embalagem em si, a SIG trouxe para cá a tecnologia da realidade aumentada, na forma de embalagens com animações como vídeos, jogos, elementos 3D, áudios e imagens, em parceria com a empresa de tecnologia Zappar.

Cálculos não admitem pedaladas

Por que custos sistêmicos favorecem a caixa cartonada em leite e sucos

Canadá: disputa mais equilibrada entre caixas e frascos em sucos.
Canadá: disputa mais equilibrada entre caixas e frascos em sucos.

“Embalagem não se resume ao recipiente em si ou ao preço da matéria-prima. É preciso encará-la sob a perspectiva de custos sistêmicos e, nessa linha de raciocínio, o conjunto de argumentos oferecido a leites e sucos pela caixa cartonada é poderoso”, pondera Antonio Carlos Dantas Cabral, professor do curso de pós-graduação de Engenharia de Embalagem e coordenador e professor de Engenharia de Produção no Instituto de Tecnologia Mauá.

Sob a ótica do custo sistêmico, ele assinala, uma alternativa de material pode ser inicialmente barata, mas considere-se que variáveis como a hipótese de perdas, a exemplo das ocorridas no processo ou transporte, não sejam na prática contabilizadas no custo do recipiente. “A caixa cartonada destoa desse quadro por constituir uma solução sistêmica”, distingue Cabral. “Seu fabricante comparece com equipamentos, embalagem já paletizada para distribuição, uma conveniência ímpar para o cliente, mais acessível e menos trabalhosa do que ele verticalizar-se na embalagem, tendo que comprar máquina e resina ou recorrendo a um ou vários transformadores heterogêneos em sua eficiência e sem um domínio de conhecimentos equivalente ao do fornecedor do termoplástico. O saldo geral, amarra o professor, converge na esfera do leite fluido para falta de competitividade do plástico perante a caixa cartonada, esta suprida no país por duas múltis que investiram tempo e recursos para consolidar uma operação ajustada a uma perspectiva sistêmica de custos.

Porque o plástico compete com mais vigor com a caixa cartonada na Europa e EUA? “Em grande parte”, responde Cabral, “por se ajustar à noção de custos sistêmica praticada pelos clientes e por dispor de uma infraestrutura, como a malha viária, que contribui para respaldar o conjunto dos seus custos. No Brasil, além das estradas precárias em âmbito nacional, a instabilidade econômica e a baixa disseminação da análise sistêmica de custos entre os transformadores e indústrias usuárias dos recipientes empalidecem as chances de o plástico avançar mais sobre a caixa cartonada.” Além disso, arremata o professor, uma garrafa soprada de leite longa vida depende de três camadas para prover alta barreira e requer tratamento pré-asséptico, saindo assim mais cara que a caixa cartonada. “O fator custo, o poder aquisitivo restrito e a consequente cultura do público também explicam porque a participação de containers de plástico em leite e sucos no Brasil é bem menos expressiva do que na Europa e EUA”.

Tudo isso não significa que o jogo está decidido, ressalva o analista. No Brasil, lembra, o plástico foi bem sucedido em investidas com lentes sistêmicas, caso do deslocamento do vidro em potes de maioneses e da lata por stand up pouches em atomatados. “É fato que nesses redutos o plástico não deparou com oponentes tão preparados como a caixa cartonada em leite e sucos”, reconhece Cabral. “Mas o mercado brasileiro de embalagens tem evoluído, inclusive na percepção da realidade dos custos, e a ficha vai acabar caindo para todos os envolvidos”.

Jogo de conjunto
Maurício Groke, da consultoria Integrale, assina embaixo do parecer de Cabral a respeito da concepção sistêmica como chave do reino da caixa cartonada em leites fluidos e sucos. “Os fabricantes dessa embalagem tiveram o mérito de mudar a percepção sobre o produto a ser envasado através de estratégias usadas em conjunto”, ele observa. “Perceberam há bom tempo que o negócio da indústria usuária da embalagem é ter o alimento na prateleira ao melhor custo/benefício, sem ficar comprando e controlando tudo para obter uma falsa redução de gastos”. Glocke se apega, em particular, à reviravolta causada no leite fluido. “Uma embalagem que conseguiu acabar com a cadeia do frio do laticínio ao varejo, aumentar o shelf life e evitar o desperdício, retorno e descarte precoce do leite, não tinha como dar errado”.

Para o plástico sair da passividade nesse embate, condiciona o analista especializado em flexíveis, a postura dos transformadores precisa mudar. “Precisam sair da venda limitada ao produto para a do sistema integrado de embalagem e serviço, o que o setor de caixa cartonada faz muito bem”. O consultor também rechaça a suposição de que a caixa tenha menos margem de manobra para inovar sua apresentação que as alternativas em plástico. “Com o mesmo pedaço de cartonado, os produtores da caixinha conseguem fazer vários formatos, estruturas e funcionalidades, mediante recursos como diferentes cortes, dobras, colagens e soldas”.

