As sobras do desencontro

A velocidade da evolução tecnológica se descolou do tempo que a humanidade leva para captar as mudanças

Há menos de um ano, uma ala de transformadores de utilidades domésticas defendia em reportagem de Plásticos em Revista que a barreira dos custos complicava o desembarque da internet das coisas nos artefatos plásticos de baixo valor agregado. Essa corrente acaba de ser silenciada pela startup israelense Water.io, ao prever um relacionamento do consumidor com tampas como as de garrafas de água bem além da abertura e fechamento. Os sensores eletrônicos da empresa habilitam as tampas a prover informações sobre o uso e vida útil do conteúdo envasado, o número de vezes em que a garrafa foi aberta, a quantidade de líquido remanescente no recipiente, ou então, de avisar quando o produto acabou e, assim, exige nova compra. A Water.io se propõe ainda a conectar os sensores das tampas aos celulares dos usuários, para postar-lhes lembretes sobre a bebida adquirida. Respeitados os limites legais, ela também cogita repassar à indústria final determinados dados colhidos pelos sensores, para suprí-la de uma noção mais nítida de como o produto é consumido, conhecimento ouro puro para nortear as estratégias de vendas.

O heureca da Water.io encarna o ritmo acelerado das mudanças tecnológicas e culturais que hoje desafiam a capacidade de adaptação do ser humano. Esta é a percepção justamente do pai de uma dessas rupturas, Eric Teller, CEO do Laboratório X de P&D da Google. Dali saiu o carro elétrico e autodirigido da empresa – símbolo do abalo sísmico em curso no setor e mercado automobilísticos, de impacto direto nas autopeças plásticas, revela a matéria de capa desta edição.

Retomando o fio, Teller nota que, no século passado, demorava de 20 a 30 anos, como ilustra a ascensão do avião, até que uma invenção avançasse o bastante para as pessoas sacarem que o mundo e a vida tinham se tornado muito diferentes. Acontece, ele segue, que esse intervalo caiu hoje para a média de cinco a sete anos. Noves fora, sustenta o cientista, a velocidade do progresso tecnológico transcorre acima da média do tempo que a maioria dos mortais pode assimilar essas transformações, um descompasso por ora irresolvido. Teller exemplifica com o nocaute da aplicação prática das patentes. No passado, lembra, a praxe era contemplar o inventor com o monopólio de sua ideia por 20 anos, liberando geral as informações a partir daí. Mas, no I Mundo uma patente demora de quatro a cinco anos para ser concedida e, hoje, nesse ínterim, é real a possibilidade de o invento ficar obsoleto quando a patente sair.

Teller cava mais fundo. Nas décadas seguintes à invenção do motor a combustão, antes de engarrafamentos tirarem o prazer de guiar, houve a implantação gradual das regulamentações de trânsito, muitas delas em vigor, ele assinala. Mas a revolução digital hoje colide com uma infinidade de artigos da legislação, exasperando motoristas, pedestres, empresas e o próprio poder público. O smartphone, cita Teller, inspirou a criação do Uber. No entanto, alerta, antes que se chegue a uma normatização desse transporte compartilhado, o carro autônomo terá aposentado essas regras. Conforme compara, é como se as pessoas estivessem a 8 km/h numa esteira rolante de aeroporto, de súbito, a velocidade pula para atordoantes 25 km/h. No Brasil, então, nem se fala. Sobram leis hiper defasadas em todas as frentes do Direito (para alegria de um mundaréu de infratores impunes).

Nos tempos pré-internet, relembra Teller, os ciclos maiores de inovação davam mais tempo à humanidade para absorver numa boa as mudanças; havia só uma desestabiização momentânea e natural no começo dessa assimilação. Com a janela do tempo hoje bem menor para se apreender as disrupturas tecnocientíficas, ele amarra, passamos a viver num estado permanente de instabilidade até angustiante e que precisa ser transformado numa estabilidade dinâmica. “Existem algumas maneiras de ser e de estar, como quando andamos de bicicleta”, pondera o dirigente da Google. “Não podemos ficar parados, mas, uma vez que estejamos em movimento, tudo fica mais fácil. Não é nosso estado natural, mas precisamos aprender a viver assim”.

Não adianta suspirar de saudade de quando as tampas eram só tampas.

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