A muleta do vinil

O antidumping para PVC dos EUA e México expira em dezembro. Há 21 anos em vigor, ele deve ser renovado?

muletasVem do PVC a mais vistosa contribuição do setor plástico a uma imagem para a qual o Brasil não liga a mínima e, por isso mesmo, sofre ao máximo: a de uma das economias mais fechadas do planeta. Há 21 anos seguidos, recorde em protecionismo no gênero, os transformadores nacionais do vinil em suspensão arfam sob o peso das renovações quinquenais da sobretaxa antidumping de 16% para importação da resina dos EUA e de 18% para a mexicana. Em 9 de dezembro próximo, expira o prazo do último ciclo de renovação pelo governo da tarifa adicional e, perante um mercado doméstico e mundial de PVC sem nada ver com sua foto em 1994, a pergunta de US$ 1 milhão é: a conjuntura justifica a prorrogação ou o enterro de mais essa tranca do país na porta do livre comércio?

“Não há dúvida de que a proteção conferida aos produtores de PVC é supérflua e prejudicial ao conjunto da economia brasileira”, considera José Tavares de Araujo Jr., diretor do Centro de Estudos de Integração e Desenvolvimento (Cindes) e ex-secretário da Comissão de Política Aduaneira, da Câmara de Comércio Exterior e de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda. “Mas, infelizmente, existem diversas outras medidas antidumping em vigor no Brasil, igualmente lamentáveis e destinadas a fortalecer o poder de mercado dos monopolistas, como é o caso de acrilato de butila (Basf), tubos de plástico para coleta de sangue a vácuo (Greiner) e borracha de estireno (Lanxess). PVC é parte de um segundo grupo de privilegiados, composto por duopólios e oligopólios”. Segundo a Organização Mundial do Comércio, repassa o economista, entre julho de 2013 e julho de 2014, o Brasil foi, pela quarta vez consecutiva, o líder mundial na abertura de ações antidumping, com 66 casos iniciados. “Este ativismo constitui uma ilustração eloquente daquilo que o economista chileno Fernando Fajnzylber denominou protecionismo frívolo, que ocorre quando as restrições às importações são inúteis para promover o desenvolvimento da indústria nacional e apenas elevam os custos dos demais setores da economia”.

Em setembro passado, Tavares apresentou no 11º Fórum de Economia da Fundação Getúlio Vargas-SP um estudo de título provocante: O Enigma da Política Industrial no Brasil. “A origem deste aparente enigma é sabida”, ele declara logo na introdução. “Embora o país disponha de instrumentos adequados de defesa da concorrência e de incentivo à inovação, o governo vem insistindo, sobretudo desde 2006, em promover políticas que anulam a eficácia daqueles instrumentos, como a manutenção de uma estrutura aduaneira que prejudica a competitividade de vários setores industriais; regras de conteúdo local que elevam os custos dos investimentos; medidas antidumping que fortalecem o poder de mercado dos oligopólios que atuam nas indústrias de bens intermediários, uso de tributos domésticos para restringir importações e alterações frequentes na lista de exceções da Tarifa Externa Comum (TEC) do Mercosul”.

Ações antidumping, observa Tavares em seu trabalho, são instrumentos de proteção típicos de economias abertas. No Brasil, explica, a legislação antidumping vingou em 1987 para criar mecanismos compensatórios para o processo de abertura comercial a ser ativado com a reforma da tarifa aduaneira em 1988. “Numa economia aberta, a função cumprida pelas medidas antidumping é a de conferir proteção seletiva e temporária àquelas indústrias que não estão preparadas para enfrentar a concorrência de importações”, atesta no texto o analista do Cindes. A alusão à aplicação provisória do antidumping tromba na prática com os 21 anos em campo da sobretaxa brasileira para PVC dos EUA e México.

Na média entre 2002 e 2005, expõe Tavares, o Brasil abriu sete investigações antidumping por ano. De 2007 a 2013 foram 193. “Este ativismo”, aponta o economista em seu estudo, “exacerbou duas características perversas das ações antidumping no Brasil: a proteção de monopólios e oligopólios e o foco em bens intermediários, sobretudo os produtos químicos e siderúrgicos. Tavares encaixa PVC entre os intermediários assim protegidos “cujos preços geram impactos generalizados sobre a estrutura industrial do país”, completa. As medidas antidumping, ele arremata no trabalho, “apenas elevam o patamar de proteção conferido no Brasil a estas indústrias, que já é um dos mais altos do mundo”. De fato, a alíquota brasileira de 14% aplicada a importações de termoplásticos com similares locais, PVC entre eles, é notória no ramo como uma das mais elevadas do planeta.

