As cortinas vão abrir. E agora?

O próximo governo quer reduzir tarifas e barreiras às importações. O setor de máquinas para plástico espera contrapartidas

Por meio da redução de alíquotas de importação e barreiras não tarifárias, a abertura da economia brasileira é pedra cantada do programa de governo de Jair Bolsonaro. No âmbito específico do setor plástico, esta guinada no comércio exterior pega a indústria nacional de máquinas básicas e auxiliares para transformação num momento singular. Entre as lacunas pendentes, o segmento, tal como a manufatura brasileira em geral, sente na carne competitividade insuficiente para o convívio mais de perto com importações, devido às notórias mazelas do Custo Brasil e, do lado do maquinário para plástico, em razão de um crônico descaso quanto ao cumprimento de obrigações básicas, como dispor para o público de uma noção do que é o seu mercado, de modo a justificar as posições da indústria com provas e indicadores numéricos. Não se sabe, por exemplo, qual o valor e volume de vendas anuais desses equipamentos, seja no plano geral ou por categoria, muito menos se tem uma estimativa do parque de máquinas e periféricos na ativa na transformação brasileira, assim como dados sobre sua vida útil. Para engrossar o caldo, a alta ociosidade na capacidade da transformação, assim como o câmbio errático, capital de giro caro, acesso dificultado ao crédito, poder aquisitivo anêmico, taxas maciças de desemprego e demais entraves no gênero, diminuíram bastante a procura por equipamentos nos últimos anos, ainda mais num momento de vertiginosa velocidade do progresso tecnológico mundial e não há crise capaz de reter a propagação da revolução digital em bens de capital. Um raro ponto de consenso no planeta é a visão do Brasil como uma economia bastante fechada. O governo Bolsonaro quer varrer de cena esta imagem e a indústria nacional de máquinas para transformação de plástico está sob o fogo dessa transição.
Ricardo Prado Santos, vice-presidente da Piovan do Brasil, atua em periféricos como fabricante no país e importador de determinados equipamentos da sua corporação múlti.

“O Grupo Piovan opera por diversas modalidades, produzindo em certos países, importando e distribuindo”, explica o dirigente. “Portanto, sejam quais forem as regras do jogo no próximo governo, estamos aqui para apoiar os clientes”. Quanto à abertura pretendida por Bolsonaro, Prado frisa ser crucial contemplar a indústria nacional com condições de competição similares às desfrutadas por empresas do exterior que venham a ser distribuidoras de seus equipamentos no Brasil. “Segundo o noticiário até o momento, o objetivo do próximo governo é possibilitar o crescimento da indústria local, geradora de muitos empregos de boa qualidade, conhecimento e evolução para seus parceiros e colaboradores”.

Mesmo sob o peso da descapitalização e ociosidade atuais, o incremento de soluções de automação do processo, antevisto com as importações facilitadas, tende a bafejar os transformadores de plástico, pondera Prado. “O aumento de investimento em automação transcorrerá de forma natural, uma reação de confiança visível à medida em que o novo governo proponha soluções técnicas corretas e com resultados positivos na sua implementação”, ele deduz. “Ao contrário do que se propaga por aí, a indústria brasileira é bem competitiva da porta para dentro, mas esta condição é ofuscada pelo impacto do Custo Brasil”.

Automação: competitividade brasileira favorecida pela abertura comercial defendida pelo governo Bolsonaro.

Uma referência do pique da transformação brasileira, ele coloca, é o interesse mantido nesses anos de economia à deriva por soluções da Piovan para aprimorar os processos. “Mesmo nos momentos mais críticos dos últimos anos, instalamos periféricos bastante avançados, como equipamentos de secagem auto-adaptativos Modula, no qual o próprio sistema se controla para garantir processo estável de secagem, ou linhas de refrigeração integrada com dry coolers Aryacool, munidas de bombas variáveis para viabilizar economia energética”. Em paralelo, ele frisa presenciar uma procura acentuada por soluções compatíveis com o conceito Indústria 4.0. “Por exemplo, a interligação dos processos e controle de energia através do nosso software Winfactory 4.0 ajuda o cliente a ter controle absoluto da industrialização”.

“Proteção sempre foi necessária”
A remoção do Custo Brasil é crucial para as máquinas brasileiras se aclimatarem à abertura econômica prometida por Bolsonaro, deixa patente Newton Zanetti, diretor da Pavan Zanetti, nº1 nacional em sopradoras. “A proteção à indústria nacional sempre foi necessária porque governo algum, até hoje, conseguiu reduzir nossa diferença de competição, ou seja, o Custo Brasil, enquanto a concorrência externa em regra não tem esse ônus”, coloca Zanetti. “Se o Custo Brasil for reduzido ficará difícil defender as atuais proteções. A curto ou médio prazo será difícil cumprir este requisito e, até a mudança no quadro, algum tipo de proteção teria que permanecer”.

