Impróprio para cardíacos

A intensa valorização do dólar ante o real tende a melhorar as exportações de transformados plásticos e conter a entrada de importados. Contudo, devido ao expressivo aumento de custos que atinge o setor este ano, o efeito positivo do novo patamar do câmbio será limitado. Energia elétrica, por exemplo, salta de questão secundária no passado recente ao topo da lista negra dos algozes do setor, na garupa de altas fortíssimas na tarifa, constata na entrevista a seguir, José Ricardo Roriz Coelho, presidente da Associação Brasileira da Indústria do Plástico (Abiplast). Para complicar, ele evidencia, o fog na serra do mercado piorou com o noticiário das intenções da Petrobras, justo o pivô do último rearranjo na segunda geração do plástico, de debandar das resinas vendendo sua participação na Braskem, único fornecedor local de polietileno (PE) e polipropileno (PP) e o maior de PVC. Quanto à transformação, Roriz adverte em seu depoimento, urge espanar suas políticas de gestão e produtividade e ligar play nas possibilidades de fusões e aquisições, de forma a atravessar a turbulência atual sem queda de altitude e depressões do piloto para emergir a salvo lá na frente.

José rRcardo Roriz Coelho
Roriz: disputa com importações não muda.

PR – O balanço dos primeiros 100 dias do governo Dilma levou a Abiplast a alterar suas previsões originais para o resultado do setor este ano?
 Roriz – Sim, nossa projeção foi revista para pior. 2014 não foi um ano bom e 2015 incorporou alguns problemas do ano passado. O Programa de Sustentação do Investimento (PSI) do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Industrial (BNDES) será menor, impactando os investimentos que já andavam fracos. Além disso, as taxas de juros aumentaram e um cenário de desemprego se aproxima, o que resultará em baixa propensão a compras e consequente redução de demanda. A desoneração da folha de pagamentos também foi revista e, assim, teremos um aumento de impostos na cadeia produtiva, principalmente na transformação. Do lado positivo há o câmbio.Mas, para o setor plástico, ele surtirá pouco efeito, pois seus maiores custos são matéria-prima, energia elétrica e mão de obra. Custo com pessoal será pior, por conta da revisão da desoneração da folha e a energia já aumentou mais de 24%. Nossa matéria-prima é dolarizada e, como temos poucos fornecedores, há recomposição de preços atrelados ao dólar. Para nós, é difícil fazer esse repasse – as condições de mercado estão ruins para tanto. Teremos, assim, uma situação em que os três maiores custos da indústria do plástico serão tremendamente afetados ao longo do ano. Talvez tenhamos uma concorrência menor com produto de fora, devido ao aumento do dólar. Porém, como teríamos de aumentar nosso preço para compensar os maiores custos de produção, ele ficaria igual ao do importado. Então a competição continuará a mesma. Vemos a situação com muita apreensão, preocupação e até um pouco de pessimismo, pois não enxergamos ações coordenadas para a reversão do quadro. Além disso, o país enfrenta uma crise política e a presidente tem pouca margem de manobra. Para ela, falta liderança para encadear as mudanças que o Brasil precisa. Para completar, está aí uma forte crise econômica, com as contas do país totalmente fora de lugar e agora começa uma crise social, com a população indo para a rua reclamar de uma série de fatores.

PR – Qual é a nova projeção para o desempenho do setor plástico em 2015?
 Roriz – Para a economia, as previsões variam de -0,8% a -1%. Para a indústria, se prevê -2% ou -3%. O setor plástico estará próximo ao geral da indústria.

PR – Pelo visto, o empresariado partiu para uma atuação política mais incisiva, formando frentes parlamentares. Em um momento de desgoverno isso funciona?
 Roriz – Essas pressões por parte da indústria estão difusas. Não temos um diagnóstico claro da situação do país e sobre o quê deveria ser feito. A Abiplast participa dessas ações por meio das federações das indústrias e associações. Aderimos àquelas que pressionam para a indústria brasileira, que vem perdendo participação no PIB e paga um terço de todos os impostos arrecadados, mostrar ao governo que precisamos reverter esse processo de desindustrialização. Toda frente para defender a indústria é bem-vinda, mas é necessário ter foco.

PR – Acredita que o aumento dos preços administrados e do custo de capital dilui a vantagem que o câmbio daria para exportar?
 Roriz – É claro. A matéria-prima é oligopolizada, então não há vantagem. Os preços administrados aumentaram, incluindo energia. Em um primeiro momento há ganho com câmbio, que logo perde efeito com todos esses outros fatores.