20 anos atrás, quando o antidumping debutou, era outra a paisagem no mercado do vinil. “Em 1995, o volume de PVC importado correspondia a perto de 10% da produção interna”, situam Roberto Ribeiro e Simone de Faria, analistas da consultoria norte-americana Townsend. “No ano passado, tivemos no país uma relação de, praticamente, 50% de vinil importado perante a produção nacional, o maior índice no gênero aferido entre as resinas termoplásticas”. Noves fora, torpedeia a dupla, “a sobretaxa não está servindo para frear a importação, mas para resolver uma questão de margem de venda. Isso vai reduzindo a competitividade da cadeia e acabamos pagando a conta dessa ineficiência econômica”.

Simone e Ribeiro enxergam as importações atuais de PVC concentradas ao extremo, pois 50% do volume total provêm da unidade colombiana da Mexichem e uma fatia acima de 25% é remetida da Argentina pela Solvay Indupa. Ambas as empresas negaram entrevista e suas resinas chegam ao Brasil isentas de tarifas alfandegárias, cortesia do Mercosul e acordos comerciais bilaterais. “Os EUA participaram com apenas 5% do volume do vinil trazido em 2014, índice previsto para sequer chegar a 2% no exercício de 2015”, vaticinam os dois consultores, afirmando que o México nem dá as caras nas suas estatísticas. “Se o antidumping for renovado em dezembro, sua eficácia deve limitar-se a 5% das importações brasileiras do polímero”, assinalam Simone e Ribeiro. “Além do mais, barreiras antidumping têm que ser pontuais, para ajudar o país protegido a ganhar competitividade e não para servirem de muleta e travar o desenvolvimento da indústria ao longo dos anos”.

Os dois experts afirmam desconhecer medidas antidumping com a duração da imposta pelo governo brasileiro a PVC do México e EUA. “O mercado mundial do vinil mudou de forma drástica nos últimos 20 anos”, eles ponderam. “Aconteceram movimentos de consolidação entre produtores do polímero, a ascensão de fornecedores asiáticos, o fechamento de plantas nos EUA e Europa e mudou o perfil de consumo da população”.

Se, uma vez expirada sua validade em dezembro, o antidumping para PVC dos EUA e México não for renovado, os porta-vozes da Townsend não cantam a pedra das mudanças de vulto tão cedo. “Hoje em dia, a capacidade mexicana de PVC está no limite do consumo interno”, expõem. “Por seu turno, a América do Norte já exporta 30% de sua capacidade do vinil e não há mais tanta disponibilidade para direcionar produtos a países fora de sua lista de compradores mais constantes”. Ribeiro admite a hipótese de deslocamento da oferta norte-americana para o Brasil se o retorno superar o entrevisto em outras regiões. “De qualquer forma”, intercede Simone, “a queda do preço do petróleo e, a reboque, da nafta, a vantagem da rota norte-americana do gás de xisto diminuiu em relação a outros países produtores de PVC, razão mais provável para continuarmos a presenciar com destaque ofertas de Taiwan e Coreia do Sul nas importações brasileiras da resina”.

Tubos estão para o balanço de PVC como Neymar para a Seleção. A coexistência com a oferta da resina nacional em mais de 20 anos corridos de antidumping para o vinil mexicano e norte-americano é um assunto evitado por quase todos os transformadores de tubos procurados por Plásticos em Revista. Um deles resumiu o clima por e-mail: “fui orientado pelo nosso departamento jurídico a não participar desta reportagem. Achamos que este caso deve ser analisado pelo Ministério Público Federal, pois esta medida antidumping só favorece as petroquímicas e deixa os produtos brasileiros mais caros (este é mais um custo Brasil!). Em outra oportunidade, respondemos um questionário ao ministério responsável pelo assunto e logo depois fomos advertidos por uma petroquímica que não iremos revelar o nome. Todos nós sabemos que o lobby das petroquímicas em Brasília é muito grande; essa briga e desproporcional!”

Luis Felipe Morgado, diretor da Plastilit, dínamo paranaense dos materiais de construção, foi o único transformador de tubos disposto a falar. “Sobretaxas antidumping visam a proteção contra atividades comerciais desleais”, observa. “Nesse contexto, a renovação da tarifa adicional para PVC mexicano e norte-americano significaria a manutenção da barreira contra tais práticas”. Da teoria à prática é que são elas. A capacidade brasileira do vinil é arredondada por Morgado em 800.000 t/a, enquanto ele vê o mercado interno hoje recorrer a importações da ordem de 500.000 t/a. Dessa forma, ele considera existirem fundamentos para a renovação do antidumping, mas a revisão de seus parâmetros seria essencial por um país visto pelo transformador como o mais protecionista do G20. “Desconheço sobretaxa tão prolongada quanto esta e, desde os anos 1990, sua renovação sempre esteve calcada na proteção da indústria doméstica fornecedora de PVC”, avalia. “Em seu dinamismo, o mercado precisa de ajuste em suas regras de proteção ou exposição da indústria nacional, pois um setor sendo protegido pode causar impactos de maior monta em toda a cadeia produtiva”. Ao longo das últimas duas décadas, martela a tecla Morgado, o mercado acusa mudanças relevantes e, “ainda que não esteja pronto para uma desconstrução da política de antidumping, necessita de revisões de sobretaxas e dos seus desdobramentos de forma a manter a integridade da cadeia total do vinil e sua capacidade de competir mundialmente com uma oferta limitada da resina doméstica cujo valor em média supera em 25% a internacional. O que nos leva a analisar se estamos equilibrados na equação”.