Logística escora UHT
Como o Brasil está entre os três maiores mercados mundiais de leite longa vida (UHT), é nessa teta de lácteos que o império da caixa cartonada reluz com mais veemência. A ancestralidade puxa as justificativas para esse domínio quase absoluto, deixa claro o consenso dos especialistas da consultoria PBC Food & Beverage, reunidos pelo parceiro e colega Luiz Azevedo para atender Plásticos em Revista nesta cobertura. Conforme assinalam, a caixa e a tecnologia UHT debutaram no Brasil nos anos 80, enquanto a garrafa de sopro cextrudado de polietileno de alta densidade (PEAD) remonta a 2002, nas vestes do leite Natura Premium da Parmalat. Ou seja, concluem, quando a garrafa soprada entrou no tipo longa vida, a caixa cartonada já se estribava num parque industrial estabelecido.

Para o time de experts da PBC, repassa Azevedo, “a problemática estrutura logística do Brasil faz com que sejamos um dos mercados de maior consumo de leite longa vida”. Pulsa por trás do argumento o shelf life ofertado pelo UHT, superior ao do leite refrigerado ( pasteurizado), campos bem cobertos por sacos e garrafas de polietileno. “A rede eficiente de transportes explica a aceitação muito melhor de produtos pasteurizados e leite refrigerado nos EUA e Europa e, por extensão, a rápida evolução das suas embalagens plásticas”, amarram os analistas.

A tecla martelada dos custos, ainda mais num país em recessão, tem primazia, em leite e sucos, sobre o apelo visual da embalagem na prateleira. “Ninguém questiona a importância da vantagem de marketing contida na diferenciação da embalagem no ponto de venda”, reiteram os consultores da PBC. “Mas nesse caso a questão refere-se mais à disponibilidade no mercado de linhas de envase asséptico da caixa versus o custo do investimento em uma nova estrutura desse mesmo tipo para a embalagem plástica”.

Luis Azevedo e seus colegas antevêem um processo lento de eventual alteração na mísera fatia atual do plástico em segmentos onde a caixa cartonada manda. “Além do longa vida, ela detém por volta de 90% do cenário brasileiro de bebidas lácteas, sucos e cereais”, exemplificam. Para complicar, a prevista morosidade na mudança das embalagens é condicionada por eles ao crescimento do mercado. “Isto é, através do surgimento de novas linhas de produção ou de substituição das antigas”, delimitam. Em momentos como a conjuntura atual, de escassez de crédito, capital caro, contração do consumo e aumento na ociosidade das indústrias, esse processo tende a ser retardado, vaticina a equipe da PBC.

Procurada por Plásticos em Revista, a equipe do Centro de Tecnologia de Embalagens (Cetea) do Instituto Tecnológico de Alimentos (Ital) não quis se manifestar.

Água mole em pedra dura

A garrafa ainda é um cisco em leite e sucos. Mas é um caminho sem volta, confia a Logoplaste

Salik: Logoplaste integra frasco ao processo do laticínio.
Salik: Logoplaste integra frasco ao processo do laticínio.

Volta e meia apontada como consumidora nº1 de polietileno de alta densidade (PEAD) para sopro no país, a subsidiária da portuguesa Logoplaste tem troféus mundiais em lácteos, caso da garrafa do laticínio espanhol Asturiana e, no Brasil, assina a embalagem de PET da M&G que distingue a marca Shefa em meio ao exército de caixas cartonadas de leite longa vida. Nesta entrevista, Fábio Salik, presidente da Logoplaste do Brasil, descortina as peculiaridades da cadeia nacional láctea e de sucos e as decorrentes dificuldades para a garrafa soprada abrir caminho. Pode demorar, ele admite, mas esse carro não tem marcha à ré.