PR – Você participou de forma decisiva do último ciclo de rearranjo da petroquímica, atuando pela Suzano. Qual a sua visão de como ficará o setor se a Petrobras vender sua participação na Braskem e sair da petroquímica?
 Roriz – Não é possível desenhar um quadro exato. Primeiramente, essas informações são muito recentes. Foi noticiado que a Petrobras poderia vender ativos da área petroquímica visando concentrar investimentos em exploração e produção de petróleo e arrumar as contas. É possível fazer simulações de alternativas. Porém, é inviável ter uma petroquímica que não esteja ligada a uma empresa produtora de petróleo e de matéria-prima (nafta e gás) ou que não tenha contratos de suprimento de longo prazo. Se a evolução desse processo culminar com a saída da Petrobras do setor, essa empresa que vai ficar ou outra que vai entrar só funcionará se houver garantia de fornecimento de matéria-prima competitiva por longo prazo.

PR – No mundo inteiro, com a queda do petróleo, os preços dos derivados também baixaram. No Brasil, isso não ocorre. Quais as consequências desse descompasso para a cadeia do plástico?
Roriz – Nossa preocupação é que no mundo inteiro a energia caiu e no Brasil, subiu. Isso já acontecia lá fora devido ao gás de xisto. A questão da energia coloca ainda mais em risco o futuro da cadeia do plástico no país. Outro problema é a falta de investimento. A Braskem desistiu de fazer a parte petroquímica do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj) e o apetite da Petrobras para realizar algo nesse sentido é mínimo. Enquanto isso, Estados Unidos e México investem em plantas novas para fazer resina via gás. O Brasil terá mais petróleo, mas ele não será direcionado para aumentar as capacidades petroquímicas. Além de não termos volume adicional, os preços estarão totalmente fora da realidade internacional.

PR – A exploração de petróleo em águas profundas está em xeque por conta do gás de xisto?
Roriz –
Uma coisa não está relacionada com a outra. O pré-sal é um ótimo negócio. Quando foram feitas as análises do pré-sal, foi estabelecido que o barril deveria estar entre US$ 50 e US$ 60 para a exploração ser economicamente viável, com reservas apresentando custo de produção de US$ 27. No pós-sal, cada poço dá 3.000 barris/dia de produção de petróleo a 19 API (API Gravity, escala medidora da densidade dos líquidos derivados do óleo) pesado e de qualidade inferior. A realidade do pré-sal mostra que cada poço gera entre 25.000 a 30.000 barris/dia a 29 API, um petróleo de excelente qualidade. A produtividade dos poços aumentou, os investimentos são menores e o custo de produção diminui à medida que a escala avança. O pré-sal hoje, mesmo com o petróleo a US$ 60, é extremamente atraente. Não haverá problema algum se o preço do barril ficar, por dois ou três anos, nesse patamar. Esta é uma fase de investimento e o pré-sal só vai entrar para valer em 2019 ou 2020. Até lá, o petróleo pode estar a US$ 60 ou poderá ter voltado a US$ 100. Ninguém investe em petróleo para vender no outro dia. Entre descobrir e começar a vender, leva-se pelo menos oito anos. Tudo indica que, a médio ou longo prazo, não haverá quedas maiores do que acontece agora. Além do mais, o preço do barril entre US$ 60 e US$ 80 bloqueia o desenvolvimento de petróleo não convencional, como via shale gas. Há uma mudança da política norte-americana, que estava muito belicosa sob o comando anterior dos partidos republicanos. Houve conflitos com Irã, Iraque e Venezuela e, por isso, uma piora da imagem dos Estados Unidos no mundo. O maior amigo dos Estados Unidos é a Arábia Saudita e eles estão ligados como mãe e filho por conta da dependência de petróleo. A produção saudita é barata, estimada em menos de US$ 1. Desse modo,o país pode deixar o petróleo a US$ 30 e ainda estará ganhando muito dinheiro. Os Estados Unidos estavam explorando o gás de xisto, entrando em petróleo não convencional e desenvolvendo outras rotas energéticas, como a eólica. Se essas fontes corresponderem a mais de um terço de todo o volume de energia hoje detido pelo petróleo, diminui-se o poder de pressão dos grandes produtores (N.R. produtores não afinados com os EUA, como Venezuela, Iraque, Rússia etc.). A escala também faz com que o petróleo não convencional diminua seu custo. Se essa situação permanecer por um ou dois anos, o norte-americano freará a evolução das rotas não convencionais e matará algumas empresas que vinham crescendo e ganhando dinheiro com isso. Como resultado, diminui-se a oferta. Depois, aumenta-se o preço do petróleo a US$ 100, garantindo suprimento aos Estados Unidos a esse preço por alguns anos.
No Brasil, a Petrobras está tirando o que há de ruim de dentro dela. Está tirando a corrupção, diminuindo os custos de projetos e melhorando a governança. Ela removeu os projetos sem rentabilidade das refinarias, como o Comperj que ficaria bem mais caro do que Abreu e Lima. Enquanto isso, a Petrobras está mantendo o que tem de bom, que são as reservas e o corpo técnico qualificado.