Se o antidumping para PVC do México e EUA for revalidado por mais cinco anos, antevê Morgado, o aumento da oferta de resina do exterior e das condições de competição entre fornecedores podem equiparar os preços internos aos do mercado internacional. Mas ele adverte ser preciso atentar para o desdobramento do quadro. “Ou seja, cumpre saber dosar os aspectos positivos, como a proteção da indústria doméstica e seus empregos, contra os negativos, caso da perda de competitividade internacional dos transformadores, custos elevados para o consumidor nacional, quedas de demanda e os devidos impactos nos resultados das indústrias da terceira geração do vinil”. Morgado admite ser uma empreitada e tanto. “O fórum dessa discussão precisaria ser mais amplo e multissetorial para a compreensão do dano e definição de sobretaxas que contemplem de forma equilibrada a cadeia envolvida, para evitar que um legítimo instrumento de defesa possa ser usado unicamente para protecionismo interno”.

Esses 20 anos de antidumping estão entalados na garganta de José Ricardo Roriz Coelho, presidente da Associação Brasileira da Indústria do Plástico (Abiplast). “Medidas do tipo devem ser válidas por um período pré-determinado visando a recuperação da competitividade da indústria nacional”, ele analisa. “Duas décadas de antidumping é algo totalmente fora do razoável”, reclama. Pelos cálculos do dirigente, o déficit da resina hoje está entre 600.000 e 700.000 toneladas anuais e não há investimento em marcha para expansão de capacidade. “As empresas não têm ímpeto de aumentar a produção. Um dos fabricantes até colocou suas unidades à venda”, Roriz assinala, referindo-se à pretensão da Solvay Indupa de se desfazer de seus ativos de PVC no Brasil e Argentina. As plantas foram até assediadas pela Braskem, segundo fornecedor do vinil no país, mas o negócio foi vetado pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). Caso renovada, essa barreira tarifária, retoma o fio Roriz, vai atrapalhar ainda mais a transformação brasileira. “Países vizinhos, com acesso à matéria-prima barata, vão despachar produto acabado para cá”, ele complementa.
Ao longo dessas duas décadas, Braskem e Solvay Indupa obtiveram o atendimento do governo a seus pleitos de renovações seguidas do antidumping para PVC do México e EUA. Nesse ínterim, por sinal, a Braskem até ampliou em 200.000 toneladas a sua capacidade do vinil, hoje na órbita de 710.000 t/a, mediante expansão de seu complexo em Alagoas. Em contrapartida, a paisagem de agora não guarda o menor parentesco com a do PVC nos anos 1990, a exemplo das importações subindo aos pulos e uma secura de intenções de ampliar a insuficiente produção brasileira do polímero. A propósito, procurado por Plásticos em Revista, Gesner Oliveira, dirigente da consultoria GO Associados e presidente do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) de 1996 a 2000, não deu entrevista.

Luciano Guidolin, vice-presidente executivo da Braskem, jogando no campo oposto ao da transformação e dos consultores, considera essencial que as tarifas adicionais sobre PVC dos Estados Unidos e México sejam mantidas na nova rodada de negociações. “O que está em pauta não é o período de vigência da medida, mas se existem fundamentos técnicos e factuais que justifiquem sua prorrogação”, ele argumenta. Segundo Guidolin, o processo é gerido pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC) e é avaliado por um amplo grupo interministerial. A discussão é ainda aberta à manifestação por parte de todos os atores da indústria, no Brasil e no exterior. “Não me consta que medidas antidumping do setor químico brasileiro já tenham sido questionadas por órgãos internacionais”, ele afiança. Ao longo desses anos, alega o executivo, a proteção tarifária impediu que a produção do vinil estagnasse, possibilitando investimento em expansão de capacidade. “O antidumping foi eficaz ao evitar mais danos à indústria doméstica que poderiam suprimir novos investimentos”. Pela percepção de Guidolin, a situação se agrava com a hipótese de oferta no país de resina vinílica produzida com eteno separado do gás de xisto nos Estados Unidos. Mas ele nega, a propósito, que sua empresa cogite pedir a abertura de investigação sobre prática de dumping para polietileno proveniente da mesma rota norte-americana. Segundo dados do relatório financeiro da Braskem, em 2014, a participação da companhia no mercado brasileiro de PVC correspondia a 52,8%, descontando a fatia detida pela Solvay, cuja capacidade instalada de vinil no país é calculada em 300.000 t/a. De acordo com o mesmo documento, as importações supriram 27,1% do consumo brasileiro do vinil no ano passado. •

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