PR – Como avalia o mercado de leite fluido no Brasil?
Salik – Ele se divide, principalmente, entre o tipo pasteurizado e o longa vida (UHT). O primeiro é submetido a tratamento térmico, ao redor de 72-75ºC, por 15-20 segundos, seguido por resfriamento imediato a cerca de 4ºC. Precisa ser mantido resfriado durante a distribuição e o seu consumo, sendo sua validade em geladeira em regra inferior a uma semana. Pode durar mais, a depender da carga inicial de micro-organismos. O leite pasteurizado pode ser visto no Brasil em sacos plásticos (chamados de barriga mole) ou garrafas de polietileno de alta densidade (PEAD). As linhas de envase não são assépticas e têm custo comparativamente baixo. Já o leite UHT foi introduzido aqui na década de 70 e hoje embolsa quase 85% do mercado. É submetido a temperaturas na faixa de 130-150ºC por 2-4 segundos e resfriado a seguir a cerca de 32ºC. O processo ‘esteriliza’ o leite permitindo que resista meses em temperatura ambiente. Para tanto, o produto tem de ser embalado em condições assépticas, exigindo linhas de envase bastante complexas e caras. Suas embalagens  – caixas cartonadas e garrafas sopradas de duas ou três camadas – requerem barreira à luz, para evitar o risco de alterar sabor e odor do leite via foto-oxidação da riboflavina.

PR – Porque o consumo de UHT sobressai no país?
Salik – A vantagem óbvia é que ele permite o transporte a longa distância em temperatura ambiente e armazenamento prolongado no ponto de venda. Isso facilita a logística de forma tremenda. O leite pasteurizado, por sua vez, precisa ser entregue, comercializado e consumido em poucos dias. Acredita-se que o hábito de comprar leite UHT tenha se consolidado durante o período de hiperinflação (1985-1990), quando se fazia a ‘compra do mês’ no dia em que o pagamento chegava. O consumidor passou a preferir o longa vida por permitir a compra em grandes quantidades e estocagem por longos períodos, minimizando o impacto no poder aquisitivo pela desvalorização da moeda. Poucos países, Brasil e França entre eles, têm está preferência pelo leite UHT. Em muitos outros, quem domina é o leite pasteurizado.

PR – Por quais motivos frascos plásticos detêm, no Brasil, participação bem menor onde a caixa cartonada impera, caso de leite e sucos?
Salik – Quando se utiliza leite pasteurizado (refrigerado), a introdução de outro tipo de embalagem, como a garrafa, é muito facilitada devido ao relativamente baixo investimento em linhas de envase convencionais ou mesmo na sua adaptação. Em UHT,o envase asséptico requer um aporte bastante pesado e a tecnologia limita a mudança livre de formatos. Adaptações são muito complexas, senão impossíveis. Grande parte dos casos é regulada por contratos e a mudança pode ocorrer apenas nos eventos de renovação. Ainda assim, a alteração é onerosa, desmotivando a mudança algumas vezes.

PR – O contrato entre uma indústria alimentícia e o fabricante da caixa cartonada envolve não só a embalagem, mas o arrendamento a prazo prolongado de maquinário de formatação, envase e vedação. Quais os prós e contras desse sistema frente ao fornecimento da garrafa pelo transformador?
Salik – Para o envasador, uma vantagens evidente é a ausência de um desembolso inicial em linha de envase asséptico. O fabricante de embalagem cartonada acaba fornecendo o equipamento numa operação turn-key. A desvantagem é a inflexibilidade para mudanças de formato e tecnologia, bem como a amarração criada com o fornecedor da linha e das embalagens.

Tradbor: assédio à moda da caixa

Leites fluidos e sucos requerem assepsia, condição respondida à perfeição pelos fabricantes da caixa cartonada com um bem bolado à base da embalagem e equipamentos desse tipo de envase, vital para ampliar o shelf life em termperatura ambienre. A tiracolo do sistema de bico da parceira italiana Gualapack, a brasileira Tradbor se anima a tranpor essa receita para inserir seus stand up pouches em frentes do mercado nacional de lácteos, nos rastros da mesma ascensão no exterior. “ Surgem equpamentos de envase asséptico de pouches e devemos ter em breve novidades por aqui”, deixa no ar Alan Baumgarten, presidente da transformadora. “Estamos vindo com um conceito similar ao do cartonado, uma solução completa e focada na segurança alimentar”.
A intenção é trazer máquinas de envase construídas pela Gualapack,”tão versáteis em termos de formato quanto as linhas de cartonado e mais baratas e flexíveis em termos de velocidade”, complementa. O dirigente sublinha que esses equipamentos não tornam os pouches opção direta à caixa em todas as aplicações.” Mas já estaríamos aptos a servir de alternativa em nichos como leite condensado com nosso sistema de envase ultraclean, embalagem squeezable e tampa de refechamento”. Os pouches com bico, reitera Baumgarten, já entregam shelf life de um ano para alimentos sem conservantes, tipo purê de fruta. “Esse avanço decorre da nossa obsessão com a qualidade do filme; segurança no enchimento e pasteurização durante o envase e pós-envase e, por fim, pouches, bicos e tampas produzidos pelas normas BRC, referência mundial em segurança alimentar”.