Como Prado Santos, Zanetti enxerga hoje a transformação de plástico em luta contra a ociosidade, mas motivada à modernização do parque fabril se sentir que as mudanças defendidas pelo próximo governo não são retóricas. “Temos um longo caminho para retomar a capacidade produtiva porque o desemprego é muito grande e sem geração de produtos de trabalho não se consome”, observa o industrial. “Se essa abertura for realmente para valer, o transformador terá à sua disposição todo tipo de oferta de máquinas, mas acredito que os fabricantes nacionais, também contemplados com mais acesso a determinados componentes de primeira linha do exterior, têm muito a oferecer em termos tecnológicos, fora um nível de assistência nem sempre encontrado com facilidade no comércio das máquinas importadas”. Em seu balanço do ânimo dos compradores de suas sopradoras desde 2015, Zanetti nota que os percentuais de vendas de linhas de maior produtividade e valor agregado, por se destinarem a setores balizados por estratégias de planejamento e pelo cumprimento de contratos de fornecimento, esfriaram bem menos que os indicadores de outros segmentos.

Ônus sem similar mundial
Paolo de Filippis veste dois chapéus em sua atuação em máquinas para transformação de plástico.Sua empresa Wortex é referência na montagem nacional de sistemas de reciclagem, além de atuar na importação de máquinas da parceira italiana Amut. Com base nessa postura, ele avalia com cautela os possíveis efeitos da abertura da economia defendida por Bolsonaro. “Como é de conhecimento geral, mesmo com as importações já oneradas, setores como os de bens de capital não estão protegidos como muitos pensam”, ele sustenta. “Afinal, o Custo Brasil é muito mais alto que a praxe mundial e decorre de impostos internos que pagamos em cascata e despesas como o custo financeiro de capital. Assim, uma liberação maior do imposto de importação será mais um golpe na nossa já combalida indústria e só se justificará se acompanhada da redução e simplificação da carga tributária e acesso ao crédito franqueado a empresas de todo porte a taxas nos patamares vigentes em países exportadores de máquinas como os europeus, China e EUA”.

Os sistemas fechados de reciclagem mecânica da Wortex, agrupados sob a marca Challenger, têm conseguido conviver com menos escoriações aos últimos anos recessivos, deixa claro de Filippis. Entre as razões, ele cita o desenvolvimento de soluções para recuperar materiais antes dificultosos de processar de forma econômica e eficiente. “A Linha Challenger da geração II abriu a recicladores o processamento de refugos como materiais impressos, multicamada, rígidos e flexíveis ou misturados, além de possibilitar a adição de cargas mineriais e masters coloridos”, ele descreve. O rol de inovações segue com o equipamento Challenger Econoline, para processar materiais rígidos e flexíveis aglutinados pós-consumo, e um sistema para operar ao pé de extrusoras de filme, capaz de reciclar 90 kg/h de polietileno e e 60 kg/h de polipropileno. Se a abertura perseguida por Bolsonaro emplacar, pressupõe de Filippis, deve crescer a procura por equipamentos importados da Amut, como extrusoras de stretch, equipamentos de chapas para termoformagem in line e maquinário para tratamento e reciclagem de lixo urbano, este último item de demanda por ora empacada pela pindaíba do poder público e insegurança jurídica para se firmar contratos de prestação dos serviços.

Mercado magnetizante
Agente no Brasil do grupo alemão Reifenhäuser, pedra de toque em extrusoras da nata mundial, Márcio Viviani refreia o entusiasmo diante da perspectiva de abertura da economia a partir de 2019. “Nenhuma economia fechada funciona bem, pois limita a competitividade e favorece uma acomodação”, ele interpreta. “Com bens de capital, esses efeitos são multiplicados porque os provedores nacionais tendem a desfrutar de certo protecionismo que não incentiva o desenvolvimento e os investidores, por sua vez, ficam sem acesso a equipamentos de padrão mundial e perdem exportações por falta da eficiência apresentada pela concorrência estrangeira”. De outro ponto de vista, ele comenta, a simples liberação geral poderia colocar a indústria nacional em incômoda competição com equipamentos de origem duvidosa a preços irreais para as condições brasileiras. “Eu sempre defendi a abordagem mais técnica e imparcial”, frisa Viviani. “A pergunta a ser respondida é se os dois equipamentos (nacional e importados) em questão são ou não similares. Isso deve definir quando e quanto as barreiras tarifárias se mostrariam procedentes”.

Manda a lógica que a redução tarifária alargaria a competitividade em preço dos equipamentos importados num contingente maior de transformadores no Brasil. “É comum depararmos com empresas menores utilizando máquinas ‘até o osso’ por limitação da capacidade de investimento”, nota Viviani. “Mas isso acaba impactando em custo de refugo, energia e produtividade e, desse modo, espera-se que, num ambiente mais previsível, os empreendedores comecem a renovar seus parques industriais com equipamentos nacionais e importados”. Mesmo em tempos nublados, como os dos últimos anos, as marcas globais de máquinas nunca puseram o Brasil de lado, observa Viviani, tomando a Reifenhäuser como exemplo. “Vendemos equipamentos de cinco anos para cá e sempre encontramos transformadores que reconhecem a qualidade da tecnologia”, ele argumenta. “Além do mais, um mercado de 200 milhões de habitantes nada tem de desprezível”. Na mesma trilha, ele espera que uma conjuntura de abertura e retomada lenta e gradual, dadas as pressões inflacionárias, decerto vai mudar a tímida postura até aqui mantida no país por diversos fabricantes internacionais de máquinas básicas e periféricos. “Eles virão disputar este mercado com mais energia”, confia Viviani. •

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