A conta não fecha. E daí?

A prefeitura de São Paulo comunica a revogação da lei da oferta e da procura em favor do idealismo verde. A decisão foi oficializada na escolha de materiais de fontes renováveis para compor as sacolinhas plásticas em uso no comércio paulistano a partir de abril próximo, em lugar da tradicional versão, crucificada no livro negro dos ecoxiitas, à base de polietileno (PE) de origem fóssil.
Qualquer criança de chupeta associa sacolas de saída de caixa a uma embalagem commodity e, como tal, movida a preço e ganhos de escala, sendo ofertada a comerciantes, supermercados à frente, por um exército de fornecedores de todos os portes. Quanto aos plásticos de fontes renováveis, por força do preço nas alturas e escalas da mão para a boca, eles têm, no Brasil e no mundo, seu raio de alcance limitados a embalagens de artigos de nicho e valor compatível com a absorção dessa matéria-prima mais cara que resinas petroquímicas. Nesse contexto, a Braskem sobressai entre os fornecedores – sejam de plásticos biodegradáveis ou com ingredientes de fontes renováveis – por possuir no Rio Grande do Sul capacidade para formular 200.000 t/a de PE verde. Foi assim batizado por conter eteno proveniente do etanol da cana-de-açúcar, embora não seja polímero biodegradável. Seu preço, não especificado pela Braskem, já foi divulgado por fontes como 20-30% acima do PE convencional nos tempos do barril de óleo acima de US$100. Se, conforme assevera a empresa, os preços da resina petroquímica brasileira andam em linha com a cotação internacional, o custo de PE verde então, manda a aritmética, perde competitividade em face do barateamento da rota empoleirada no petróleo. Na calculadora do FMI, aliás, a superoferta fez o barril desabar de US$ 99,36 em outubro passado a US$ 56,73 em janeiro deste ano. Em efeito dominó, sofre a viabilidade econômica e comercial dos demais biopolímeros, de oferta aliás muitos furos abaixo da capacidade de PE verde, esta também pálida perante a musculatura da produção global das resinas similares base nafta e gás. Números e fatos não mentem, flexibilizam nem degradam.
“O aumento de demanda ajuda a popularizar os materiais sustentáveis”, defende na contramão da realidade Julia Moreno Lara, diretora de planejamento da Autoridade Municipal de Limpeza Urbana (Amlurb), designada porta-voz para esta reportagem pela prefeitura paulistana. “Porque essas matérias-primas de baixo impacto ambiental devem ser utilizadas apenas em produtos premium? Por essência, a sustentabilidade já é democrática. Porque isso não deve se aplicar às sacolas?” Quanto menor o efeito na natureza, mais massificado deveria ser o uso dos materiais de fonte renovável, ela associa.
Os plásticos de fontes renováveis, julga Julia, não encarecerão se as resinas concorrentes de fonte fóssil baixarem de preço. “No máximo, a diferença entre elas pode aumentar um pouco, mas o preço dos bioplásticos não subirá devido à queda do petróleo; podem até cair devido a fatores como produção recorde de alimentos”. Para a executiva, o declínio do barril tem a ver com a autossuficiência no óleo conquistada pelos EUA com a rota do gás de xisto. “Mas mesmo a redução em mais de 60% no preço do barril em quase nada impactou no custo das resinas brasileiras”, ela observa.
A demanda paulistana por sacolas em geral, projeta Julia, não chega a 2% do consumo total nacional de PE, arredondado pela consultoria MaxiQuim em 2.5 milhões de toneladas em 2014. Procurada por Plásticos em Revista, a Associação Brasileira da Indústria de Embalagens Plásticas Flexíveis (Abief) informou que a capital paulistana utiliza em média 1,8 bilhão de sacolas ao ano ou 10% do consumo brasileiro. Considerando que o milheiro da sacola atual pesa em média 4,5 kg, o volume de PE virgem consumido para produzir a quantidade da embalagem mobilizada pelo comércio paulistano ronda 640 t/mês nos cálculos da Braskem.
