Nos bastidores do pedal

Praxe imemorial de montadoras e oficinas de carros, o uso de graxa entre o cubo de poliamida 6.6 do rolamento e o tubo-guia metálico periga comprometer, a longo prazo, todo o sistema de embreagem (platô, rolamento e pedal). O botão do alarme foi pressionado por Levi Nascimento da Silva, da área de testes da Schaeffler Brasil, última palavra em peças tipo rolamentos e sistemas como os de embreagem. Ele é o principal autor do estudo sobre esse risco potencial, premiado em fevereiro último como o melhor trabalho nacional apresentado em 2014 no congresso da Society of Automotive Engineering (SAE) Brasil.
“Estamos sujeitos a enchentes e estradas de pavimentação precária ou inexistente”, pondera Nascimento. “Esses fatores do Brasil expõem nossos veículos a extremas condições de contaminação causadas pela possibilidade de penetração de água e areia no sistema de embreagem”. Aliada a essa sujeira, ele detalha, a graxa aplicada entre o rolamento e o tubo-guia do conjunto da embreagem resulta numa mistura contraproducente. “A longo prazo, ela tende a impedir o movimento de deslizamento suave do rolamento sobre o tubo metálico, piorando a sensação de incômodo do motorista ao pisar na embreagem”, completa o engenheiro atribuindo à mistura contaminante um aumento no pedal de um fenômeno físico, a histerese (retardo na resposta de uma unidade do sistema em situação de acréscimo ou decréscimo no valor do sinal emitido).
Além de Nascimento, colaboraram nesse paper matador a equipe da  Schaeffler integrada por Kerolin Tessari, Mauricio Corrêa, Mário Privatti, Gilson Santos, Emerson Silva e Aparecido Rosa. Eles imergiram por seis meses em testes de rolamentos de embreagem, munidos de carcaça de PA 6.6 com fibra de vidro, em atrito com tubos-guias de aço. A seguir, dois meses foram consumidos na elaboração do estudo, com foco nos efeitos provocados no composto pela graxa combinada com impurezas em situações de altas temperatura e velocidade de atrito e desgaste. “A bancada utilizada na pesquisa simula a transmissão automotiva convencional, monitorando temperaturas, rotação do motor, velocidade  de deslizamento e a quantidade de acionamentos da embreagem”, descreve Nascimento. Com base nessa escora da Engenharia Experimental, as etapas cumpridas compreenderam o preparo das amostras de rolamentos; compra do sistema de embreagem, extensores e termopares; instrumentação e controle dimensional dos corpos de prova (pré e pós-ensaios); execução dos testes e análise final para redação do trabalho .
Fruto da reação de hexametileno-diamina e ácido adípico, PA 6.6 reina sem oposição, deixa claro o estudo campeão, na injeção da carcaça de rolamentos de embreagem. “Utilizamos no ensaios rolamentos  com cubos de PA 6.6 com 25% de fibra de vidro”, especifica o engenheiro. Resultante de caprolactama, a alternativa de PA 6, analisa o técnico, interfere de modo desfavorável na estabilidade dimensional do produto acabado por absorver mais umidade que o tipo 6.6. “Não só é boa a resistência à abrasão da poliamida, como seu coeficiente de atrito acusa bastante influência da rugosidade da superfície, velocidade de deslizamento e pressão de contato”, ele expõe. Em suma, explica, o coeficiente de atrito diminui com o aumento da pressão e da rugosidade. “O injetado de PA 6 apresenta melhor acabamento superficial, atributo capaz de contribuir para a redução do desgaste”, coloca Nascimento, “ mas peca pela instabilidade dimensional devido à absorção de umidade, podendo impedir o deslizamento do rolamento da embreagem sobre o tubo-guia”. Diante da supremacia de PA 6.6 nesta aplicação, carcaça dos cubos de rolamento, o engenheiro considera que a adição de bissulfeto de molibdênio à sua estrutura teria o condão de diminuir seu coeficiente de atrito.
Em seu experimento, Nascimento debruçou-se sobre dois mecanismos geradores de desgaste: adesão e  abrasão. “No primeiro caso, ocorre transferência do material mais mole ao mais duro, enquanto o segundo acontece devido à incidência de partículas sólidas entre as superfícies de contato. O material desgastado é arrancado da peça através de fadiga, microcortes ou microfraturas”.
O estudo desvendou a influência da graxa empregada entre carcaça de PA 6.6 e o tubo de aço na variação de histerese do pedal. Quebrou um paradigma na cultura automobilística , portanto, ao provar que a presença de graxa entre o rolamento da embreagem e o tubo-guia pode ter efeito contrário num ambiente muito sujo. “Se não for possível minimizar a entrada de contaminantes, melhor evitar o uso de graxa e deixar a própria sujeira atuar feito lubrificante sólido”, sustenta o pesquisador. Se o sistema de embreagem estiver protegido de contaminação externa e sem graxa entre o rolamento e o tubo-guia, conclui Nascimento, a força aplicada no acionamento do pedal de embreagem aumenta consideravelmente ao longo do tempo, a ponto de travar o rolamento. “O processo de desgaste é a adesão”, reitera o engenheiro. “Há transferência de material do cubo para o tubo-guia, gerando uma camada de poliamida na peça e assim impedindo o deslizamento do rolamento”.
O quadro muda de figura se o sistema de embreagem estiver protegido contra a entrada de impurezas e contiver graxa entre o rolamento e o tubo guia. “A força máxima aplicada no pedal varia pouco, o deslizamento é suave e com mínimo desgaste, sem poliamida aderida no tubo metálico e sem abrasão”, completa o técnico.
Outra constatação aferida na pesquisa: sem graxa associada à sujeira que entrar no sistema de embreagem, haverá aumento da força do pedal ao longo do tempo. “As partícula sólidas ficam presas na graxa, provocando perda das propriedades lubrificantes e o desgaste, nesse caso,  é gerado por abrasão e adesão”, observa o especialista.
Na hipótese de ausência de graxa entre o rolamento e o tubo-guia e ocorrendo a entrada de contaminantes do meio exterior, a força no pedal aumentará pouco, atesta o estudo premiado pela SAE. “O desgaste transcorre por abrasão, mediante ação das partículas duras arrancando material na interface de contato”, conclui Nascimento. “Mas essas mesmas partículas também possuem efeito lubrificante, permitindo o deslizamento do rolamento”. •

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