PR – A petroquímica é essencial para a Petrobras?
Roriz – Não. O negócio da Petrobras é explorar e produzir petróleo.

PR – O racionamento de água e eletricidade está na tela do seu radar?
Roriz – Racionamento não nos preocupa e não vejo possibilidade de colapso. O ponto crucial é o custo da energia. Lá fora, a energia está baixando e aqui o aumento é absurdo.

PR – Com esse quadro, a indústria de transformação de plásticos chega a dezembro de 2015 menor ou com o mesmo número de empresas de janeiro?
Roriz –
Algumas empresas não vão atravessar esse processo. O volume de crédito envolvido com as companhias citadas na Lava Jato chega a R$ 130 bilhões. Os bancos estão seletivos na concessão de crédito e isso tem chegado à indústria de transformação. Algumas empresas terão, inclusive, problemas com refinanciamento de suas dívidas. Em um cenário de vendas baixas e escassez de crédito, o processo de fusões e consolidação será acelerado. Se isso não acontecer, várias empresas desaparecerão do setor.

PR – As novas gerações de funcionários e empreendedores dão preferência ao setor de serviços, hoje dono de mais de 70% do PIB. Como isso afeta a transformação de plásticos?
Roriz – Há pouco tempo, a indústria de manufatura correspondia a 27% do PIB. Hoje em dia, está na faixa de 12%. Ou seja, o setor encolheu. Fazer qualquer investimento na área industrial é difícil devido ao alto custo de capital, elevada carga tributária, burocracia e insegurança jurídica. Há também problemas na área trabalhista. Isso faz com que a nova geração busque alternativas de crescimento profissional ou de investimento fora desse eixo tão complicado.

PR – Acha preocupante a escassez de sangue novo no setor?
Roriz – Sim. Isso não acontece só na transformação de plásticos, mas em toda a indústria de manufatura. Percebo muitas vezes que filhos de empresários não acompanham o que os pais construíram ao longo do tempo. E, mais do que isso, não há empresários novos que se interessem em entrar na área de plástico para empreender e inovar.

PR – A indústria no mundo está evoluindo para a automatização e nós ainda temos problemas com qualificação de mão de obra, que, além de desinteressada, considera esse trabalho rudimentar. Xeque-mate para a indústria brasileira de transformação?
Roriz – Falta de qualificação é um grande problema até pelo sistema educacional brasileiro. Uma fábrica, quando contrata um funcionário, leva um tempo grande para treiná-lo até que esteja apto a realizar o trabalho. Às vezes, depois de treinado, ele percebe que esses processos são repetitivos e monótonos e acaba mudando para outras áreas (N.R.-fora do campo industrial), nas quais o ambiente de trabalho é mais atraente. É um alto custo de investimento para uma rotatividade preocupante. Lá fora, a solução para isso é automatizar. No Brasil, essa evolução está bem abaixo do que acontece no exterior. Tal conjuntura resulta em um problema sério, pois nossos custos de produção são excessivos e nossa produtividade é baixa. No Brasil, como o custo de investimento é elevado para fazer as modificações necessárias, pagaremos um preço alto lá na frente.

PR – Se o Brasil estivesse crescendo na faixa de 3%, o setor plástico entraria em colapso por rodar com alta ocupação e energia insuficiente?
Roriz – Haveria alguns gargalos e energia é um deles, mas crescer 3% por cerca de três anos não seria um problema, já que existe ociosidade no setor. Porém, teríamos dificuldades sérias se houvesse crescimento sustentado em médio prazo, por conta da infraestrutura ineficiente e custos sistêmicos espalhados pela economia toda. •

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