A entrada de bioplásticos nas sacolas, considera Julia, não terá efeito na produção nacional de PE petroquímico nem na de materiais de fontes renováveis. “Mas será de grande valia para pequenos produtores de bioplásticos se inserirem nesse mercado”. Da mesma forma, ela rechaça a hipótese de a presença de biomateriais em 51% da sacola implique repasse ao público final do reajuste assim inculcado no custo da embalagem. Se comparadas sacolas de PE convencional com o tipo prescrito na resolução municipal, contendo 51% de materiais de fontes renováveis, argumenta a porta-voz do prefeito Fernando Haddad, “o aumento do custo final impactante foi de apenas 4,89%, conforme o preço de venda de líderes na fabricação da embalagem”. Julia cutuca mais fundo: “a nova sacola tem custo produtivo unitário de R$ 0,06 contra R$ 0,04 da versão anterior, uma diferença justificada pelo seu tamanho maior e não pela presença dos elementos de fontes renováveis”, compara a diretora. “No entanto, se considerarmos o custo da sacola por quilo transportado, ela resulta mais barata que o modelo tradicional numa relação por quilo de R$ 0,006 versus R$ 0,008”. A intenção da prefeitura, ela encaixa, visa reduzir o consumo das sacolinhas.
Julia sublinha, a propósito, o critério da seleção desses materiais para as sacolas padronizadas verde, para reuso no acondicionamento de lixo seco, e cinza, para embalar demais tipos de resíduos. PE verde, ela explica, não é a única opção – embora seja, na prática, o único bioplástico produzido em escala de três dígitos no país e sem outra opção no fornecimento comercial regular e consolidado para sacolas de saída de caixa, servido também pela Braskem com seu PE petroquímico. A empresa, aliás, não abre sua produção do bioplástico, comprometida em regra com embalagens de cunho seleto, fora dos redutos commodities de macroconsumo de PE, tipo sacolinhas. “Foi estipulada para a nova sacola uma constituição mínima de 51% de biopolímeros de fontes renováveis (N.R.- o restante cabe a PE convencional), a exemplo de milho, batata e cana”, delimita a diretora da Amlurb. “No mundo inteiro, também estão em desenvolvimento tecnologias como as de polímeros à base de celulose ou cogumelos”. No Brasil, pontua a diretora, “pequenos produtores de plástico à base de amido de milho já operam em Mato Grosso e São Paulo e há investimentos declarados e iniciados no âmbito de biopolímeros de fontes renováveis no Paraná e Minas Gerais, sem falar em detentores dessa tecnologia nos EUA, França, Japão, Israel, Holanda e Itália interessados em joint ventures com empresas brasileiras para entrar no mercado daqui”. Julia arremata seu ponto de vista com uma alusão a PE verde. “Qual a saída encontrada quando faltou eteno base petróleo para completar o aproveitamento da capacidade de PE no Rio Grande do Sul? A cana-de-açúcar. Ou seja, será que devemos sempre esperar nossos recursos escassearem para buscarmos a solução?”
A extração de petróleo, pondera Julia, é condicionada por regulamentações e concessões de uso, restringindo assim a quantidade de produtores do combustível e, por tabela, de PE via gás e nafta. “Já quando falamos de fontes como milho, cana, batata e beterraba, temos maior democratização em termos de variedade de opções e número de produtores”, ela coloca. A própria oferta restrita de PE verde, interpreta a diretora da Amlurb, embute oportunidade para empresas menores que a Braskem produzam biopolímeros, “estimulando o investimento na produção sustentável”, afirma.
A preferência da prefeitura pelas fontes renováveis, ela segue, “também considera uma das tentativas de frear a escassez de recursos naturais que não se recompõem e dos quais somos muito dependentes, um dos grandes dilemas da sociedade atual”. Além do mais, coloca Julia, a medida das sacolinhas atende as metas da Política Nacional de Mudança do Clima. “Isso se refere à diminuição dos efeitos dos gases estufa, devido à capacidade de captar dióxido de carbono disponível no processo agrícola para obtenção das matérias-primas de fontes renováveis”, ela arremata. O projeto das eco sacolas não levou em conta a degradação dos bioplásticos, insere Julia Lara, “pois a cidade ainda não tem operação de compostagem para atender a coleta domiciliar”, nota. “O objetivo é incluir o saco verde na cadeia paulistana de reciclagem”.
A pecha de Geni ambiental atribuída à sacola plástica não decorre de sua matéria-prima, mas do seu descarte incorreto. “Ele polui ruas, bueiros, praças e rios e a lei determina punições a quem praticá-lo”, assevera Julia. A sacola bioplástica, como a denomina a diretora da Amlurb, “é como um símbolo de nossa mudança de cultura, um instrumento de ajuda à fiscalização e de Educação Ambiental em relação à coleta seletiva e descarte consciente”. As sacolas verdes, ela especifica, serão reutilizadas para descarte de material reciclável dirigido à coleta seletiva. Quanto ao modelo cinza, terá o segundo uso no acondicionamento de resíduos orgânicos e rejeitos para os aterros sanitários. “Quando fôr implementada a coleta seletiva de resíduos orgânicos, poderá ser criada especificação técnica para sacolas bioplásticas marrons”, completa a executiva. •

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