PR – Desde o século passado, a cadeia de PEAD tenta ampliar a presença dos frascos em leite, em especial longa vida. Por quais motivos, nenhum progresso significativo ocorreu?
Salik – O grande entrave é o custo de migração da caixa para a garrafa. É necessário investimento em envase asséptico para se poder usar garrafa. Esta dificuldade deve ficar cada vez menos relevante, pois começam a aparecer empresas dispostas a seguir o mesmo padrão oferecido pelas indústrias de cartonados, possibilitando o arrendamento ou leasing de linhas de envase.

PR – Quais as peculiaridades do consumo padrão de leite e sucos na Europa e EUA que inexistem no Brasil?
Salik – Principalmente nos EUA existe a demanda por embalagens de maior tamanho. Em boa parte da Europa os tamanhos mais comuns são similares aos ofertados para leite e sucos no Brasil. O que chama a atenção, entretanto, é o domínio do leite pasteurizado no resto do mundo. Entre nós, provavelmente devido à hábitos criados à época da hiperinflação (governo Sarney), as pessoas favorecem muito o leite UHT. A logistica também pende a balança para o lado dele. Como sua validade supera a do tipo pasteurizado, o longa vida permite seu transporte a lugares remotos do Brasil e facilita o armazenamento nos pontos de venda por períodos bem mais extensos.

PR – Com base na bagagem internacional da Logoplaste, quais ações – nunca adotadas no Brasil – sugere para a cadeia plástica ampliar a penetração dos frascos em leite?
Salik – Fora do Brasil, o mercado está focado em leite pasteurizado. A Logoplaste é um dos maiores fornecedores mundiais de embalagens para lácteos. As regras para pasteurizado são diferentes das aplicadas para UHT. No mercado de longa vida, as margens são estreitíssimas, os investimentos incrivelmente altos e a concorrência é enorme. Os fabricantes de leite preocupam-se com duas áreas essenciais. A primeira é o custo. As garrafas são competitivas versus as cartonadas. Hoje existem opções de aluguel ou leasing de linhas completas de envase que permitem a eliminação do investimento inicial pelo laticínio. A Logoplaste, por sinal, auxilia na integração de todos os processos. A segunda preocupação é o preço de venda. Tomemos nesse contexto nossa garrafa multicamada de PET. Sua boca larga permite despejar o leite UHT no copo sem contra-fluxo de ar, eliminando espirros para fora. É facil de manusear e pode ser fechada novamente e armazenada em qualquer posição na geladeira. Acaba obtendo a preferência do consumidor final permitindo um maior preço no ponto de venda. Resultado: margens maiores para o laticínio num mercado em que cada centavo conta muito.

PR – Quais os resultados obtidos pela Shefa com a venda de leite UHT em garrafa de PET fornecida pela Logoplaste?
Salik – De acordo com dados de mercado, a Shefa dobrou sua participação em leite UHT e, desde o lançamento do frasco, vende tudo o que produz. A garrafa foi um claro sucesso na preferência do consumidor final, aumentando muito o giro da marca nas prateleiras. No caso da Shefa, é possível encontrar no supermercado o mesmo leite, colocado lado a lado envasado em PET e caixa cartonada. Na maioria dos casos, o leite na garrafa tem preço superior, mesmo sendo absolutamente o mesmo produto.

PR – Nos supermercados brasileiros, as prateleiras de lete e sucos são um mar de caixas cartonadas sem diferença entre si. Por quais motivos os fabricantes desses alimentos abrem mão de diferenciar pela embalagem os seus produtos no ponto de venda?
Salik – A falta de diferenciação é uma das causas de margens apertadas que já apontei. Todas as embalagens são iguais. Sabemos que o cérebro mostra-se traído ou não por um produto numa gôndola em cerca de 0,24 segundos! Assim, para poder competir pela atenção do consumidor, uma embalagem diferenciada é fundamental. A garrafa permite uma variedade enorme de formatos e decorações, destacando-se facilmente no mencionado mar de caixinhas. As empresas percebem a necessidade e a mudança naturalmente ocorrerá. Sabíamos que o início seria lento, mas temos visto muitas empresas estudando a sério a garrafa, o que deve acelerar a transformação das gôndolas trazendo mais diversidade. •

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1 Comentário

  • com certeza a mudança de caixinha para garrafa deve ter aumentado as vendas da SHEFA mas e a RESPONSABILIDADE AMBIENTAL por isso? VÁRIAS Cooperativas no Brasil inteiro estão com essas embalagens paradas nos seus centros de triagem por não poderem ser RECICLADAS.
    ESPERA-SE DESTA EMPRESA UMA POSIÇÃO PARA TRATAR DESSE PASSIVO AMBIENTAL

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